Porque precisamos da globalização?
Desde a votação do Brexit até à eleição de Donald Trump, como presidente dos EUA, passando pelo crescente apoio a partidos populistas, em países como Alemanha e Itália, grande parte da reviravolta eleitoral nas democracias ocidentais tem sido atribuída, pelo menos em parte, a uma reacção contra a globalização. Mas a globalização não merece essa ira dos eleitores.
Não há dúvida de que a globalização pode deixar grupos específicos, dentro de algumas economias comerciais, em pior situação. Aqueles que trabalham em indústrias susceptíveis de enfrentar a crescente concorrência da mão-de-obra estrangeira são especialmente vulneráveis. A imigração aumenta a disponibilidade de trabalhadores que estão dispostos a aceitar salários mais baixos, efectivamente reduzindo os salários dos trabalhadores locais, particularmente em empregos de baixa qualificação. E o ‘offshoring’ permite que as empresas movam operações de manufactura para países com maiores índices de mão-de-obra de baixo custo.
No geral, no entanto, os argumentos a favor da globalização, incluindo o livre comércio e, pelo menos, alguma abertura à migração, são fortes, defendendo que aumenta a riqueza total dos países participantes. Tudo o que é necessário para mitigar os seus pontos fracos são políticas eficazes de redistribuição, incluindo fortes redes de segurança social.
No entanto, essas políticas contrárias raramente são tomadas, permitindo que a frustração se acumule entre grupos perdedores. Há políticos que emergem para aproveitar essa frustração, na busca de políticas que são precisamente o oposto do que é necessário. Em nenhum lugar, esta tendência é mais aparente - ou mais consequencial - do que nos EUA, onde a administração Trump se arrisca a provocar uma guerra comercial com a China, para apaziguar a sua base eleitoral.
As tarifas que Trump prometeu introduzir visam, em primeiro lugar, reduzir o défice comercial bilateral dos EUA em relação à China. O que Trump parece não entender é que os mercados funcionam bem quando uma parte compra mais do que vende a um parceiro e vice-versa. Se os défices comerciais não forem permitidos, a economia mundial irá regredir essencialmente a um sistema de troca e a capacidade dos países de capitalizar as vantagens competitivas será reduzida.
Esta situação nem é inédita. A taxa Smoot-Hawley de 1930 - que aumentava os impostos nos EUA em mais de 20 mil mercadorias importadas em até 50% - deveria proteger os agricultores e empresas norte-americanas. Em vez disso, desencadeou medidas de retaliação por parte dos parceiros comerciais dos EUA, resultando num declínio de 66% no comércio mundial entre 1929 e 1934, agravando a Grande Depressão. Não é de admirar, portanto, que tantos economistas - inclusive eu - tenham assinado uma carta para o Congresso dos EUA, idêntica à enviada em 1930. Espera-se que, desta vez, os formuladores de políticas nos escutem.
Mas há outra dimensão no debate sobre os saldos comerciais que, muitas vezes, fica de fora dos cálculos: o investimento. No ano passado, o ‘superávit’ comercial do Japão ‘vis-à-vis’ com os EUA subiu 3,1%, para 69,7 mil milhões de dólares - provocando reclamações do Departamento de Comércio dos EUA. No entanto, esta resposta simplista ignora o aumento dos investimentos das empresas japonesas nos EUA durante as últimas duas décadas.
Os investimentos de multinacionais japonesas, especialmente na indústria, criaram 856 mil empregos nos EUA em 2015, representando 72,2 mil milhões de dólares em remuneração total para trabalhadores norte-americanos - perdendo apenas para o Reino Unido, que criou 1,1 milhão de empregos nos EUA, com 84,9 mil milhões de dólares. Enquanto isso, os investimentos de empresas sul-coreanas criaram apenas 45 mil empregos nos EUA; para as empresas chinesas, esse número é de apenas 38 mil. As multinacionais japonesas são as principais investidoras em 10 estados norte-americanos, incluindo Califórnia, Kentucky, Nebraska e até em Ohio, onde eleitores avessos à globalização contribuíram significativamente para a vitória de Trump.
Os eleitores consideram o investimento muito diferente de outros modos de globalização. A aquisição parcial da empresa de gestão de ‘commodities’ Gavilon, baseada no conglomerado japonês Marubeni, não provocou o tipo de reacção que as importações estrangeiras ou os migrantes costumam fazer. Talvez as pessoas entendessem que o movimento abriria novos mercados (particularmente na China) para a agricultura do Nebraska.
Essa distinção não é exclusiva dos EUA. Na Hungria, o sentimento antiglobalização - e especialmente antimigrante - ajudou o primeiro-ministro Viktor Orbán a garantir um terceiro mandato consecutivo com uma vitória esmagadora nas eleições de 8 de Abril. No entanto, os investimentos feitos na Hungria por empresas japonesas, como a Subaru, não são meramente tolerados; são bem-vindos.
Portanto, a reacção contra alguns aspectos da globalização é muito mais forte o que parece estar arraigada, pelo menos em parte, na falta de compreensão de como as funções comerciais trazem benefícios. O livre comércio, a migração e o investimento directo estrangeiro prometem ganhos potenciais de longo alcance para todas as partes envolvidas. Será que realmente permitiremos que a ignorância e o oportunismo político nos impeçam de perceber isso?
Professor emérito da Universidade de Yale, EUA, e assessor especial do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe.
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