ESTE PAÍS NÃO É DE IDIOTAS
É a experimentação da insanidade. Numa semana, o MPLA promove um ‘debate’ sobre o combate à corrupção e à impunidade, no Parlamento. E os seus deputados cantarolam que o projecto está a ser materializado pelo exemplo. Na outra imediata, o Governo celebra a entrega do terminal multiusos do Porto de Luanda, por 20 anos, a uma empresa envolvida em escândalos de corrupção nos quatro cantos do planeta. Repita-se: nos quatro cantos do planeta. Porque não é uma, não são duas, não são três nem quatro ocorrências. São muitos os casos que relatam o envolvimento da Dubai Ports World (DP World) em práticas de corrupção, subornos e lavagens de dinheiro em mais de meia dúzia de países. Nesta edição, depois de já o ter feito há duas semanas, o VALOR recorda alguns dos escândalos mais sonantes e divulgados por vários canais internacionais.
Dentro e fora de portas do continente africano, a lista de países é longa. Inclui o Iémen, Djibuti, Brasil, Senegal, Argélia, Ucrânia e passa pelos Estados Unidos. Na Argélia, por exemplo, o governo chegou a rasgar o contrato de concessão, depois de tornado público um caso de corrupção. E, no Senegal, o ex-ministro das Infra-estruturas Karim Wade foi condenado, por causa de negócios com a DP World, e hoje encontra-se exilado. Nos Estados Unidos, houve queixas de alegadas ligações da empresa ao radicalismo islâmico. E mais: Ahmed bin Sulayem, o sultão que lidera a empresa do Dubai, preside à Dubai Multi Commodities Centre (DMCC). A organização foi delatada, num relatório em 2020, como uma das maiores operadoras de lavagem de dinheiro no Dubai, especialmente nos circuitos de comercialização do ouro.
A descrição das acusações de práticas de corrupção, que envolvem a DP World, é fundamental no actual contexto político. Porque exemplifica, de forma definitiva, a falácia do alegado projecto de moralização da sociedade prometido por João Lourenço. Afinal, estando em marcha um suposto programa de combate cerrado à corrupção, uma empresa com a reputação da DP World jamais ganharia qualquer concurso público em Angola. A menos que houvesse um esclarecimento público e convincente que contradissesse as acusações espalhadas por vários países. E, como todos sabemos, isso não ocorreu. Pelo contrário, a imprensa do Governo decidiu dedicar metade dos noticiários a destacar apenas e exclusivamente as ‘virtudes’ da DP World. Um exercício de puro exorcismo, que se confundiu com o tempo de antena habitualmente dedicado às actividades do MPLA.
Além dos responsáveis da DP World, desfilaram pelos principais órgãos públicos vários membros do Governo a defender o negócio com a empresa árabe. Em coro, enfatizaram a promessa de manutenção dos empregos, o prometido investimento em infra-estruturas e as esperadas contrapartidas financeiras. Qualquer coisa acima dos mil milhões de dólares em duas décadas. No fundo, o mesmo ritual de ‘xinguilamento’ a que se assistiu por altura da adjudicação directa da refinaria de Cabinda ao universo da Gemcorp. A mesma organização que foi citada por jornais angolanos (Expansão e Novo Jornal) como tendo sido investigada por importações que chegavam ao país com preços quatro vezes superiores aos preços do mercado.
A mensagem fundamental, claro, apesar de contraditória e comprometedora, é clara. Quando se tratar de investidor estrangeiro relevante, as ‘due dilligences’ ficam proibidas e as denúncias de práticas lesivas na relação com agentes oficiais são ignoradas. Porque basta ser estrangeiro e grande para ser bom e fazer bem ao ‘esforço’ da atracção de investimento privado estrangeiro. Enquanto isso, combatem-se até à exaustão empresas e empresários angolanos com capacidade de investimento e de criação de emprego. Alguns dos quais acusados, com ou sem provas, de práticas semelhantes às que envolvem a DP Word pelo mundo.
Não, não é subjugação. Nem são dois pesos e duas medidas. É apenas a estupidez na sua forma mais sublime. Mas, não, este país não é de idiotas.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...