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O momento de a OMC ser a favor de África

28 Oct. 2020 Opinião

A escolha do próximo director-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) entrou na fase final, restando dois candidatos na corrida: Ngozi Okonjo-Iweala, ex-ministra das Finanças e Economia da Nigéria e ex-directora-geral do Banco Mundial, e Yoo Myung-hee, ministra do Comércio da Coreia do Sul. Tendo em vista os desafios actuais da OMC, Okonjo-Iweala é a melhor escolha.

A OMC enfrenta duas grandes crises: uma institucional causada pela rivalidade das grandes potências entre os EUA e a China, e uma da globalização – da qual a OMC, como supervisora das regras de comércio mundial, é um símbolo importante.

As tensões comerciais sino-americanas paralisaram a organização, com os EUA a bloquearem a nomeação de novos juízes para o seu órgão de recurso, o que trabalha para resolver disputas comerciais entre os países-membros. Além disso, a crise da covid-19, outra fonte de tensão entre grandes potências, levou muitas empresas a considerar a realocação das suas produções para reduzir a sua dependência dos fornecedores chineses atingidos pela pandemia, o que perturba as cadeias de abastecimento globais que são cruciais para o comércio mundial.

Se for escolhida para ficar à frente da OMC, Okonjo-Iweala tem as credenciais de liderança para restabelecer a relevância de uma organização falida. A OMC precisa de um líder mundial com provas dadas, bastante conhecedor do papel do comércio no desenvolvimento, em vez de um burocrata comercial que possa não ter uma visão mais abrangente. Com a sua experiência no Banco Mundial (onde os EUA e a China são os principais jogadores) e como ministra das Finanças reformista na Nigéria, Okonjo-Iweala, formada em Harvard e no MIT, tem uma rara combinação de competências de liderança política e competência tecnocrática comprovada.

A OMC precisa de um líder que possa criar consenso, porque o desígnio da organização não permite uma liderança descendente. E Okonjo-Iweala tem a seriedade necessária para construir pontes entre os EUA e a China, por um lado, e entre a OMC e África, por outro.

Apesar de ser amplamente considerada como a próxima fronteira do mundo em termos de investimento e desenvolvimento, África é essencialmente um espectador no sistema de comércio mundial, que representa uns escassos 2% das exportações mundiais. Embora o continente seja um mercado crescente para os produtos da globalização, não beneficia muito do comércio mundial, devido à sua presença limitada nas cadeias de valor globalizadas. Em vez disso, África comercializa principalmente produtos agrícolas e recursos naturais, enquanto a maior parte do comércio mundial se concentra em sectores de produção e de serviços.

África precisa de comercializar com o mundo da mesma forma que outras regiões, mas o sistema de comércio mundial está a manter o continente subdesenvolvido. Os países industrializados, em particular, cobram tarifas baixas sobre as importações de matérias-primas africanas, mas mais altas sobre produtos acabados africanos – na verdade, mais altas do que para produtos similares importados de outras regiões.

O comércio mundial de hoje está, portanto, unido contra África. Para ajudar a corrigir este desequilíbrio, as disposições de tratamento especial e diferenciado da OMC para os países menos desenvolvidos devem permitir que os governos africanos forneçam protecção tarifária temporária para fabricantes nacionais que estejam a dar os primeiros passos, dentro das regras da OMC. Poderíamos chamar a essas medidas necessárias e temporárias de 'proteccionismo inteligente'.

De um modo geral, chegou a altura de fazer a OMC funcionar para todos os países-membros, não apenas para as grandes potências ou países cujo sucesso económico mundial foi construído através do proteccionismo comercial, mas que agora procuram 'retirar a escada de apoio' aos países em desenvolvimento. Este reequilíbrio estrutural, que ampliará a esfera global da prosperidade, é melhor mediado por um líder da OMC que não seja proveniente de uma grande potência comercial.

Além disso, actualmente os países africanos não usam o sistema de resolução de conflitos da OMC, porque são muito frágeis para enfrentar os países doadores, sejam as potências ocidentais ou a China. Assim, os produtos chineses, por exemplo, têm sido 'despejados' nos mercados africanos sem consequências. Okonjo-Iweala tem as competências para criar um consenso sobre como dar uma oportunidade a África no sistema de comércio mundial.

Muito também dependerá do resultado das eleições presidenciais dos EUA a 3 de Novembro. O presidente Donald Trump acredita que a China manipulou o comércio mundial em detrimento dos interesses nacionais dos EUA, enquanto a China pensa que os EUA rejeitaram o regime baseado nas regras da OMC. Resolver essa tensão exige que ambas as potências encontrem a vontade política de chegar a um acordo. Também exige um líder no desenvolvimento mundial, como Okonjo-Iweala, que desempenhou funções em comissões de desenvolvimento internacional com actuais e ex-chefes de governo, para facilitar uma reaproximação. Mas, independentemente de quem vença a 3 de Novembro, a pandemia de covid-19 enfraquecerá inexoravelmente a globalização, à medida que os EUA e outros países procurarão reduzir e localizar cadeias de abastecimento.

Enquanto isso, a importância do comércio mundial para o desenvolvimento humano tornar-se-á novamente evidente quando milhares de milhões de doses de vacinas para a covid-19 estiverem disponíveis, provavelmente em algum momento de 2021. Como presidente do conselho da Gavi, Aliança Global para as Vacinas, Okonjo-Iweala desempenhou um importante papel de liderança nas negociações para tornar as vacinas amplamente disponíveis nos países em desenvolvimento.

O antecessor da OMC, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, foi originalmente concebido como parte do sistema de Bretton Woods após a II Guerra Mundial, mas o fraco apoio político interno nos EUA atrasou o seu estabelecimento. O Fundo Monetário Internacional tem sido dirigido desde a sua fundação por europeus e o Banco Mundial por norte-americanos. Esta 'realpolitik' bloqueou a proposta de Okonjo-Iweala para chefiar o Banco Mundial há quase uma década.

Está mais do que na altura de eliminar esse sistema de favoritismos e de o mundo em desenvolvimento finalmente ter a sua oportunidade. E com Okonjo-Iweala, a Nigéria e o mundo têm uma candidata altamente competente para liderar a OMC.

 

Kingsley Chiedu Moghalu, ex-governador do Banco Central da Nigéria