ALMEIDA PINHO, VICE-PRESIDENTE DA COOPERATIVA ‘AURORA IMPULO’ DE QUILENGUES (HUÍLA)

“Se o desenvolvimento começa nos municípios, nós apostamos nas zonas francas”

10 Mar. 2020 Grande Entrevista

Tem a convicção inabalável de que a diversificação económica “só é possível com o avanço das zonas francas”, que considera importantes para atrair investidores e  dinheiro fresco. Sobre o combate à corrupção, o empresário acha que “é um problema da justiça”, pelo que “não devemos perder tempo com isso”. E acrescenta:  “porque não produzimos nada e o desemprego está muito acentuado”.

“Se o desenvolvimento começa nos municípios, nós apostamos nas zonas francas”
D.R.

 

O Conselho de Ministros analisou recentemente a proposta de lei sobre zonas francas. O que tem a dizer?

Em nome da cooperativa, tivemos o privilégio de ser chamados pela AGT para darmos as nossas ideias ao esboço que deu origem à proposta levada à apreciação do Conselho de Ministros. Portanto, prestámos o nosso contributo.

Zonas francas, num país em crise?

O país precisa disso, como do pão para a boca.

O que isso significa?

A nossa cooperativa sempre defendeu a necessidade de o país ter zonas francas. Vai daí a proposta que inicialmente remetemos ao chefe do Executivo em 2018. Agora que já existe uma proposta de lei, significa que estamos no bom caminho. 

Até que ponto?

As zonas francas é que vão impulsionar a economia, ou seja, sem elas, o sonho da diversificação económica é uma miragem. 

Porquê?

Elas conformam um conjunto de unidades industriais que terão de produzir quase tudo de que o país necessita. Vão reduzir substancialmente as importações e aumentarão as exportações. 

E quantas são necessárias?

Duas são suficientes, cada uma com 350 unidades industriais. Teríamos uma em Quilengues e outra em Cabinda, esta para absorver os mercados do Congo Brazzaville e da República Democrática do Congo.

Porque Quilengues?

Devido ao incentivo ao comércio interno, tanto de serviços, como de hotelaria, restauração, resorts, para que quem vier por via aérea, terrestre ou marítima, entre e não fique na fronteira.

Portanto, teriam de ser instaladas necessariamente no interior...

Este é um dos pressupostos essenciais, porque o comércio tem de sair beneficiado. Por isso é que a zona franca tem de ficar a 600 ou 1.000 km no interior. Assim, quem vem é obrigado a entrar mesmo no país, consumir combustível, medicamentos, visitar resorts, lanchonetes, enfim, fazer turismo. É tudo integrado porque quem aterrar na capital, Luanda, terá de apanhar um carro, para fazer compras em Quilengues, ou barco, até ao Lobito. Se a zona franca estiver implantada na fronteira, o visitante compra e regressa.

É também uma forma de descongestionar Luanda?

Exactamente!

Que outros ganhos possíveis?

Vamos melhorar bastante a operacionalidade dos portos do Lobito e do Namibe, bem como do Caminho de Ferro de Benguela (CFB) e de Moçamedes (CFM). Como vê, vamos tirar a pressão sobre a capital, Huambo, Benguela, Bié e Cunene, para o centro. Ou seja, o eixo Benguela/ Huíla vai desenvolver-se porque não tem comércio. Ou melhor, não há nada ali, está tudo vazio. Logo, é preciso tirar pressão dos grandes centros urbanos para desenvolver o interior.

Em Benguela, foi lançado um complexo industrial orçado em  600 milhões de dólares para reduzir em 60% a importação de alguns produtos agro-pecuários como farinha de milho, trigo, açúcar, soja, feijão, arroz e carnes. É um bom arranque, não?

Não!

Porquê?

Não, porque não é o que pretendemos.

Então, o que perseguem?

Pretendemos fazer a diversificação da economia, trazendo multinacionais. Tem de haver empresas  micro, médias e  de grande porte, para que se possa ter preços competitivos dos produtos.

Qual será o valor desse investimento todo?

Na zona franca, estamos a contar com um investimento directo de 2.000 milhões a 3.000 milhões de dólares. Aliás, se não for zona franca, não interessa. E não vale a pena estarmos com esses pólos.

Os pólos de desenvolvimento industrial?

Qual é o seu valor? Há dois anos, qual é o investimento que entrou em Angola? Não é significativo!

Os pólos nada representam?

Nós, na zona franca, vamos criar 150 mil empregos. O empresário, quando vem para um parque industrial, é porque tem um problema a montante, ou a margem de lucro é maior. Mas isso é uma coisa mais complexa e sensível.

Pode explicar?

Gostaria que sublinhasse isso: na zona franca da China, há um milhão de empresas que resultam do investimento estrangeiro. Nós só precisamos de 100 mil. Neste momento, o salário mínimo chinês está em 350 dólares, o nosso está abaixo de 100 dólares. O salário médio equivale a 1.050 dólares e o nosso a 100 dólares. Quer dizer que o investidor olha para esses dados porque a zona franca tem de ter benefícios fiscais, porque, se assim não acontecer, ele [investidor] não vem. Queremos ser parceiros do Executivo nesta luta da diversificação económica. Só para dar um pequeno exemplo, teremos 80% das indústrias no Parque Industrial da Camucua, na comuna do Impulo, município de Quilengues, em que um proprietário de farmácia que lá for já não compra um contentor de 20 pés.  Compra as caixas de que necessita, paga o imposto de importação e vem de carro para Luanda. Por sua vez, os investidores vão depositar o dinheiro no BNA.

“Se o desenvolvimento começa nos municípios, nós apostamos nas zonas francas”

Falou da construção de um ramal ferroviário a partir da Bibala...

É uma linha de 35 quilómetros, para carregar a produção de tantalite, um metal raro usado no fabrico de foguetões, telemóveis, computadores, só para citar estes. A mina da Bonga Chivira, a 20 quilómetros de Quilengues, entra já em funcionamento este mês de Março e vai explorar igualmente nióbio, alumínio, ou seja, serão 10 projectos num só.

Quem vai explorar o negócio?

Uma multinacional em parceria com angolanos.

A mina surge no espírito da zona franca?

Não. Quando vieram, já estávamos implantados aqui onde temos já adquiridos só para a zona industrial 3.000 hectares, para além de outros espaços projectados para área comercial e de serviços. O único problema é da energia eléctrica que o ministro João Baptista Borges prometeu mas ainda não resolveu.

O ramal não teria utilidade para a zona franca?

Será aproveitado, porque as indústrias vão exportar para o mundo inteiro. Os importadores, em vez de irem para a China, virão para aqui. Nós é que temos de trabalhar. O único segredo que existe é que a China, numa fábrica, produz numa hora 1.000 peças e nós angolanos podemos produzir apenas 50, mas, ao fim de dois anos, também poderemos atingir essa meta. É só uma questão de formação.

Ou seja...

Ou seja, as empresas que vierem terão de dar formação em quantidade e qualidade.  Há alguns quadros que temos de ir buscar. Por exemplo, um grupo de empresários holandeses deseja, desde 2011, avançar com uma universidade holandesa de agronomia. Temos de aproveitar os momentos.

Porque a ideia é competir com a China, por exemplo, certo?

Tem de ser. Eles [chineses] não são melhores do que nós. Se não o fizermos, ficaremos parados como país em vias de desenvolvimento. Portanto, o que interessa é ajudarmos o Executivo a diminuir o desemprego, aumentar a nossa qualidade de vida e a nossa juventude formar-se para o futuro da indústria. Temos de ter um início. 

Está optimista?

Estou esperançado. Fomos chamados e posso garantir, com toda a humildade, que dominamos e compreendemos bem o que estamos a dizer. Se o desenvolvimento tem que vir dos municípios, como defende o Executivo, então nós estamos rigorosamente apostados na zona franca de Quilengues e não num pólo. Se sair do papel, posso garantir-lhe que vamos exportar mais do que os petróleos e os diamantes.

Como?

Gostaríamos, para não sermos exagerados, de ter 5% do que a China exporta.

Em quanto tempo?

Isso pode ser rápido, num horizonte de ano e meio. Só temos extracção de recursos naturais. Mas, a partir desta altura de grande abertura do PR e da equipa económica, temos de passar da extracção dos recursos naturais para a transformação dos produtos, apostar nos serviços e no conhecimento.

Há garantias quanto a investidores?

Em princípio, há dois blocos muito virados para nós. O bloco europeu e os EUA. O médio oriente também está interessado. Só para dar um exemplo, na área do ambiente temos inúmeros interessados porque há muita coisa virgem. Temos o mar, mas importamos conservas de atum, sardinha, bacalhau, tremoços, enfim, precisamos de inverter essa triste realidade. Até mesmo a indústria de diamantes pode ser ‘arrastada’ para a zona franca com uma lei de comercialização mais atractiva.

A nova Lei não é?

Temos de ir para a Lei de 1992 e não esta que existe agora. É inconstitucional.

Porquê?

Em 1992 foi aprovada uma lei em que todos os angolanos podiam circular com os diamantes no bolso, mas tinham de vendê-los aqui. Não estou contra a ‘Operação transparência’, foi boa, mas criou-se uma lei em que a Sodiam continua com o monopólio e fechou todas as empresas de comercialização. Não pode ser.

Como devia ser?

Quando se termina uma coisa é preciso encontrar uma outra solução. Isso não aconteceu. As províncias da Lunda-Sul, Lunda- Norte e Malanje, neste momento, estão com problemas. Parou a economia naquela região. Isso é grave, porque os diamantes estão a sair para a RDC, Zâmbia e Namíbia. Mas, na lei de 1992, os garimpeiros vinham a Luanda vender. Portanto o controlo dependia daqui. De todas as formas, vamos aguardar pelas adendas à Lei.

Como vê a política económica do Governo?

A política económica está correcta. O Prodesi é claro, mas precisa de alguns acréscimos, porque deixou muitos sectores de fora. Mas, no todo, concordo.

E sobre o IVA?

Tinha de ser implantado em todos os sectores, não como está. O pequeno produtor compra e depois fica com o IVA ‘pendurado’. Onde o vai receber?

O câmbio está cada vez mais livre e empresas estão a fechar…

Porque não temos nada para exportar.

Soluções?

Quando se fez a desvalorização, devia aprovar-se imediatamente a lei das zonas francas para ter suporte da produção exportável. Portanto, o contrapeso seriam estas zonas francas que permitiram o encaixe de divisas em força. 

Como avalia a ‘incursão’ do FMI?

É necessária, na medida em que tínhamos ‘maus vícios’. Pelo menos veio um órgão para nos apontar o caminho a seguir. Acabou um sistema, e agora entrou outro correcto.

E o ambiente de negócios?

Não está bom porque o BNA e as suas medidas enxugaram o mercado e não há liquidez. Tudo o que é importando está caro. Por isso é que há necessidade de encontrarmos saídas rápidas para o aumento da produção e da produtividade.

Num país ‘infestado’ pela corrupção…

Deixemos o que é da justiça para a justiça. Não devemos parar e perder tempo com isso. Hoje as estatísticas do desemprego são muito elevadas. Até porque os números estão desencontrados.


Estão na ordem de 31%?

É muito mais que isso. Só a Odebrecht mandou 22 mil funcionários para a rua, a Metroeuropa, 16 mil,  para além da 7Cunhas, MotaEgil, Texeira Duarte, os números são expressivos. Portanto, se não fizermos as indústrias da forma como estamos a dizer, não teremos hipóteses. E o Governo tem de olhar para isso como da água para beber. Precisa-se disso com urgência, enquanto os privados estão à espera para entrar, investir e dar emprego.