A persistência dos desequilíbrios globais
O foco principal do simpósio deste ano, do banco da reserva federal americana (Fed), na cidade de Kansas em Jackson Hole, Wyoming, que reúne os principais banqueiros centrais do mundo, não era expressamente sobre a política monetária.O discurso de abertura da presidente do Fed, Janet Yellen, enfatizou as mudanças na política de regulamentação que se seguiram à crise financeira global de 2008, enquanto o discurso do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, abordou a necessidade de reformas contínuas na Europa para sustentar a recente recuperação económica da zona euro.
Mas foram o comércio e as finanças globais - as principais forças que moldam a perspectiva económica e as condições do mercado financeiro com as quais os banqueiros centrais lidam - que ocuparam um lugar central. Sobre os efeitos da globalização do comércio de bens e serviços, a discussão destacou os custos para o emprego interno, os salários e a desigualdade. Do lado das finanças, os fluxos de capital internacionais e os desequilíbrios globais foram o principal foco.
E aqui, o velho ditado aplica-se: quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem na mesma. Durante a maior parte das últimas quatro décadas, os Estados Unidos foram um importador líquido de capital do resto do mundo.
Desde o início do século anterior até ao início da década de 1980, que os EUA raramente registaram deficit na sua conta corrente externa (ver gráfico). A conta corrente reflecte o saldo da balança poupança-investimento da economia. Quando a poupança excede o investimento, o resultado é um excedente da conta corrente, e a economia torna-se num credor para o resto do mundo. Depois que emergiu como uma potência mundial no final da Primeira Guerra Mundial, os EUA tornaram-se num fornecedor líquido de capital para o resto do mundo.
Fontes: Estatísticas históricas dos Estados Unidos, Relatório Económico do Presidente, Perspectivas Económicas Mundiais do FMI. Em 1987, o economista C. Fred Bergsten, foi o primeiro a sinalizar que os desequilíbrios globais caminham em direcção a um território desconhecido. “Os Estados Unidos, criadores do sistema económico do pós-guerra e o lar da principal moeda do mundo”, escreveu ele, “tornou-se na maior região devedora já conhecida da humanidade – e a sua tinta vermelha continuará a fluir pelo menos até à década de 1990. O Japão, amplamente visto como um país em desenvolvimento há apenas uma geração, tornou-se, de longe, no maior credor - e a sua acumulação de activos externos continuará a expandir rapidamente tão longe quanto é possível prever”.
O Japão foi identificado como um culpado particular dos crescentes desequilíbrios globais, porque o seu excedente de conta corrente superou 4% do seu PIB em 1986, enquanto o Banco do Japão acumulou níveis recordes de títulos do Tesouro dos EUA.
O Japão adoptou limites “voluntários” nalgumas exportações para os EUA e, no âmbito do Acordo Plaza, no final de 1985, ajudou a preparar a reavaliação do iene face ao dólar. No entanto, no final da década de 1980, com um iene forte, as bolhas das acções e dos activos em imobiliário japoneses rebentaram e a taxa de crescimento do Japão caiu. Por volta da mesma altura, a Coreia do Sul emergiu temporariamente como uma importante culpada de estar por trás do deficit comercial dos EUA. Em 1987-1988, o superavit da conta corrente da Coreia do Sul subiu acima de 6% do PIB, com a manipulação monetária citada frequentemente pelo aumento da poupança externa.
A mesma acusação foi feita à China, que, com o seu espectacular crescimento liderado pelas exportações, compras oficiais recordes de activos americanos e de taxas de câmbio fixas (ou semifixas), continua hoje a dominar a discussão sobre os desequilíbrios globais. E, de facto, existem algumas evidências para sustentar as alegações de que a manipulação da moeda e as práticas comerciais injustas tenham sido os principais factores pelo menos em alguns subperíodos. Mas o superavit da conta corrente da China tem vindo a diminuir mais rapidamente do que o Fundo Monetário Internacional e muitos analistas haviam antecipado.
Depois de subir para quase 10% do PIB em 2006-2008, o excedente externo oscila actualmente na faixa de 1-2%. Além disso, apesar de alguma moderação no primeiro trimestre deste ano, continua a fuga de capitais privados da China. Entra a Alemanha. À medida que o excesso de conta corrente da China diminui, a Alemanha está a subir para níveis recorde (ver gráfico). A sugestão do presidente dos EUA, Donald Trump, de que esses excedentes são um subproduto de práticas comerciais injustas, soa estridentemente a oco.
Como a Alemanha não possui moeda própria, também é um exagero sugerir que beneficie da manipulação da moeda (embora as políticas de flexibilização quantitativa do BCE tenham sido citadas nesse contexto). Embora a Alemanha seja destacada em função do seu tamanho, não é de modo algum exclusivo, entre as economias avançadas, a manutenção de um superavit externo considerável. A partir de 2017, a Áustria, a Dinamarca, a Irlanda, o Japão, o Luxemburgo, os Países Baixos, a Noruega, a Suécia e a Suíça possuem importantes excedentes de conta corrente em relação ao respectivo PIB. Tal como outras economias asiáticas. Os EUA geraram deficits crónicos de conta corrente, por quase duas gerações.
O apontar do dedo aos países excedentários, já está a ficar gasto. Na discussão em Jackson Hole, alguém questionou se poderia ser exercida a pressão internacional sobre os países excedentários para gastarem mais e economizarem menos. Quando a mesma questão foi colocada aos EUA, na sua era de excedentes no final da Segunda Guerra Mundial, quando a preocupação era a falta global de dólares, essa opção foi inequivocamente descartada.
Os EUA apenas registaram excedentes externos em três dos 38 anos, desde 1980. A política fiscal favoreceu a acumulação de dívidas pelas famílias em detrimento da poupança, e uma desaceleração significativa da produtividade está a afectar a competitividade internacional dos EUA.
Como Ethan Ilzetzky, Kenneth Rogoff e eu comprovamos, devido à ausência de alternativas, o status do dólar como a principal moeda de reserva do mundo permanece incontestável, tornando assim mais fácil para os EUA continuar a financiar deficits de conta corrente. Mas o facto de ser fácil, não a torna uma boa ideia.
Carmen Reinhart é professora do Sistema Financeiro Internacional da Kennedy School of Government da Universidade de Harvard.
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