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A hora de África

05 Feb. 2018 Kaushik Basu Opinião

O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) acaba de publicar a sua perspectiva económica para 2018. A publicação deste ano - mais curta do que o habitual, analiticamente bem estruturada e escrita em prosa lúcida, sem hipérboles - de certa forma, reflecte a própria transformação de África, já que dá esperanças de que podemos presenciar ao desenvolvimento económico prometido.

A ascensão da África ocorre há muito tempo. Na década de 1960, as esperanças eram altas. Os notáveis líderes da geração da independência - como o Kwame Nkrumah, do Gana, e Jomo Kenyatta, do Quénia - receberam conselhos dos principais economistas do mundo. Por exemplo, o prémio Nobel do Caribe, Arthur Lewis, tornou-se o principal assessor económico da Nkrumah.

Na Índia, sabemos da amizade desses líderes com o primeiro-ministro pós-independência, Jawaharlal Nehru, e a esperança de um novo amanhecer para todas as economias emergentes. E muitas economias emergentes realmente descolaram. No final da década de 1960, algumas economias do Leste asiático avançaram. A partir do início da década de 1980, a China começou o seu avanço que já dura há décadas. E, desde o início da década de 1990, a economia da Índia também começou a crescer de uma forma robusta, com taxas anuais a atingirem os 9% até 2005.

Mas África permaneceu estagnada, atolada na pobreza. Ironicamente, foi a riqueza de recursos do continente que dificultou o progresso económico, pois alimentou conflitos entre governos e rebeldes ansiosos para controlar o poder. A instabilidade política atraiu estrangeiros interessados em explorar a fraqueza dos governos. Como escreveu Rabindranath Tagore, poeta indiano e Prémio Nobel, no poema de 1936 ‘Ode a África’, que tocava na percepção de quem é “civilizado”, o continente foi preso à “ganância bárbara da civilização”, em que os colonos “chegaram (…) com as garras mais afiadas do que qualquer um dos seus lobos”.

Finalmente, na dobragem do século XXI, as coisas começaram a mudar para África. Alguns líderes dinâmicos, movimentos democráticos e cooperação regional emergente levaram a um declínio na pobreza e a um aumento do crescimento. Os exportadores de ‘commodities’ enfrentaram um recuo em 2014, quando os preços caíram. Mas isso foi uma benção, porque obrigou os países a diversificarem as suas economias e a aumentarem a produção - factores que apoiaram o crescimento renovado.

De acordo com o relatório do BAD, as 54 economias de África cresceram, em média, 2,2% em 2016, e 3,6%, em 2017. Em 2018, o BAD prevê que o crescimento médio deverá acelerar para 4,1%, enquanto o Banco Mundial espera que o Gana cresça 8,3 %, a Etiópia 8,2%, e o Senegal 6,9%, colocando estes países entre as economias de crescimento mais rápido do mundo. E esses números não são ilusórios: em 2016, o PIB da Etiópia cresceu 7,6%.

Claro que continuam a existir sérios desafios. A África do Sul, a economia mais forte do continente, enfrenta agora a difícil tarefa de derrotar a corrupção profundamente enraizada. O Congresso Nacional Africano (ANC) está aparentemente determinado a substituir uma administração escandalosa do presidente Jacob Zuma. Com um novo líder do partido, Cyril Ramaphosa, há motivos para se ter esperanças.

Muitos países africanos precisam de encontrar formas de criar mais emprego e rapidamente. A população, em idade activa, aumenta mais rapidamente em África do que em qualquer outra região. Este ‘dividendo demográfico’ tem imenso potencial. Mas, se a criação de emprego se atrasar, os desempregados, ou os que têm um subemprego, provavelmente ficarão frustrados, o que é uma receita para conflitos.

Na Tanzânia, graças ao esforço do presidente John Magufuli de mobilizar mais receitas internas para apoiar o aumento das despesas públicas, a economia cresce. Mas, com cerca de 800 mil pessoas, todos os anos, a integrar a força de trabalho, a Tanzânia precisa de muito mais capital, melhores infra-estruturas e reformas educacionais, visando assegurar que os trabalhadores tenham capacidades, recursos e oportunidades para garantir empregos dignos.

O mesmo se aplica na Etiópia. Nas últimas duas décadas, o país deu grandes passos no crescimento liderado pelas exportações e apoiado por um sector industrial crescente e por grandes investimentos da China. Agora, está prestes a assumir a posição de poder económico da África Oriental. No entanto, a taxa de desemprego juvenil urbano é de 23,3%. Sem restrições, esta situação poderia facilmente acabar a alimentar conflitos étnicos e turbulências políticas.

Outro desafio diz respeito à mobilização de recursos: os países precisam de fundos para investir em infra-estruturas, capital humano e criação de comércio e tecnologia dentro e fora da África. O relatório do BAfD estima que, apenas para o investimento em infra-estruturas, o continente precise de 170 mil milhões de dólares por ano, o que representa 100 mil milhões de dólares a mais do que actualmente está disponível. Por enquanto, África recebe anualmente cerca de 60 mil milhões em investimentos estrangeiros directos.

Para reduzir a lacuna, os governos africanos devem atrair mais dinheiro. Isso exige o estabelecimento de estruturas regulatórias efectivas que facilitem o empréstimo e o reembolso a longo prazo, assegurando ao mesmo tempo que os credores não explorem os bancos, como ocorreu em toda a Índia rural com o mercado de hipotecas dos EUA.

Os desafios são assustadores, no mínimo. Mas há lições que os países africanos podem aprender uns com os outros. Por exemplo, a transferência suave de poder no Gana, após as eleições de Dezembro de 2016, é um exemplo democrático. O Estado de Lagos, na Nigéria, e a Tanzânia fizeram um bom trabalho de mobilização de recursos internos para o desenvolvimento. Acrescente-se a isto o surgimento de uma intelectualidade indígena na região, exemplificada por organizações como o BAD, e parece que o momento da África pode, finalmente, ter chegado.

 

Economista, ex-chefe do Banco Mundial, é professor de economia da Universidade de Cornell, EUA.