A causa da crise em Angola
Nos últimos 12 meses, tenho lido textos, informações, assistindo e ouvindo vários debates sobre a economia angolana. É unânime, entre os interlocutores, que o causador do cenário de crise económica e financeira que Angola está a viver é a baixa do preço de barril de petróleo a nível internacional. Parece que, para os interlocutores, apontar o petróleo como causador da crise torna mais facíl encontrar uma fórmula para a solução: é o preço do barril de petróleo subir.Ter isto como solução é como confiar na sorte, só que pode dar um grande azar. E, por outro lado, estariamos sempre a depender do petróleo até acabar. Existem paises sem petróleo e vivem super bem.
Tecnicamente, porque chegámos até aqui? Qual foi o problema central da economia angolana?
Se nós pegássemos numa máquina do tempo e regressássemos a 2002, verámos que a política económica errou na matriz (criámos um modelo económico que assenta no consumo público explosivo).
Tínhamos e temos, depois de alcançar o nosso bem maior, a paz, um problema no lado da oferta (produção interna) e pensámos que era no lado da procura, então, começámos e continuamos a fornecer subsídios e incentivos para o lado da procura (através de orçamentos expansionistas), desconsiderando o ‘supply side’ (parte da oferta interna). Tínhamos um problema de falta de oferta e o tratamos como falta de procura (como os Keynesianos advogam).
Estávamos em pleno ambiente geopolítico e económico – financeiro internacional favorável. Crescer, de forma estrutural e sustentável, exigiria ganhos de produtividade, ou seja, foco no supply side . Fizemos o contrário: na última década o sector público mais do que duplicou (tínhamos 15 ministérios em 2002 passámos para 33 em 2012, aumentámos os institutos públicos, criámos novas empresas públicas e outros novos entes públicos).
Analisando o comportamento das despesas orçamentais em percentagens do PIB, ao longo da última década, as despesas correntes (de curto prazo), foram sempre superior às despesas estruturantes (FBCF ), como podemos observar em alguns anos, as despesas de curto prazo: 2009 (29,5%), 2010 (28,6%), 2011 (30,0%), 2012 (29,0%), 2013 (28,7%) e 2014 (28,8%); As despesas de longo prazo: 2009 (12,4%), 2010 (11,4%), 2011 (10,2%), 2012 (12,3%), 2013 (12,1%) e 2014 (27,5%) , segundo o relatório do FMI (consultas de 2015 ao abrigo do artigo iv). Criámos um modelo em que o sector público é o maior cliente do sector privado, o que significa que o sector privado é um sector público camuflado. Segundo Hodges (2002), em 2002, em média, os salários de um técnico superior da função pública rondava os 150,00 USD, hoje é muito provável que esteja acima de 1.000,00 USD, sem produzir quase nada. O produto interno bruto não-petrolífero aumentou, mas, na óptica da despesa e a economia ficou balofa. Os modelos económicos que assentam em grande medida no consumo estimulam as importações.
Fornecemos mais combustível à demanda agregada, criando uma inflação que foi controlada e mascarada (a inflação saí de 105,5% em 2002 para 7,48% em 2014), pelo mecanismo de manipulação de taxa de câmbio derivada na sua maior parte das divisas provenientes da exportação de petróleo, na medida em que o preço estava acima de 100,00 USD, influenciando que as importações respondessem à procura que se criou sem produzir nada. E as políticas ultra-expansionistas da última década em Angola foram apoiadas entusiasticamente pela maior parte dos economistas Keynesianos angolanos, que hoje fingem não ter nada que ver com assunto. E a economia angolana tornou-se mais Keynesiana do que o próprio Keynes.
A nossa crise não é causada pelo petróleo, mas sim é a crise de destruição de riqueza, ou seja, de consumo explosivo, na medida em que, quanto mais aumentávamos a dimensão do sector público, retardávamos o crescimento económico e dávamos cabo da riqueza. Se analisarmos com mais detalhes a nossa crise, ela é atípica e não típica, ou seja, não deriva de um ciclo que estava superaquecido com produtividade e atingiu o ‘steady state’ (estado estacionário) e está em recessão. Esta crise é atípica porque deriva da destruição da riqueza, do consumo explosivo (em que as pessoas, para casar, mobilar a casa, para viajar, para ir de férias e outras despesas solicitavam crédito) e o sector produtivo não criou capacidade de alterar a estrutura base de exportação. Engordámos sem produzir nada.
O petróleo fez-nos viver uma vida que não era nossa, estamos na crise que sempre estivemos, porque os indicadores eram artificiais e conjunturais. Agora, o petróleo está a dizer-nos que não há almoços grátis e temos de mudar de vida. Desligou apenas o aparelho da farra, no sentido de irmos dormir porque amanhã é dia de muito trabalho. Um diagnóstico errado jamais produziria um bom prognóstico.
O problema já está identificado e a solução é fácil, o difícil é implementar por parte dos decisores. Porque consiste em desfazer a procura que criámos sem produzir nada, através de uma reforma estrutura profunda.
Reformas estruturas derivadas de políticas estruturas, que são, no essencial, políticas microeconómicas destinadas à melhoria do potencial de oferta da economia, daí o serem também designadas de políticas do lado da oferta, através da promoção da eficiência dos mercados e dos sectores de actividade, contribuindo, assim, para uma maior taxa de crescimento do produto real da economia. Basicamente, as políticas estruturas visam reduzir o peso do sector público na economia, transformar os menos produtivos em mais produtivos, combater os salários ineficientes e investir, de forma racional e sofisticada, nas despesas estruturantes dos sectores estratégicos para se ter expectativa de crescimento económico de médio e longo prazos.
Por outro lado, é fundamental a liberdade económica: enquanto o único remédio que torna os angolanos capazes de explorar o máxímo o seu potencial ou talento. Sem liberdade económica não haverá crescimento económico sustentável. Penso que este é um dos elementos que nos faz não responder às exigências da globalização económica. Também a inserção global da economia angolana passa por soluções de entraves económicos, relativamente à abertura ao resto do mundo.
Entretanto, é sabido que a agenda de reforma estrutural, através de uma agenda de economia liberal, é difícil, mas necessária. Porque o que a crise nos questiona é o quanto estamos dispostos a sofrer para amanhã prosperarmos.
O remédio não é a vitamina doce, é amargo, mas o doente sobrevive. E estamos a atrasar a aplicar tais medidas. Isto significa que a altura da queda está a aumentar e a dor será maior.
Neste momento, se houver uma recuperação do preço do barril de petróleo, estaríamos apenas a adiar o problema, porque o Kuduro de aumentar a dimensão do sector público continuaria. Penso que devemos enfrentar o mais rapidamente possível uma agenda profunda de reforma estrutural, se não a crise continuará a enfrentar aquilo que os brasileiro dizem “a gente”. Economista e Professor de Macroeconomia Estruturalista
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