Como transformar um sistema de educação

08 Aug. 2016 Jakaya Kikwete Opinião

Uma semana, diz-se, é muito tempo em política. Esse foi certamente o caso, quando, num único dia, o Reino Unido votou para deixar a União Europeia e o primeiro-ministro, David Cameron, renunciou. Num único dia, a Grã-Bretanha e a Europa, já para não mencionar os mercados globais, foram lançados em turbulência.

Quando se trata de educação, por outro lado, uma semana pode significar um ‘piscar de olhos’. A mudança ocorre ao longo de anos, se não décadas e talvez nem mesmo em décadas seguidas. Mas, se for bem sucedido, o estabelecimento de um sistema de educação, que funcione bem, pode mudar a face de um país e redefinir o seu destino.

Foi isso que aconteceu no meu país, na Tanzânia. De 2000 a 2009, as taxas de escolaridade, no ensino primário, mais do que dobraram. De pouco mais de quatro milhões de alunos para os 8,5 milhões, ou seja, abrange 96% de todas as crianças em idade escolar primária. Por outras palavras, no nível primário, a Tanzânia agora integra a lista de ‘quase completo’.

Um progresso semelhante pode ser observado no nível secundário. Na verdade, em relação ao mesmo período de nove anos, o número de escolas secundárias na Tanzânia mais do que quadruplicou, passando de 927 para as 4.102, e as matrículas aumentaram, de pouco mais de 250.000 estudantes, para quase 1,5 milhões.

O que mudou? As lideranças da Tanzânia - inclusive eu - reconheceram a importância vital de ter um sistema educacional forte. E nós comprometemo-nos a construir um.

Claro que alguns poderiam argumentar que a educação não é o mais importante. Mas, quando os governos trabalham para providenciar as necessidades básicas mais tangíveis - por exemplo, assegurando que os cidadãos tenham acesso confiável à água potável, a estradas, a mercados e a hospitais - uma reforma educativa pode, muitas vezes, cair no esquecimento. Ignorar que a educação tem um potencial inigualável para melhorar as perspectivas de um país é um erro.

Foi essa a compreensão que me impeliu, como Presidente da Tanzânia, a tornar a educação como a minha prioridade número um. Não foi uma decisão fácil. Sabia que algumas pessoas iriam discordar desta abordagem, preferindo alocar mais verbas do orçamento público, mesmo limitado o da Tanzânia, para a construção de estradas mais largas ou de edifícios governamentais mais altos, ou para expandir as forças armadas.

Mas também sabia que investir na educação significava investir no futuro do meu país. Decidi, em vez de dotar uma grande quantidade de dinheiro, às vezes de uma forma não produtiva, noutras áreas, que iria destinar 20% do orçamento anual para a educação. Esses recursos foram aplicados, não apenas na construção de mais escolas, mas também na construção de melhores escolas, através do investimento em professores, nos livros e em tecnologia. Afinal de contas, simplesmente, matricular mais crianças significaria pouco se não fossem dadas todas as ferramentas necessárias para se obter o sucesso.

A Tanzânia pode servir como um modelo de estudo para outros países que procuram actualizar os sistemas de ensino. Mas, embora tenhamos conseguido ter sucesso com um orçamento limitado, o desafio que os governos têm de suportar não deve ser subestimado - especialmente para os países de baixa e média rendas, muitas vezes em África, que enfrentam os maiores desafios educacionais de hoje.

Como membro da Comissão Internacional sobre o Financiamento Global na Educação, tenho visto, em primeira mão, como muitas vezes o desejo dos governos em incluir a educação na lista de prioridades é impedido pelo medo das insuficiências orçamentais e das pressões internas. Como resultado, alcançar a educação primária universal é uma medida constantemente adiada.

Quando um governo se compromete a melhorar a educação, está a apostar em equipar os seus cidadãos na trilha do progresso e dar bases a toda a sociedade para enfrentar um futuro desconhecido. Isso é bom não só para o próprio país, mas também para os seus vizinhos, para os quais ter um bairro mais estável e próspero só pode ser benéfico. Na verdade, dada a interligação da economia global de hoje, uma melhor educação num país pode trazer benefícios muito para além das fronteiras regionais.

Claramente, a comunidade internacional tem interesse em apoiar qualquer governo que tome uma decisão ostensivamente óbvia, mas praticamente difícil, de colocar a educação na vanguarda da sua agenda. E, graças à liderança visionária da primeiro-ministro norueguês, Erna Solberg, este imperativo está a receber a atenção que merece.

A experiência da Tanzânia prova que a transformação do sistema educacional de um país é possível, mesmo que esse país enfrente sérias restrições fiscais. Não é rápido, nem fácil, e, muitas vezes, requer difíceis compromissos com quem defende ideias antagónicas. Mas, com um compromisso forte e permanente de cumprir a promessa de ter a educação primária e secundária universal - e um pouco de apoio internacional - os governos podem garantir uma vida mais feliz e mais próspera para os jovens. Espera-se que a Tanzânia seja apenas o primeiro de uma onda de países a colocar a educação em primeiro lugar.