Falta de compliance na administração pública propicia corrupção
GOVERNANÇA. Ausência de compliance tem proporcionado a corrupção, tráfico de influência e a extorsão na administração pública, segundo dois juristas angolanos.
As más práticas na administração pública persistem pela ausência de mecanismos que servem de prevenção a actos que lesam a colectividade, como a corrupção, tráfico de influência e a extorsão. É a opinião partilhada por vários especialistas em Direito, entre os quais a juíza conselheira jubilada do Tribunal Constitucional Luzia Sebastião e o advogado Benja Satula. Para ambos os juristas, apesar de susceptíveis à sanção disciplinar e criminal, as más práticas ocorrem, em virtude da carência de valores e zelo dos funcionários públicos, concorrido pela falta de um instrumento de boas práticas.
“Parece mais producente e valiosa a implementação de um padrão de conduta que sirva para medir a conduta do servidor público e qualquer pessoa que se envolve com a administração”, defende Luzia Sebastião, reforçando que é necessária uma administração pública que “actue com ética e transparência”. Para a juíza jubilada, a transparência “funciona como um instrumento de boa gestão da administração pública”, já que melhora a prestação de contas, reduz a corrupção e permite alcançar qualidade nos serviços. “É uma das formas de reduzir as assimetrias”, acrescenta.
A também professora catedrática da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto refere que o cumprimento destes pressupostos confere “uma maior participação” dos cidadãos naquilo que é a prossecução dos interesses da colectividade, exigindo que as contratações públicas sejam feitas com respeito à lei e aos princípios. Contudo, explica, é um processo que passa pela formação em ética, recordando que o angolano é formatado a ingressar no sector público devido à acomodação, deixando para trás a ética. “As pessoas vão para o Estado porque não têm outro lugar para irem [trabalhar] ou não sabem fazer mais nada. O nosso Estado serve para pagar salários, estou a exagerar, mas, às vezes é preciso exagerar para medir o alcance em que esta situação chegou”, ironiza.
Sobre a actuação da Inspecção Geral do Estado (IGAE), Luzia Sebastião nota que esta tem sido “reactiva”, dependente de denúncias e rumores, pelo que entende que o compliance resolve o problema com a prevenção. Por outro lado, sugere ajustamento na lei da probidade pública, aprovada em 2010, pelo facto de “estar fora do contexto”.
Por sua vez, o advogado e professor universitário Benja Satula levanta dúvidas quanto ao combate à corrupção, levado a cabo pelo Presidente da República desde que ascendeu ao poder, por entender tratar-se de um “mero programa” que as pessoas que implementam e os destinatários não acreditam. “Quando os processos estão ensombrados, abrimos margens para que actos de corrupção aconteçam, favorecimento, participação económica em negócio, por isso é preciso implementar as regras do compliance para ver se conseguimos pôr uma eficiência empresarial na administração pública”, defende, sugerindo a adopção das regras aplicadas ao sector petrolífero e financeiro.
“Precisamos de melhorar, creio que precisamos, com alguma coragem, de transpor para a administração pública as boas práticas do sector petrolífero e do sector financeiro, porque a administração pública é o pulmão do país. E a qualidade que transpira a qualidade dos actos, programas, contratos, depende muito dos actos que a administração pública pratica. Por isso, é preciso trabalhar mais nos actos que a administração pública pratica, na sua integridade e conformidade”, recomenda.
Luzia Sebastião e Benja Satula intervieram na conferência sobre compliance, realizada pela NF-Confojur, na última semana, em Luanda.
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