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Dizem especialistas

Falta de compliance na administração pública propicia corrupção

13 Apr. 2022 De Jure

GOVERNANÇA. Ausência de compliance tem proporcionado a corrupção, tráfico de influência e a extorsão na administração pública, segundo dois juristas angolanos.

 

Falta de compliance na administração pública propicia corrupção

As más práticas na administração pública persistem pela ausência de mecanismos que servem de prevenção a actos que lesam a colectividade, como a corrupção, tráfico de influência e a extorsão. É a opinião partilhada por vários especialistas em Direito, entre os quais a juíza conselheira jubilada do Tribunal Constitucional Luzia Sebastião e o advogado Benja Satula. Para ambos os juristas, apesar de susceptíveis à sanção disciplinar e criminal, as más práticas ocorrem, em virtude da carência de valores e zelo dos funcionários públicos, concorrido pela falta de um instrumento de boas práticas. 

“Parece mais producente e valiosa a implementação de um padrão de conduta que sirva para medir a conduta do servidor público e qualquer pessoa que se envolve com a administração”, defende Luzia Sebastião, reforçando que é necessária uma administração pública que “actue com ética e transparência”. Para a juíza jubilada, a transparência “funciona como um instrumento de boa gestão da administração pública”, já que melhora a prestação de contas, reduz a corrupção e permite alcançar qualidade nos serviços. “É uma das formas de reduzir as assimetrias”, acrescenta.

A também professora catedrática da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto refere que o cumprimento destes pressupostos confere “uma maior participação” dos cidadãos naquilo que é a prossecução dos interesses da colectividade, exigindo que as contratações públicas sejam feitas com respeito à lei e aos princípios. Contudo, explica, é um processo que passa pela formação em ética, recordando que o angolano é formatado a ingressar no sector público devido à acomodação, deixando para trás a ética. “As pessoas vão para o Estado porque não têm outro lugar para irem [trabalhar] ou não sabem fazer mais nada. O nosso Estado serve para pagar salários, estou a exagerar, mas, às vezes é preciso exagerar para medir o alcance em que esta situação chegou”, ironiza.

Sobre a actuação da Inspecção Geral do Estado (IGAE), Luzia Sebastião nota que esta tem sido “reactiva”, dependente de denúncias e rumores, pelo que entende que o compliance resolve o problema com a prevenção. Por outro lado, sugere ajustamento na lei da probidade pública, aprovada em 2010, pelo facto de “estar fora do contexto”. 

Por sua vez, o advogado e professor universitário Benja Satula levanta dúvidas quanto ao combate à corrupção, levado a cabo pelo Presidente da República desde que ascendeu ao poder, por entender tratar-se de um “mero programa” que as pessoas que implementam e os destinatários não acreditam. “Quando os processos estão ensombrados, abrimos margens para que actos de corrupção aconteçam, favorecimento, participação económica em negócio, por isso é preciso implementar as regras do compliance para ver se conseguimos pôr uma eficiência empresarial na administração pública”, defende, sugerindo a adopção das regras aplicadas ao sector petrolífero e financeiro.

“Precisamos de melhorar, creio que precisamos, com alguma coragem, de transpor para a administração pública as boas práticas do sector petrolífero e do sector financeiro, porque a administração pública é o pulmão do país. E a qualidade que transpira a qualidade dos actos, programas, contratos, depende muito dos actos que a administração pública pratica. Por isso, é preciso trabalhar mais nos actos que a administração pública pratica, na sua integridade e conformidade”, recomenda.

Luzia Sebastião e Benja Satula intervieram na conferência sobre compliance, realizada pela NF-Confojur, na última semana, em Luanda.