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“A segurança das sondas petrolíferas é a nossa grande preocupação”

Comandante da Unidade Fiscal Marítima revela que a pesca ilegal e as sistemáticas violações aos perímetros de segurança das sondas petrolíferas são, de momento, das principais preocupações da corporação que dirige, mas afirma, por outro lado, que os ilícitos em causa têm merecido a devida reposta por parte dos órgãos que velam pela segurança das águas nacionais, resultando, muitas vezes, em apreensões que já valeram ao Estado cerca de 500 milhões de kwanzas, este ano.

Quais são as atribuições que estão reservadas à Unidade Fiscal Marítima?

A Unidade Fiscal Marítima depende do Comando Nacional da Polícia Fiscal. Entretanto, gostaria de explicar primeiro o que é a Polícia Fiscal, que é um órgão operativo do Comando Geral da Polícia Nacional, cuja missão é a de fiscalizar as mercadorias que entram, saem e transitam ao longo das fronteiras nacionais, onde a Administração Geral Tributária se faz sentir. A acção da Polícia Fiscal, em termos metodológicos, é da exclusiva responsabilidade da AGT que emite, para o efeito, as devidas instruções técnicas. Respondendo à sua pergunta, vale dizer que a Unidade Fiscal Marítima é uma unidade especializada que tem como missão a fiscalização marítima das águas sob jurisdição nacional. Angola tem uma extensão marítima com um comprimento de cerca de 890.9 milhas náuticas, o que equivale a 1.650 quilómetros em linha recta e tem uma largura que é contada da costa ou da baixa-mar até 200 milhas.

Como o país está servido, em termos de legislação de suporte legal à actividade desenvolvida pela Polícia Marítima?

De acordo com a Convenção de Montego Bay, de 1982, é uma obrigação que todos os países ribeirinhos elaborem leis internas que estejam em conformidade com o seu respectivo ordenamento jurídico. No caso de Angola, criou-se a Lei 14/10 sobre os espaços marítimos. Essa Lei foi adequada de acordo com a Convenção de Monte Bay. Entretanto, quer a Convenção de Montego Bay, quer a Lei 14/10 definem, na realidade, que espaços marítimos devem existir num determinado país. Em Angola os espaços marítimos que temos correspondem nomeadamente às águas interiores, ao mar territorial, à zona contígua e a zona económica. Da baixa-mar ou da praia para o alto-mar, a nossa actividade estende-se a um raio de até 200 milhas. Em relação às águas interiores, pode servir de exemplo a zona da Baía de Luanda que está situada na contracosta, que é a zona onde estão as linhas de baixa-mar. Enquadram-se nas águas interiores, por exemplo, também, o Mussulo, que tem uma contracosta. Os rios estão também enquadrados nas águas interiores, porque estão dentro de alguns espaços terrestres. Outro espaço marítimo é o do mar territorial que é contado a partir da costa até 12 milhas. Uma milha corresponde a 1.852 metros. Quer dizer que uma milha são quase dois quilómetros se for em terra. Significa que as 12 milhas estão próximas de 21 quilómetros. Depois, a partir da linha do mar territorial, temos mais 12 milhas para atingirmos as 24 milhas. Quando somarmos, a partir da linha da baixa-mar até 24 milhas, temos então a zona contígua. Depois dessa zona, vamos atingir as 200 milhas, que é a zona económica exclusiva.

Que actividades, em termos legais, estão reservadas a cada um destes espaços?

A própria Convenção e a nossa Lei 14/10 estabelecem os regimes jurídicos que se utilizam nestes espaços. No mar territorial, por exemplo, a Lei diz que os Estados ribeirinhos podem aplicar todos os pressupostos do seu respectivo ordenamento jurídico interno no espaço de 12 milhas. E é ali também onde, por exemplo, o Estado pode autorizar o exercício da actividade de cabotagem. Estou a falar de navios internos que saem de um porto para o outro que pode ser, por exemplo, do Lobito para Luanda. Já nas zonas contíguas, que são as 24 milhas, o regime jurídico interno já fica restringido. Neste espaço só há a possibilidade de podermos aplicar aquilo que tem que ver com a fiscalização aduaneira das mercadorias passíveis de pagamento de direitos, questões que têm que ver com a sanidade e com o poder migratório. Na zona económica exclusiva, os governos têm o direito de usufruto desse espaço marítimo até 200 milhas, mais ninguém, só mesmo o Estado ribeirinho, no caso, Angola. Os outros Estados não têm direito de explorar na zona económica exclusiva sem que haja uma autorização do respectivo Estado ribeirinho. E também no mar reina o princípio de passagem inocente ou inofensiva que é uma passagem rápida, mas inofensiva, significando que não pode lesar aquilo são as leis do ordenamento jurídico daquele Estado. Se aparecer uma embarcação que vem de fora do país e entrar na zona económica exclusiva e estiver a exercer uma actividade, por exemplo, de pesca, e não tiver a autorização do Governo angolano, nós (Polícia Marítima) vamos enquadrar esta prática no âmbito da pesca ilegal ou proibida e não regulamentada. O mesmo princípio é aplicado, por exemplo, às práticas de transbordos de mercadorias no alto-mar sem a autorização das autoridades. A lei não permite, quer seja do ponto de vista de security, que tem que ver com a segurança contra ilícitos para cometimento de crimes ou do ponto de vista de safety, que tem que ver com a segurança marítima. Suponhamos que da acção de conexão de tubagens ou de um abalroamento de um navio surja um incidente de poluição, isto acarreta danos incalculáveis à fauna marinha.

E como é articulada essa fiscalização a nível institucional?

Vamos supor que uma embarcação saia de Walvis Bay, passando pela zona contígua ou mar territorial, mas, a dada altura, faz uma paragem para fazer uma exploração de pesca. Os ordenamentos jurídicos daqueles Estados têm órgãos ministeriais que regulam a actividade de pesca. No caso de Angola é o Ministério das Pescas, a instituição que regula a exploração de recursos biológicos de Angola, através da Lei 6/4 sobre os recursos biológicos e aquáticos. É também este ministério que estabelece os limites de pesca, definindo as quotas que devem ser cedidas às empresas para, nos períodos de veda, facilitar a reprodução dos peixes. Se uma embarcação estrangeira chegar às nossas águas, parar e começar a pescar numa zona proibida, está a lesar aquilo que é a legislação interna. Por isso, quando falamos em passagem inofensiva significa que deve ser rápida e não deve alterar a ordem nacional que, caso ocorra, estaríamos a falar de actos criminosos, infracções ou transgressões.

Que situações é que preocupam mais a Polícia Marítima neste momento?

São as violações aos perímetros de segurança das plataformas petrolíferas. Por via de um despacho do comandante-geral, através de um oficio vindo do ministro dos Transportes, recebemos queixas de algumas empresas petrolíferas, como a Chevron, Total e a BP sobre a violação do perímetro de segurança das plataformas petrolíferas. A Lei 11/6, sobre as medidas de gestão de pescas, estabelecem no seu artigo 13.º o limite de mil metros o raio de acção de uma sonda petrolífera. Significa que, dentro desse perímetro, não pode entrar nenhuma embarcação sem a autorização da respectiva sonda, porque as plataformas no seu raio de acção têm tubagem e vários cabos conectados. Nas sondas, há tubos de sucção que puxam a água para os poços, e, enquanto se estiverem a realizar estas operações, não podem circular barcos nesse perímetro de segurança. O que acontece, na realidade, é que algumas embarcações se fazem ao mar para fazer pesca precisamente nas zonas onde estão localizadas as sondas petrolíferas. Entretanto, neste momento, as violações aos perímetros de segurança das sondas petrolíferas diminuíram significativamente. Estamos há meses sem nenhuma notificação.

E por que razão vão as embarcações pescar nas zonas de exploração petrolifera?

Por uma razão muito simples. Junto das sondas existem muitos resíduos orgânicos, por causa da alimentação, que são lançados para a água, e isso atrai o pescado. As plataformas petrolíferas têm luzes e, no período nocturno, o reflexo da luz também atrai o pescado. Os melhores cardumes vão junto das sondas por causa disso. É uma situação que ocorre a nível internacional. Mas há aqui um grande perigo. E a segurança, nestes casos, é uma questão tão séria que não se permite mesmo qualquer violação. Se houver um incidente numa plataforma petrolífera imaginemos os danos económicos que se podem causar para os detentores daquela plataforma. Por outro lado, tem de se considerar as vítimas humanas que dai podem advir. E, em último caso, a poluição que poderá causar uma sonda de petróleo nessas águas e a consequência para a fauna marítima que podem, por sua vez, afectar o consumidor final do pescado. São prejuízos incalculáveis. O pescador se estiver a sentir fome, mesmo estando debaixo de uma sonda, acende o fogareiro para assar um peixe. Ele amarra o cabo no pilar da sonda e acende o fogo em baixo de uma sonda de petróleo ou de gás. Isso acontece. E são muitos casos. Há sondas que,l por causa desses casos, quase suspendem as suas operações, porque se não se retirarem as embarcações daquele local, quase não conseguem efectuar nenhuma operação.

Estes casos de ilicitudes, quando flagrados, para onde são encaminhados?

A Polícia Fiscal não julga, não condena. Se nos depararmos com um caso de contrabando no mar, elaboramos o acto de notícia nos termos do artigo 106º do Código Geral Tributário que dá competência ao agente de elaborar o acto de notícia, porque presenciou o facto, e remetemos à Administração Geral Tributária para pagamento das respectivas coimas. Se encontrarmos uma embarcação que não se faz acompanhar de uma licença de navegação, logo elaboramos o acto de notícia, procedemos à apreensão da embarcação e remetemos à Capitania para o pagamento das respectivas coimas. Só depois do pagamento das coimas é que essa embarcação é liberada.

Que tratamento é dado a um armador estrangeiro que esteja eventualmente envolvido na prática ilegal de pesca?

As pessoas que estão na embarcação podem ser nacionais ou estrangeiras. Se forem estrangeiros, recorremos à Lei 2/7, sobre o regime jurídico dos estrangeiros em Angola. Vamos supor que temos um cidadão estrangeiro a bordo de uma embarcação e que realmente quando verificamos o passaporte tem o prazo de estadia vencido, ainda que tenha contrato de trabalho. O artigo 102.º da Lei 27/12 estabelece que o cidadão estrangeiro que for encontrado a fazer uma actividade no mar pela qual não está habilitado deve pagar uma multa no valor, equivalente em kwanzas, a mil dólares. O seu armador, se é o caso, vai ter de arcar com despesas de cerca de cinco mil dólares e ainda o seu armador é obrigado a ser responsabilizado pelo repatriamento do mesmo cidadão com custas no valor de cinco mil dólares. Dá mais ou menos um total de 11 mil dólares por cidadão estrangeiro que seja encontrado a exercer actividade de pesca ilegal no mar.

Os cidadãos estrangeiros podem também efectuar a pesca artesanal?

Na maior parte das interpelações que fizemos no mar, encontramos casos de embarcações de pesca semi-industrial. A própria Lei 6/4, sobre os recursos biológicos e aquáticos, não permite a um cidadão estrangeiro efectuar pesca artesanal, que é reservada a cidadãos nacionais, por ser uma actividade de subsistência. Significa que o cidadão estrangeiro se quiser habilitar para efectuar a pesca, em Angola, deve ser, no mínimo, semi-industrial ou industrial.

E se o estrangeiro é flagrado a pescar ilegalmente. Qual é o tratamento que lhe é dado?

Conforme disse, a Lei 2/7 sobre o regime jurídico dos estrangeiros em Angola penaliza severamente estas questões. E a última sanção é até a expulsão para fora do país.

Como a Polícia Fiscal se tem desdobrado para manter o controlo sobre todos os ilícitos?

A Policia Fiscal está distribuída a nível do litoral em sete províncias do país. Temos esquadras fiscais marítimas no Namibe, Benguela, Kwanza-Sul, Luanda, Bengo, Zaire e Cabinda. Para além das esquadras fiscais marítimas, que operam como unidades principais, temos ainda postos fiscais marítimos que se estendem ao longo da costa, nos locais onde há concentração de pescadores com embarcações para fiscalizar aquilo que é o cumprimento das leis e regulamentos do nosso ordenamento jurídico, porque as empresas, por si só, sobretudo as que exercem serviços de cabotagem, pescas e de recreios devem estar habilitadas para o efeito.

Que organismos estão aptos para certificar as actividades que são efectuadas no mar nacional?

Do ponto de vista da navegabilidade, quem regista o património marítimo é a capitania, que é uma espécie de conservatória de registos do património marítimo do ponto de vista conceptual. Se alguém estiver interessado em adquirir um transporte marítimo, seja de cabotagem, transporte de mercadoria, petroleiro, de pesca ou de recreio, para a sua navegabilidade tem de ir à capitania para solicitar uma licença de navegação. Uma embarcação sem licença da capitania para a sua navegabilidade, é considerada ilegal e, como tal, não pode navegar. Por outro lado, de acordo com a especificidade da actividade a Polícia Fiscal, no decorrer da sua actividade, solicita as respectivas licenças. Suponhamos que eu tenha um barco coma a licença de navegação, mas, entretanto, quero pescar. A nível do nosso ordenamento jurídico, o ministério que vela pela gestão dos recursos biológicos ou gestão de pescas e apicultura é o Ministério das Pescas. Logo, depois de adquirir a licença de navegação, o utente deve, junto do Ministério das Pescas, manifestar a intenção, comprovando que realmente o barco que possui reúne as características próprias para a actividade de pesca, sendo que deve estar definido o tipo de pesca a que se propõe e determinando o tipo de rede. Há quem queira comprar um barco de recreio, mas, para tal, terá antes de estar munido de uma licença desportiva. Portanto, é sobre essas embarcações que incide a fiscalização da Polícia Fiscal no mar.

Que receitas a Polícia Fiscal arrecadou, este ano, para os cofres do Estado com as apreensões e actividades sancionadas?

Desde Maio de 2015 até agora, em termos de apreensões feitas e sancionadas, o nosso grupo de trabalho, que integra outras instituições como os ministérios das Pescas, da Saúde, Ambiente entre outros, já arrecadou mais de 500 milhões de kwanzas para os cofres do Estado. As apreensões foram feitas juntos das instituições que acabámos de afirmar. Temos, pelo menos, sete casos de contrabando de combustível e destes temos seis remetidos ao Tribunal de Polícia para julgamento sumário. Temos ainda registadas, nesse período, cerca de 150 violações às normas marítimas. Neste momento, temos algumas embarcações apreendidas por violação aos perímetros de segurança das plataformas petrolíferas. E outras por estarem a pescar em zonas proibidas. Tivemos ainda dois casos de poluição em que dois navios foram encontrados a fazer o transbordo de combustível no alto-mar. O caso foi entregue ao Ministério do Ambiente. Essas penalizações e os valores arrecadados não constituem a missão específica da Polícia Fiscal, cuja missão é, no fundo, de prevenção. O nosso objectivo principal é desencorajar as pessoas envolvidas nesse tipo de práticas.

É possível estimar quanto o Estado angolano perde fruto das actividades ilícitas que ocorrem nas águas nacionais?

Os Estados ribeirinhos e que se encontram numa condição de fragilidade, em termos de segurança marítima, perdem, na verdade, muitos recursos por causa dos roubos que ocorrem no mar. Na realidade as somas são incalculáveis. Mas no caso de Angola, pelo que temos estado a observar do ponto de vista institucional, os ministérios vocacionados para a fiscalização marítima têm meios suficientes para combater a pesca ilegal e não declarada e o contrabando de mercadorias no alto-mar. No nosso caso, o que se verifica é que a maior parte das pessoas que trabalham no mar prefere não ser penalizada com multas, porque o objectivo deles é o lucro e, por isso, têm estado a registar as suas actividades. Dai que também o número de arrecadação de receitas tem aumentado fruto da aceitação do registo de actividades junto da capitania por parte dos utentes.

Como é articulado o papel da Polícia Fiscal com a AGT?

No quadro da Administração Geral Tributária existem dois tipos de fiscalização, nomeadamente a interna, que tem que ver com os procedimentos inerentes à aferição do Documento Único. Ou seja, à relação de produtos que tem de constar como mercadoria nos documentos. Temos também a fiscalização externa que se processa no acto do embarque da mercadoria. Aqui, a Polícia Fiscal afere se o que consta do Documento Único é igual ao que consta do manifesto apresentado pelo importador à AGT. Temos de fazer uma inspecção e conciliação entre aquilo que consta do documento e aquilo que realmente está a ser carregado ou descarregado.

Em que se resume, em termos concretos, as operações da Polícia Fiscal a nível dos rios?

Incidimos a nossa fiscalização sobre os rios limítrofes com os outros países e os navegáveis. Maior parte dos rios desagua no mar. Em termos de fuga ao fisco, de contrabando, uma embarcação pode apanhar o canal de um rio e pôr-se em fuga. O rio Cuando, por exemplo, é navegável até ao Dondo. O rio Zaire é dividido ao meio em que metade são águas angolanas e metade águas do Congo. Repare que, do lado do Congo, as suas mais-valias, em termos de recursos, estão no rio e não no mar. Dai a nossa acção de fiscalização incidir também sobre os rios navegáveis, porque podem possibilitar o contrabando de mercadorias. Temos rios no Uíge que vão até às Lundas. As pessoas embarcam na zona do Uíge chegam até às Lundas. Temos assistido à apreensão de bidões de combustíveis na zona norte. Isso acontece também noutras fronteiras. Hoje o Governo faz algumas restricções em relação à cesta básica e ali tem que se redobrar os esforços das autoridades no sentido da fiscalização da fronteira fluvial, tanto para os que entram de forma ilegal, como aqueles que provavelmente quer sair ilegalmente ou comercializar mercadorias sem cumprir com os pressupostos legais.

 

PERFIL

Superintende-chefe Firmino Uyamba, é licenciado em Direito, pela Universidade Lusíada de Angola. Para além das funções de comandante da Unidade Fiscal Marítima, órgão superintendido pelo Comando Geral da Polícia Nacional, é técnico do Ministério do Interior na área de segurança marítima e é igualmente perito, na mesma área, da Organização Marítima Internacional, a agência especializada das Nações Unidas que tem como objectivo instituir um sistema de colaboração entre governos no que se refere a questões técnicas que interessam à navegação comercial internacional.