Devemos estar preocupados com as tendências de produtividade?
Os economistas preocupam-se não só em responder, de forma ponderada, a perguntas difíceis, como também em formular, eles próprios, perguntas. Por vezes, é no repensar destas perguntas que pode estar a chave para encontrar as respostas de que precisamos.
Consideremos o debate sobre a produtividade. Os economistas que tentam explicar a aparente desaceleração estrutural do crescimento da produtividade têm feito a seguinte pergunta: Onde está o aumento perdido? A resposta abrange preocupações com medidas, mudanças estruturais no mercado de trabalho, uma potencial escassez de oportunidades de investimento, diluição da produtividade nas inovações tecnológicas e desajustamentos de competências orientadas para a tecnologia. Mas, também pode ser útil considerar uma questão ainda mais importante: quanto crescimento de produtividade realmente é necessário, e a que custo?
Não há dúvida de que o crescimento da produtividade é desejável. É um dos principais impulsionadores do crescimento do PIB (especialmente nos países onde o crescimento da força de trabalho está a diminuir) e dos rendimentos. O forte crescimento do PIB e o aumento dos rendimentos podem apoiar assim o cumprimento das necessidades e desejos humanos fundamentais. Esta ligação é particularmente óbvia nos países em desenvolvimento, onde a expansão económica e o aumento dos rendimentos são condições prévias para a redução da pobreza e do melhoramento na saúde e na educação. Mas, a ligação entre crescimento e bem-estar individual não é menos visível nos países avançados - particularmente naqueles que estão actualmente a lutar com crescimento lento, desemprego elevado, lacunas na produção, sobreposições de dívidas, taxas de câmbio desalinhadas e rigidez estrutural.
Contudo, tal não significa que o objectivo principal dos decisores políticos deva ser mais crescimento da produtividade. Sociedades - incluindo governos e indivíduos - tratam de uma série de coisas, desde cuidados de saúde e segurança até à justiça e à liberdade. Na medida em que o crescimento da produtividade - e, por sua vez, o crescimento do PIB e da renda – avança, estes objectivos sociais, são altamente desejáveis. Existe, no entanto, uma tendência entre os economistas e os decisores políticos de enfatizar em demasia as medidas de desempenho relacionadas com o mercado, negligenciando a razão pela qual o desempenho é importante: o bem-estar humano. Os esforços para implementar um quadro mais abrangente para avaliar o desempenho económico, que reflicta as necessidades e desejos sociais, têm sido em grande parte infrutíferos.
Para determinar o crescimento da produtividade que desejamos, necessitamos de ter uma visão mais ampla, que nos permita decidir a melhor forma de alocar os recursos limitados da sociedade, especialmente os mais valiosos, os recursos humanos. E deve ser responsável pelas prioridades de uma sociedade, reveladas na forma como os seus membros utilizam os seus recursos.
As descobertas e os avanços relacionados com a saúde, por exemplo, trouxeram enormes benefícios sociais desde a II Guerra Mundial: aumento da longevidade e redução da mortalidade e morbilidade infantil, e não apenas maior produtividade e PIB. É por isso que o governo dos Estados Unidos investe tanto em investigação médica: apenas o Instituto Nacional de Saúde tem um orçamento anual de 32 Mil Milhões USD para financiar projectos de infra-estruturas e pesquisas que empregam um subconjunto do maior talento científico que o país possui. Da mesma forma, a National Science Foundation e o ramo de pesquisa científica do Departamento de Energia dos EUA, recebem um total combinado de cerca de 12 mil milhões USD por ano, que utilizam para avançar uma ampla variedade de objectivos em engenharia, eficiência energética e energia verde, e em ciências naturais e sociais.
O retorno económico sobre o investimento público é ainda mais difícil de calcular para as despesas relacionadas com segurança, onde o total dos recursos alocados para melhorá-lo e a eficácia dos mesmos, pode ser incognoscível. Mas há poucas dúvidas de que a segurança tem uma poderosa reivindicação sobre o bem-estar das pessoas e, portanto, sobre a alocação de recursos.
Nalguns casos, os desejos das pessoas podem realmente entrar em conflito com o objectivo de melhoramento da produtividade. A comunicação social, por exemplo, foi muitas vezes ridicularizada como um contributo fraco ou mesmo negativo para a produtividade. Mas a produtividade não é o foco da comunicação social. O que as pessoas valorizam nela é a relação, interacção, comunicação e a diversão que a mesma permite. Na verdade, para muitos indivíduos, particularmente nos países mais ricos, a principal prioridade não é simplesmente tornarem-se mais ricos, mas sim, viverem uma vida mais rica, e é para este último objectivo que canalizarão o seu tempo, rendimento e criatividade.
A alocação dos recursos das sociedades continuará imprecisa, mas persistente, no acompanhamento dessas mudanças. Isto é especialmente verdadeiro quando se trata de recursos humanos, mas os recursos do sector público também tendem a responder às mesmas preferências e valores a longo prazo, independentemente das imperfeições dos nossos mecanismos de escolha social.
Este tipo de evolução não é exclusivo dos países com maior rendimento. A China atingiu - ou talvez passou - o estágio durante o qual o foco na produtividade e no crescimento do PIB corresponde ao senso de bem-estar dos cidadãos comuns. Como resultado, os recursos da China são cada vez mais redistribuídos num portefólio mais equilibrado que ainda inclui o crescimento, mas agrega também a protecção ambiental, o bem-estar social, a segurança e a inovação numa ampla gama de áreas que se sobrepõem apenas em parte com a produtividade e crescimento de rendimentos. Tudo isto sugere que uma parte substancial do declínio no crescimento da produtividade pode não ser o resultado de algum problema profundo com a alocação de recursos ou alguma consequência de ciclos exógenos na inovação tecnológica sobre os quais temos pouco controlo. Em vez disso, poderá reflectir uma mudança natural nas prioridades para outras dimensões de bem-estar.
Esta mudança não é sem riscos. Sem o crescimento da produtividade, os rendimentos daqueles que se encontram no extremo inferior da distribuição, permanecerão provavelmente estagnados, agravando assim a desigualdade e, como já vimos ultimamente, comprometendo a estabilidade social e política. Diante disto, os governos devem dedicar recursos para reduzir a desigualdade, independentemente da mudança de preferências do cidadão comum.
As sociedades poderiam (temos sérias dúvidas) elevar substancialmente a produtividade e o crescimento dos rendimentos, se conseguissem redistribuir inteiramente os seus recursos nessa direcção. Mas, mesmo tendo em conta as preferências destacadas e de que a incorporação das escolhas de investimento privado e público nos tornaria individual e colectivamente “melhores”, tal seria duvidoso, na melhor das hipóteses. O mais provável é não ser simplesmente verdade.
Michael Spence, Prémio Nobel da economia e professor da NYU, autor do livro A próxima convergência – o futuro do crescimento económico num mundo a várias velocidades e presidente da Comissão para o Crescimento e Desenvolvimento do Fórum Economico Global. Sandile Hlatshwayo é doutorada em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e vai incorporar o Fundo Monetário Internacional
BCI fica com edifício do Big One por ordem do Tribunal de...