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A economia global em 2018

04 Dec. 2017 Michael Spence Opinião

A economia global enfrentará sérios desafios nos meses e anos que se avizinham, tendo como cenário de fundo, uma montanha de dívidas que torna os mercados nervosos - aumentando a vulnerabilidade do sistema a choques desestabilizadores. No entanto, o cenário base parece ser de continuidade, sem convulsões óbvias no horizonte.

Há uma série de perguntas recorrentes que nos fazem a nós economistas, para informar sobre escolhas que empresas, indivíduos e instituições devem fazer em áreas como o investimento, educação e emprego, bem como sobre as suas expectativas políticas futuras. Na maioria dos casos, não temos uma resposta definitiva. Mas, com informações suficientes, é possível discernir as tendências, em termos de economia, mercados e tecnologia, e formular previsões razoáveis.

No mundo desenvolvido, 2017 será provavelmente recordado como um período de fortes contrastes, onde muitas economias experimentaram uma aceleração do crescimento, acompanhada por uma fragmentação política, polarização e tensão, tanto a nível nacional como internacional. A longo prazo, é improvável que o desempenho económico seja imune às forças políticas e sociais centrífugas. No entanto, até agora, os mercados e as economias conseguiram reter a desordem política, e o risco de um considerável retrocesso a curto prazo parece relativamente pequeno.

A única excepção é o Reino Unido, que enfrenta, neste momento, um processo confuso e fracturante: o Brexit. No outro lado da Europa, a severamente enfraquecida chanceler da Alemanha, Ângela Merkel, está a lutar para formar um governo de coligação. Nada disto é bom para o Reino Unido ou para o resto da Europa, que precisa desesperadamente que a França e a Alemanha trabalhem juntas para reformar a União Europeia.

Um choque potencial que tem recebido muita atenção, refere-se a um possível aperto monetário. Contudo, e tendo em vista uma melhoria do desempenho económico no mundo desenvolvido, não parece ser provável que a inversão gradual de uma política monetária ultra flexível afecte seriamente os valores dos activos. Talvez a tão aguardada convergência ascendente dos fundamentos económicos para validar as avaliações do mercado esteja assim mais próxima.

Na Ásia, o presidente chinês, Xi Jinping, está numa posição mais forte do que nunca, sendo previsível uma gestão eficaz dos desequilíbrios e um crescimento mais direccionado para o consumo e a inovação. A Índia também parece estar preparada para sustentar o crescimento e o impulso das reformas. À medida que estas economias crescem, outras se lhes seguirão em toda a região e fora dela.

No que diz respeito à tecnologia, especialmente digital, a China e os Estados Unidos continuarão a dominar nos próximos anos, pois continuam a financiar a investigação básica, obtendo assim grandes benefícios da comercialização das inovações. Estes dois países também são o domicílio das principais plataformas de interacção económica e social, que retiram benefícios dos efeitos de rede, da anulação de disparidades informativas e, talvez, o mais importante, das capacidades e aplicações da inteligência artificial que utilizam e geram grandes conjuntos de dados valiosos.

Estas plataformas não são apenas lucrativas per si; também produzem uma série de oportunidades correlacionadas para a criação de novos modelos de negócios que operam para e em torno destas, como, por exemplo, publicidade, logística e finanças. Perante isto, economias que não possuam tais plataformas, como a UE, estão em desvantagem. Mesmo a América Latina já possui um importante agente inovador no comércio electrónico interno (Mercado Libre) e um sistema de pagamentos digitais (Mercado Pago).

Nos sistemas de pagamentos on-line, a China lidera. Com grande parte da população do país a “saltar” directamente dos pagamentos em numerário para os pagamentos on-line móveis - ignorando os cheques e os cartões de crédito - os sistemas de pagamentos da China são sólidos.

No início deste mês, no dia dos solteiros, (uma celebração anual orientada para o consumo juvenil, que se converteu no maior evento de compras do mundo), a principal plataforma de pagamentos on-line da China, Alipay, processou até 256.000 pagamentos por segundo, utilizando uma arquitectura sólida de computação em nuvem. Existe também um leque impressionante de oportunidades para expandir os serviços financeiros - desde avaliações de crédito até à gestão de activos e seguros - na plataforma Alipay e a sua expansão para outros países asiáticos através de parcerias já está em andamento.

Nos próximos anos, também será necessário que as economias mais desenvolvidas e em vias de desenvolvimento se esforcem para atingir padrões de crescimento mais inclusivos. Aqui, prevejo que os governos nacionais dêem lugar às empresas, aos governos sub-nacionais, sindicatos e instituições educacionais e sem fins lucrativos para impulsionar o progresso, especialmente nos locais mais atingidos pela fragmentação política e pela reacção contra o establishment político. Fragmentação que provavelmente se intensificará.

Tudo indica que a automatização sustentará e até acelerará a mudança, pelo lado da procura, dos mercados de trabalho, em áreas que vão desde a produção fabril e a logística até à medicina e ao direito, enquanto as respostas pelo lado da oferta serão muito mais lentas. Como resultado, mesmo que os trabalhadores recebam um apoio mais forte durante as transições estruturais (sob a forma de apoio ao rendimento e opções de reconversão), é provável que cresçam os desajustes no mercado de trabalho, aumentando a desigualdade e contribuindo para uma maior polarização política e social.

No entanto, existem razões para sermos cautelosamente optimistas. Para começar, subsiste um amplo consenso entre as economias desenvolvidas e emergentes sobre a conveniência de manter uma economia global relativamente aberta.

A notável excepção é a dos EUA, conquanto não esteja claro neste momento se o governo do presidente Donald Trump pretende realmente recuar na cooperação internacional ou simplesmente posicionar-se para renegociar termos mais favoráveis aos EUA. O que parece claro, pelo menos por agora, é que não se pode contar com os americanos para actuarem como o principal patrocinador e arquitecto de um sistema global de regras em mudança para gerir de uma forma equitativa a interdependência.

A situação é semelhante em relação à mitigação das alterações climáticas. Actualmente, os EUA são o único país que não está comprometido com o acordo climático de Paris, que se manteve apesar da retirada do governo Trump. Mesmo dentro dos EUA, cidades, estados e empresas, bem como uma série de organizações da sociedade civil, sinalizaram um compromisso credível tendo em vista o cumprimento das obrigações do país no que concerne ao clima, com ou sem o apoio do governo federal.

Ainda assim, o mundo tem um longo caminho a percorrer, dado que a dependência face ao carvão permanece alta. O Financial Times informa que o pico na procura de carvão na Índia ocorrerá dentro de dez anos, com um crescimento modesto no presente e no futuro. Embora exista um potencial positivo neste cenário, que depende de uma redução mais acelerada dos custos da energia verde, o mundo ainda está longe de um crescimento negativo nas emissões de dióxido de carbono.

Tudo isto sugere que a economia global enfrentará sérios desafios nos próximos meses e nos próximos anos. E, ao fundo, está uma montanha de dívidas que torna os mercados inquietos e aumenta a vulnerabilidade do sistema a perturbações desestabilizadoras. No entanto, o cenário base a curto prazo parece ser de continuidade. O poder e a influência económica continuarão a deslocar-se do ocidente para o oriente, sem qualquer alteração súbita nos padrões de trabalho, rendimento, polarização política e social, principalmente nos países mais desenvolvidos, e sem convulsões óbvias no horizonte.

 

Prémio Nobel de Economia, é Professor de Economia na Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova Iorque, Ilustre Visiting Fellow no Conselho de Relações Exteriores, Senior Fellow da Instituição de Hoover na Universidade de Stanford, Co-Presidente do Conselho Consultivo do Instituto Global da Ásia em Hong Kong e presidente do Conselho da Agenda Global do Fórum Económico Mundial sobre Novos Modelos de Crescimento. É autor de A Próxima Convergência - O Futuro do Crescimento Económico num Mundo a várias Velocidades.