Quem vai combater a ‘fake news’ do Governo de João Lourenço?

24 Apr. 2025 Suely de Melo Opinião

Ora, ora, ora… O Governo prepara-se para impor penas de até 10 anos de prisão àqueles que espalham ‘fake news’ e multas milionárias para quem repassar informações “comprovadamente”… por eles, falsas.

Quem vai combater a ‘fake news’ do Governo de João Lourenço?

Mas parece haver aqui uma lacuna bastante conveniente na lei quando se trata dos próprios governantes. 

Afinal, quem vai sancionar os que se tornam especialistas em ‘fake news’, ao prometerem maná no deserto, levando o povo a acreditar em soluções mágicas que, no final das contas, não passam de miragens?

Que nome dar a um político num palco que, com o brilho nos olhos, entoa uma promessa feita de energia renovável: empregos em massa e um futuro brilhante. No entanto, após a eleição, essas promessas evaporam como fumaça. 

O que acontece com esse algoz da esperança? Nada! 

Enquanto isso, o cidadão comum, que compartilha um meme duvidoso no grupo da família, é o alvo da fúria legislativa. 

Mas então que castigo merece quem promete 500 mil empregos, mas, em vez disso, adopta medidas que levam milhares para o desemprego? 

Como castigar quem, por exemplo, promete que o preço do combustível vai baixar e acontece exactamente o oposto? 

Qual é a sanção a ser aplicada a quem promete o milagre económico, mas tudo o que vai deixar é um desastre sem precedentes? 

Quantos anos de reclusão merece quem promete mais liberdade, mais abertura, mas só reprime e conseguiu até, pasme-se, estragar o ‘cabocado’ que já estava bom? 

Quantos mil dias de multa merecem os que escrevem aqueles relatórios que ouvimos no discurso do Estado da Nação em que citam a construção de estradas, hospitais e escolas que só existem na sua fértil imaginação?

Se isso não são factos comprovadamente falsos, que nome lhes dar?

Louvado seja Deus pelo facto de esta lei ainda não estar em vigor, caso contrário a RTP seria a primeira a levar com a fúria do Governo.

O grupo de comunicação português foi esta semana verbalmente fuzilado pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de informação e Comunicação Social por ter reportado, mediante comunicado da própria Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda, o cessar-fogo na província. ‘Sazarou’! 

Como quem está tão somente à espera de um mínimo deslize de outrem, o MINTICS não poupou na adjectivação.  

Mas pior do que isso, jurou que em Cabinda não há qualquer conflito, que a paz reina e que os irmãos cabindenses vivem na mais perfeita harmonia. 

Ora, isto não é fake news?! Bem, mas como eles é que hão de comprovar o que é ou não fake news, aguardemos só já…

E nesta terra onde a paciência é a principal disciplina do currículo nacional, quem melhor para nos iluminar sobre as alegrias de permanecer neste Éden tropical, do que a nossa excelsa ministra da Educação?

Ela, com a clarividência de quem certamente nunca experimentou um banho à luz de velas, brindou-nos com a pérola de sabedoria de que aqueles que ousaram trocar a doce melodia dos geradores pelo silêncio ensurdecedor de um fornecimento energético estável, não fazem falta. 

Que ingratos! Abandonar este paraíso de oportunidades onde a busca por água potável é um desporto olímpico e a ida ao hospital uma aventura digna de Indiana Jones!

É comovente a sua preocupação em manter-nos unidos no sofrimento. 

Por que sim, segundo Luísa Grilo temos de “sofrer todos juntos”. Afinal, que alegria maior existe do que partilhar as malambas, lado a lado, num espírito de camaradagem forçada pela falta de alternativas?

Imagino a Ministra, no conforto do seu lar, onde por um golpe de magia divina ou talvez um gerador bem potente, a luz persiste e a água jorra, a meditar sobre a importância de ser patriota e não abandonar o país.

E a educação? Que privilégio inestimável é aprender à luz de velas ou debaixo de árvores, ou ainda sentados no chão ou na melhor das hipóteses em pedras, mas com a certeza de que estamos todos juntos nesta jornada épica de desenvolvimento… ainda que lento. 

A saúde, então, é um capítulo à parte. Que emoção é sentir a adrenalina de uma emergência num hospital com poucos recursos, onde a fé e a resiliência da equipa médica são os principais aliados! É uma lição de vida constante, um lembrete de que cada dia é uma bênção. Se sobrevivermos a ele, claro.

Portanto, caros compatriotas que, porventura, escolheram trilhos menos… desafiadores, saibam que não fazem falta. 

Ficamos nós, os resilientes, os fortes, os que apreciam a beleza de um apagão inesperado e o sabor único da água, que o próprio governo nos aconselha a meter lá lixivia.

Continuaremos aqui, a sofrer unidos, sob o olhar atento e certamente compassivo da nossa Ministra. E quem sabe um dia, num futuro longínquo, talvez os nossos netos se lembrem destes tempos como a gloriosa época em que a falta de tudo nos tornou… bem, pelo menos nos manteve juntos. E isso, aparentemente, é o que realmente importa. Será? 


*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 18 de Abril de 2025