O ESTADO DE EXCEPÇÃO NÃO PERMITE TUDO AO SR. INSTABILIDADE
Duas especulações sobre alegadas pretensões de João Lourenço têm minado a estabilidade social e política e a previsibilidade económica ao longo deste seu segundo mandato. As duas radicam em evidências irrefutáveis de que o Presidente tem medo de abandonar o poder, depois dos seus desastrados 10 anos de desgoverno.

A primeira, não sendo necessariamente esta a ordem, estabelece que João Lourenço quer manter-se à frente do MPLA para gerir a sucessão no Estado. Os argumentos desta tese ficaram reforçados com as declarações recentes do próprio que reclamou para si o direito de decidir quem será o futuro Presidente da República. Para isso, teria de se fazer eleger antes no congresso ordinário do MPLA previsto para Dezembro do próximo ano. A segunda, e mais grave, aponta que João Lourenço pretende manter-se simultaneamente na liderança do seu partido e do Estado depois de 2027. Até há relativamente pouco tempo, o caminho mais especulado para a concretização da segunda hipótese (a manutenção no partido e no Estado) passava por uma revisão constitucional apoiada por deputados e políticos venais ligados a sectores da oposição inútil. Com a reconstituição da bancada parlamentar da Unita, após a saída de alguns deputados ligados ao PRA-JÁ de Abel Chivukuvuku, projecto que se confunde como um dos vergonhosos apêndices do MPLA, a hipótese da revisão constitucional tornou-se mais remota. Resta assim a possibilidade da tal invencionice de um estado de excepção que leve ao derrube das instituições pelo próprio Presidente. É este ponto em particular que merece um ligeiro mas necessário tratamento neste texto.
Parte desta narrativa que alimenta a conspiração contra as instituições por alegada obra de João Lourenço pretende sedimentar a ideia de que tais intentos teriam perfeito respaldo constitucional. Ora, isso é redonda e tremendamente falso. A única forma de João Lourenço deitar as instituições do Estado abaixo, no quadro de um estado de excepção, é por via do cometimento de um crime grave com consagração constitucional. A Constituição angolana é clara nesta matéria. Não dá a menor brecha passível de alimentar pretensões ditatoriais que levem à dissolução da Assembleia Nacional, à anulação ou à recontagem de mandatos presidenciais.
Vejamos o que fixam o ponto 5 e respectivas alíneas do artigo 58º. “Em caso algum a declaração do estado de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência pode afectar a) a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos Órgãos de Soberania; b) os direitos e imunidades dos membros dos Órgãos de Soberania; c) o direito à vida, à integridade pessoal e à identidade pessoal; d) a capacidade civil e a cidadania; e) a não retroactividade da Lei Penal; f) o direito de defesa dos arguidos e g) a liberdade de consciência e de religião”. Mais à frente, no seu artigo 129º, a Constituição faz questão de desmontar de forma mais expressa a ladainha dos alegados poderes ilimitados do Presidente da República em circunstâncias de um estado de excepção. Fixa o número 2 deste artigo que “o Presidente da República pode ainda ser destituído por crime de violação da Constituição que atente gravemente contra a) o Estado Democrático e de Direito; a segurança do Estado e c) o regular funcionamento das instituições.
Não se trata, portanto, de uma opinião. São normas da Constituição aprovada por João Lourenço que clarificam, sem equívocos, que os estados de excepção, sem excepção, não permitem tudo. Há limites que, uma vez ultrapassados, levam inequivocamente à destituição do Presidente da República. Quem se diverte a incitar João Lourenço a deitar abaixo o Estado, por via de um estado de excepção, tem de ter o discernimento de o informar que a Constituição, pelo menos esta que existe, não lhe dá abrigo. Nem um único que seja. Pelo contrário, entala-o.
A arte de manifestar sem incomodar