LUÍS LAGO DE CARVALHO, VICE-PRESIDENTE DA AECIPA

“Neste momento, só 10% é que passa na banca angolana de tudo o que é operação petrolífera”

Defende que as expectativas criadas com a lei do conteúdo local que, em Outubro, completa cinco anos desde a sua entrada em vigor, não se materializaram. Critica a postura das operadoras petrolíferas na relação com a prestadoras de serviço locais e apela para uma excepção no pagamento em dólares para empresas angolanas do ramo, com efeitos positivos na economia.   

“Neste momento, só 10% é que passa na banca angolana de tudo o que é operação petrolífera”

A lei sobre o conteúdo local está em vigor há praticamente cinco anos. Os resultados já satisfazem mais as empresas que trabalham no ramo? 

Para ser sincero, não. Todos ficamos, obviamente, satisfeitos de, finalmente, ver uma coisa posta em lei. Criou-se muita expectativa à volta e, infelizmente, não se materializou por vários motivos. Falta definir muita coisa para que a lei possa ser implementada e os resultados possam ser quantificados, porque não há métricas estabelecidas, não há percentuais, não há objetivos de anos. Definir objectivo percentual em áreas diferentes. Isso é outra coisa que tem que se diferenciar. Todas as políticas de conteúdo local que foram evoluindo no mundo começaram muito básicas, mas já devíamos ter hoje, como há em outros países, por sectores. Por exemplo, nos sectores mais tecnológicos é normal que, até em sítios como no Brasil, haja objectivos de 30% a 40%, e não de 80%, 70%, mas, nas áreas mais simples, já têm os percentuais de exigência maiores. Se não temos essas definições, torna difícil medir realmente se atingimos algum dos objectivos. 


Mas a Octomar, por exemplo, não consegue, através dos balanços, avaliar o impacto da entrada da lei nos seus negócios? 

Não, porque há vários constrangimentos. Um começa pelo factor de que se cancelou… A história do 51%/49% para poder operar no mercado parecia ser uma coisa que era utilizada muitas vezes só... Acabou-se com isso. Infelizmente isso levou a que as empresas, as ‘joint ventures’ que haviam em Angola há 20, 30 anos, no caso as partes estrangeiras disseram “afinal, não precisamos de um sócio angolano” e têm vindo a terminar as sociedades. Nesse aspecto, esta lei até veio piorar. Algumas empresas que existiam há 20, 30 anos estão a ser desfeitas porque o parceiro estrangeiro decidiu sair, afinal já não precisa da ‘joint venture’. Além disso, com esta lei, criou-se três níveis de serviços: os serviços exclusivos para as empresas locais, os serviços em preferência e os serviços em concorrência. As empresas que estão na área de concorrência, que é aberta a qualquer empresa, mesmo internacionais, olharam para aquilo e disseram “não, eu já nem preciso ter sócio angolano e os meus serviços estão na área de concorrência, por isso não preciso ter um sócio angolano”. Cancelaram as parcerias. Na área de preferência, era preciso perceber e haver métricas e fazer controlo dos contratos após serem realizados. Ou de ano a ano, para perceber qual foi o benefício que realmente foi dado às empresas que competiram, empresas locais com empresas estrangeiras, no de preferência. Nós não temos acesso a essa visão, não conseguimos perceber isso. Mas o sentimento em geral é que não alterou, não veio trazer benefícios, não sentimos que essa lei veio trazer realmente um aumento de volume de negócio às empresas locais. 


Defende a necessidade de voltarmos para o princípio de 51-49? 

No cômputo geral, sim. Havia um aproveitamento desse 51/49, havia empresas que apareciam registadas como 51-49 mas, no final, a empresa estrangeira, com os 49, geria a empresa completamente sozinha. Acho que se quis inverter esse quadro, esquecemos das empresas que já estavam a funcionar e que tinham realmente algum conteúdo local, mas como os serviços que realizavam passaram para o nível de concorrência, o parceiro internacional achou que já não precisava sequer de ter um parceiro local. Também é verdade que, quando o parceiro internacional sente que o parceiro local tem realmente valor acrescentado, isso não acontece. Mas há uma grande reclamação de muitos empresários locais que tinham essas joint ventures e que estão a vê-las a serem desfeitas. Temos de entender que os parceiros internacionais são empresas muito grandes e que, apesar da relação boa que tenham tido ao longo dos anos com os parceiros locais, como vão mudando as administrações, os presidentes dessas mega-empresas, as pessoas novas já não sentem essa relação com a empresa local. À medida que vão entrando, olham, simplesmente, na perspectiva de negócio. Acho que não estão a olhar profundamente para o que é que foi realmente feito em Angola por empresas locais ou até mesmo por joint ventures que estão aí de 50 a 50 ou 51 a 49, que investiram milhões e milhões. Depois continuam a aparecer empresas de ‘paraquedas’ que ninguém nunca viu em certas indústrias e que estão a ficar com o trabalho e que, no final, estão também a usar empresas estrangeiras por trás para fazer o trabalho. 

Para ler o artigo completo no Jornal em PDF, faça já a sua assinatura, clicando em ‘Assine já’ no canto superior direito deste site.