ANGOLA GROWING
ALCIDES CABRAL, PRESIDENTE DO PMI ANGOLA CHAPTER

“Não estamos num bom caminho”

01 Dec. 2021 Grande Entrevista

Líder da PMI Angola, uma organização sem fins lucrativos que ensina boas práticas de gestão em projectos, critica a situação económica, não encontrando “um bom caminho” e por isso aconselha “parar e pensar para rever a estratégia”. Está convencio de que que temos um ambiente de negócios favorável em oportunidades, por causa das potencialidades naturais, mas defende que se converta essa riqueza natural em benefícios sociais com “projectos bem elaborados”.

“Não estamos  num bom caminho”
D.R

De que forma o PMI Angola Chapter pode impactar o processo de desenvolvimento?

Trata-se de uma associação sem fins lucrativos, instalada em Angola, há cerca de quatro anos, para disseminar as boas práticas em gestão de projectos. Representa o PMI (Project Management Institute), uma instituição criada em 1969 nos EUA. Já temos 306 membros e 133 certificações.

O que isso representa?

Trabalhamos com voluntários que acabam por ganhar experiência de gestão e, com base nisso, tornam-se elegíveis para fazer a certificação do PMI. Os membros registados pagam quotas anuais para fazerem parte desse ‘ecossistema’ que envolve uma série de palestras, ‘workshops’, cursos de formação, entre outros eventos de partilha de conhecimento. Só num dos mais recentes eventos, reunimos 400 participantes no HCTA, em Luanda. Nestas acções, também contamos com um dos nossos principais patrocinadores, o Ministério das Tecnologias de Informação e Comunicação.

Como olha para os programas gizados pelo Governo?

Acho que o Governo tem gizado bons programas.

Como o Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), por exemplo?

As estratégias são materializadas por intermédio de projectos. Podemos ter boas políticas e estratégias, mas se não tivermos projectos bem desenvolvidos, todas as políticas e estratégias vão por água-abaixo. 

Então admite que há um fracasso?

É muito disso que tem havido cá: boas políticas, boas estratégias, mas falhamos na realização dos projectos que até são feitos por pessoas que têm conhecimentos do negócio, boa capacidade de liderança, mas falham na gestão.

 

Como se pode inverter o quadro?

A nossa comunidade integra pessoas de todo o mundo, com experiência de gestão de projectos. O PMI expandiu-se de tal forma que hoje existem, pelo mundo, mais de 283 representações com mais de 470 mil membros. Em África, são apenas 14 países com o PMI, entre os quais a África do Sul, com 2.000 membros e mais de 3.000 pessoas certificadas.

São consultados pelo Governo no lançamento dos projectos?

Sim, tanto por entidades públicas como privadas.

No caso do PIIM, deram algum parecer?

O que acontece é que não será o PMI Angola Chapter a mudar as organizações. Serão as pessoas dessas organizações, quando capacitadas, com base nas reais práticas de gestão de projectos disseminadas pelo PMI a operar mudanças. O nosso apelo não é para as organizações, mas sim para as pessoas que devem começar a pensar que não basta ter conhecimentos de negócio, mas também é preciso estudar as melhores práticas de elaboração de projectos.

O que se pode conseguir com o recurso a esta entidade?

Está provado que é com base nos projectos que as entidades públicas e privadas conseguem, através de uma organização projectizada, obter os melhores resultados. Os projectos têm várias caraterísticas. Uma delas é que documentam, organizam, priorizam, sequenciam e dão uma dinâmica do trabalho que faz com que haja melhor qualidade no resultado final. Aliás, estamos numa fase em que o país não deve ter mais desperdícios, porque estamos em crise.

Como salvaguardar o país desta situação?

Gestão de projectos é uma ciência. Logo, é preciso estudar para termos um bom profissional na área e, com isso, encontrarmos os melhores trilhos que nos levem a projectar, implementar e concluir os programas de desenvolvimento sem constrangimentos.

Mas podemos ir buscar essas valências à universidade, no caso, à Faculdade de Economia?

Reitero que a gestão de projectos é uma ciência transversal, mas, infelizmente em Angola, temos apenas poucas pessoas com certificação PMP (Project Management Professional, na tradução inglesa). Temos muito poucos gestores de projectos capacitados, quando na África do Sul são mais de 3.000, na Coreia do Sul, mais de 11 mil e nos EUA mais de 150.000.

É uma ciência transversal?

Sim, porque o médico, o professor, o agricultor também podem ser bons gestores de projectos se tiverem essa agregação técnica. 

Por via do PMI, certo?

O PMI tem um guia de referência, ou seja, uma ‘bíblia’ da gestão de projectos: o PMIbook. Este livro tem as melhores práticas e experiências acumuladas a nível do mundo. E vai já na sua 6ª edição.

Em Angola, é difícil a aprendizagem das boas práticas de gestão pública?

O PMBook não é para fazer uma cópia. É um guia de referência para vermos o que é importante para introduzir na nossa realidade e gerirmos melhor os nossos programas de desenvolvimento. O livro está preparado neste sentido.

É preciso marchar depressa, não?

É preciso que as pessoas se preparem. Temos estado a dar cursos de fundamento de gestão de projectos  e preparação para a certificação. Algumas pessoas têm sido já capacitadas e têm feito exames. Umas têm sido bem-sucedidas. Queremos continuar a disseminar a formação, porque são estas pessoas que farão acontecer as suas organizações. É preciso paciência na medida em que a certificação não é fácil.

Porquê?

Para se ter uma ideia, um exame que tem 200 perguntas demora quatro horas. Em Angola, não temos nenhum centro credenciado para realizar esse exame.

Onde ficam os centros certificadores?

Na África do Sul, em Portugal, no Brasil e no Dubai, mas é preciso muita disciplina e dedicação para poder aprovar nesse exame. Angola faz parte de três países lusófonos com PMI depois de Portugal e o Brasil. Neste último, o PMI está ‘espalhado’ por quase todos os Estados. Em Angola, não prevemos criar filiais por estarmos numa fase embrionária e temos ainda muito por explorar. Não obstante, nas nossas acções, sairmos de Luanda para as províncias, onde temos pontos focais, ou seja, pessoas que levam a marca do PMI em Benguela e no Namibe. Mas não estamos ainda a pensar em instalar escritórios nessas províncias 

Estamos há quase meio século a ‘gravitar’ em torno dos programas de desenvolvimento, mas o país não acontece…

Quando conseguimos a Independência, Angola já era um país com programas de desenvolvimento. É preciso agora avançar com equipas que auscultem as comunidades, fazer uma análise do impacto, enfim, auscultar e depois é preciso concertação e, por fim, escolher a melhor solução consensual que faça o país sacudir a inércia e avançar.

Mas aqui o cidadão não é envolvido…

Muitas vezes pensamos que melhorar é gerir para os outros. Nós não devemos gerir para o cidadão, mas sim com o cidadão. É preciso planear exaustivamente o tempo, o cronograma de acções, os custos, a qualidade e os planos de comunicação, de recursos, de riscos e de aquisições. Depois da execução, é preciso monitorizar e controlar, através de auditorias, e isso deve ser um processo sério para atingir objectivos.

Os vossos cursos podem contribuir para as boas escolhas?

É necessário que os formandos conheçam, nas 10 horas de conhecimento, cinco grupos de processos e 49 processos de gestão de processos. Dois ou três meses é o período mínimo que estimamos para que as pessoas estudem ‘fundamentos em gestão de projectos’, além de cursos intensivos de dois meses de preparação para a certificação. Aliás, os exames são ‘duros’. (risos).

E além disso…

Temos nas nossas universidades uma cadeira de gestão de projectos, mas não com todo o rigor desejado. Além disso, o certificado do PMI é válido em todo o mundo. Essa é a grande vantagem  desse diploma. E nesta altura em que estamos a abrir as fronteiras para a Zona de Comércio Livre da SADC, vamos interagir com outros países. Será cada vez mais necessária a gestão de projectos acompanhar também essa corrida.

Como pode ser feita a corrida?

As empresas que querem financiar Angola na senda da SADC, e não só, geralmente precisam de saber se há gestores certificados. O PMI tem um código de ética assente em quatro pilares: responsabilidade, respeito, justiça e honestidade. Violando esses princípios, posso perder a certificação, o que não é fácil de adquirir. Portanto, a nossa responsabilidade não é apenas técnica. O gestor de projectos PMI tem de ser ético. Aliás, existem países que têm faculdades só para esse fim como no Brasil e em Portugal. No nosso país, devíamos lançar também cursos de graduação em gestão de projectos. Temos um programa de PMI nas escolas, para ensinar as crianças de tenra idade para que aprendam, a partir da base, transformar uma ideia em uma realização. Queremos trazer para cá experiências bem-sucedidas em outros países.

Como olha para a situação económica e social do país?

Estamos numa fase que nos mostra que não estamos num bom caminho. Precisamos de parar e pensar para rever a nossa estratégia. Temos um ambiente de negócios que, em termos de oportunidade, é favorável por causa das enormes potencialidades naturais, mas é preciso saber converter essa riqueza natural em benefícios sociais e isso tem de ser feito na base de projectos que devem ser, por sua vez, bem elaborados.

E quanto à propalada diversificação económica?

Precisamos de ter coragem de aprender a viver sem o principal recurso, o petróleo. Temos de aproximar os discursos às práticas. Essa abordagem da agricultura tem de ser uma realidade, a indústria tem de acontecer e as tecnologias também. Temos de apostar cada vez mais na meritocracia.

O nosso sistema de ensino não produz bons quadros?

Temos de reformular o sistema da base ao topo. Temos de ir às universidades buscar os melhores e potenciá-los para serem inseridos na produção. Nada está perdido. Houve uma febre de formar como se fez, em quantidade, mas agora é preciso chamar as pessoas e tirar o máximo delas. Não temos país para desperdiçar recursos humanos. É preciso recapacitá-los. Infelizmente, não podemos fazer educação por decreto.

Assim, não se chega lá?

Podemos avançar, mas vamos ter de fazer mudanças e pensarmos mais em nós.

Perfil

Do Namibe para a certificação internacional

Alcides Campos Gomes Cabral nasceu no Namibe, em 1981, onde também estudou matemática. Na Universidade Católica de Angola, concluiu, em 2010, engenharia informática e o MBI (Master of Business Admnistration) em gestão de projectos pela Brasilian Business School (BBS), “uma instituição com bases muito boas de ensino e capacitação técnica”, como faz questão de a elogiar. Prosseguiu os estudos que o levaram aos EUA, obtendo a certificação internacional.