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A educação é crucial para a resposta de África à COVID-19

10 Jun. 2020 Opinião

Os líderes políticos africanos têm muito com que se ocupar: aumento das infecções por COVID-19, sistemas de saúde fragilizados, insegurança alimentar crescente e, em determinadas áreas, agravamento da instabilidade social. E com o esgotamento das receitas governamentais no meio da mais acentuada contracção económica do continente registada em décadas, os recursos disponíveis para enfrentar estes desafios estão a escassear.

Análises recentes indicam que alguns governos africanos estão a reduzir os orçamentos para a educação como resposta à pandemia – e se a crise financeira global de 2008 servir de exemplo, os doadores farão o mesmo. E enquanto os governos conseguiram manter os orçamentos para a educação durante a crise de 2008 através da emissão de dívida, os actuais encargos do continente com as dívidas do sector público já são pesados e as condições para concessão de empréstimos não são favoráveis.

Mas a educação é uma das actividades governamentais com maior dimensão e mais consequentes em África e, ao ignorá-la, os decisores políticos e as agências humanitárias colocam o continente em risco. Na verdade, ao continuarem a apoiar a educação durante a pandemia, os governos podem reforçar a resposta imediata à COVID-19 e a recuperação de longo prazo nos seus países de quatro maneiras fundamentais.

Primeiro, a COVID-19 está a atingir com maior violência as pessoas mais vulneráveis de África: a insegurança alimentar aumentou de forma alarmante e a recessão económica deverá empurrar para a pobreza extrema mais 23 milhões de pessoas na África Subsaariana. Mas assim que as escolas reabrirem, serão veículos poderosos para a distribuição de protecção social às famílias que mais dela precisem, o que motivará a assiduidade. Por exemplo, os programas escolares que proporcionem rações alimentares e apoios em transferências de dinheiro para levar para casa incentivam as famílias com menos recursos a enviar as suas crianças para a escola, ao mesmo tempo que lhes fornecem o muito necessário apoio alimentar e económico.

De modo semelhante, a educação desempenha um papel importante no apoio à resposta da saúde à pandemia. Por exemplo, as mensagens sanitárias vitais relativas à covid-19 – que vão desde as técnicas adequadas para lavar as mãos à utilização de máscaras faciais – podem ser integradas em programas nacionais de aprendizagem à distância. Esta estratégia de fornecer conhecimentos às crianças para que o comportamento das suas famílias seja alterado já provou ser eficaz em campanhas de saúde pública anteriores e países como a Tanzânia, o Gana, e o Uganda já a adoptaram para a covid-19. Adicionalmente, as escolas também servem regularmente como importantes locais de primeira linha para intervenções sanitárias, como campanhas de vacinação.

Segundo, enquanto a inadequação da assistência aos segmentos mais vulneráveis da população corre o risco de provocar protestos e de alimentar o descontentamento civil, a continuidade da educação pode contribuir para a estabilidade social. Já durante a pandemia, jovens e mulheres na África do Sul, Malawi e Nigéria saíram às ruas para protestar contra a escassez de alimentos e de outras necessidades básicas. Mas se aproveitarem a capacidade das escolas para disseminar a assistência à protecção social, os governos podem proporcionar a tão necessária assistência e assim melhorar a situação das famílias com baixos rendimentos e em situação de insegurança alimentar.

Além disso, é demonstrado, por investigação extensa, que a provisão desigual de serviços de educação aumenta o risco de agitação e conflito social. Sem um investimento continuado na educação, o fosso entre os ricos e os pobres aumentará ainda mais, à medida que as famílias abastadas adquirirem oportunidades educativas para as suas crianças que deixem para trás os outros alunos.

Terceiro, pagar a professores ajuda a economia. A nossa análise a 33 países africanos, que usou dados do Instituto de Estatística da UNESCO e o Banco Mundial, concluiu que os salários dos professores e do pessoal escolar chegavam em média aos 3% do PIB, mais do triplo do incentivo financeiro médio anunciado pelos governos africanos para a luta contra a pandemia. Os professores constituem um dos maiores grupos de funcionários públicos em muitos países africanos e o seu trabalho diário não é apenas intrinsecamente valioso, mas também contribui consideravelmente para a economia local e nacional. Além disso, permitir que os professores continuem a ensinar facilita o retorno dos pais ao trabalho.

Finalmente, a continuidade na educação é essencial para a produtividade e para a competitividade. As pausas prolongadas na provisão de acções educativas ou uma degradação profunda da sua qualidade, prejudicam a competitividade de África a longo prazo. Muitas das estimativas actuais de perdas de aprendizagem devidas à covid-19 já traçam um quadro preocupante para os jovens africanos. Os economistas da Brookings Institution e do Banco Mundial estimam que, com apenas quatro meses de escolaridade perdida e mudanças menores na qualidade do ensino, os rendimentos ao longo da vida dos actuais estudantes nos EUA vão sofrer uma redução considerável, representada por uma perda de quase 13% do PIB do país durante as próximas gerações.

África já evidencia um atraso significativo relativamente a outras regiões no que diz respeito ao desenvolvimento do capital humano, devido às carências nas áreas da saúde e da educação. Segundo o Banco Mundial, o Índice de Capital Humano de África é actualmente apenas de 0,4 (numa escala de 0 a 1), o que significa que o PIB por trabalhador vai aumentar 250% se a região conseguir resultados máximos na saúde e na educação. Em contrapartida, a degradação nestas áreas aumentará o fosso de produtividade entre os trabalhadores de África e dos outros países.

À medida em que a produtividade e a competitividade de longo prazo de África sofrerão como consequência da perda de escolaridade dependerá do modo como os governos conseguirem continuar as actividades educativas durante a pandemia. Estimativas recentes mostram que apenas 25% dos países de baixo rendimento fornecem actualmente oportunidades de aprendizagem online ou à distância. Mas a instrução interactiva por rádio pode ser eficaz se for bem-concebida e o Ministério da Educação do Malawi está a colaborar com organizações da sociedade para proporcionar instrução de alfabetização e aritmética através de ‘tabletsoff-line’ alimentados a energia solar. Esta é apenas uma das muitas abordagens de ‘salto de etapas’ que poderá originar modos novos e mais eficazes de proporcionar um ensino de qualidade aos jovens, durante a pandemia e no futuro.

A covid-19 presenteou os decisores políticos africanos com uma chuva de escolhas difíceis. Mas se os governos continuarem a investir na educação em paralelo com iniciativas de saúde, de protecção social e de recuperação económica, estimularão o bem-estar dos jovens e reforçarão a prosperidade das famílias, das comunidades e dos países.

 

Jean-Marc Bernard, Economista senior, especialista em Educação

 

Brahima Coulibaly, Vice presidente do depart. de Economia na Brookings Institution. de Harvard 

 

Rebecca Winthrop, Co-directora do Centro de Educação Universal da Brookings Institution