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Um contrato social pós-pandemia

17 Jun. 2020 Dani Rodrick Opinião

Existem tópicos comuns nas agendas políticas recentemente propostas: para preparar a força de trabalho para novas tecnologias, os governos precisam aprimorar os programas de educação e de formação e melhor integrá-los nos requisitos do mercado de trabalho. A protecção e o seguro social precisam de ser melhorados, especialmente para os trabalhadores da economia informal e em contratos de trabalho não convencionais.

De maneira mais ampla, o declínio do poder de negociação dos trabalhadores nas últimas décadas aponta para a necessidade de novas formas de diálogo e cooperação entre empregadores e empregados. Uma tributação progressiva melhor desenhada deve ser implementada para atender à crescente desigualdade nos rendimentos. As políticas anti-monopólio precisam ser revigoradas para garantir maior concorrência, principalmente nas plataformas da comunicação social e das novas tecnologias. As mudanças climáticas precisam de ser encaradas de frente. E os governos devem desempenhar um papel maior na promoção das novas tecnologias digitais e ‘verdes’.

Adoptadas em conjunto, estas reformas mudariam substancialmente a maneira de operar das nossas economias. Mas não alteram basicamente a narrativa sobre como as economias de mercado deveriam funcionar; nem representam uma saída radical para a política económica. De uma maneira mais crítica, essas reformas suprimem o desafio principal que precisamos enfrentar: reorganizar a produção.

Os nossos principais problemas económicos – pobreza, desigualdade, exclusão e insegurança – têm muitas raízes. Mas são reproduzidos e reiterados diariamente no decorrer da produção, como um subproduto instantâneo das decisões das empresas com relação ao emprego, ao investimento e à inovação.

Na linguagem dos economistas, essas decisões estão repletas de ‘externalidades’: têm consequências que se espalham, além de outras pessoas, empresas e sectores da economia. As ‘externalidades’ podem ser positivas. Tomemos, como exemplo, os efeitos colaterais da pesquisa e desenvolvimento, que são suficientemente reconhecidos (e formam a lógica dos créditos tributários e outros subsídios públicos). As’externalidades’ negativas óbvias são a poluição ambiental e os efeitos das emissões de gases de efeito estufa.

Essas repercussões também incluem o que poderia ser chamada de ‘externalidade’ dos ‘bons empregos’. “Bons empregos” são aqueles que são relativamente estáveis, pagam o suficiente para sustentar um padrão de vida razoável com alguma segurança e poupança, garantem condições de trabalho seguras e oferecem oportunidades de progresso na carreira. As empresas que geram tais empregos contribuem para a vitalidade das suas comunidades.

Por outro lado, a falta de bons empregos acarreta altos custos sociais e políticos: famílias desfeitas, abuso de substâncias ilícitas e crimes, além de uma confiança cada vez menor nos governos, em especialistas e em instituições, polarização partidária e populismo nacionalista. Também existem claras ineficiências económicas, uma vez que as tecnologias para aumentar a produtividade permanecem retidas em poucas empresas e não se espalham, contribuindo para o anémico crescimento dos salários em geral.

As decisões das empresas sobre quantos funcionários admitir, quanto pagar e como organizar o trabalho não afectam apenas os resultados. Quando uma empresa decide automatizar a linha de produção ou terceirizar parte da produção para outro país, a comunidade local sofre danos a longo prazo que não são ‘internalizados’ pelos  gestores ou accionistas.

A suposição que está implícita de grande parte de nosso pensamento actual, bem como o do modelo tradicional de estado de bem-estar social, é que ‘bons empregos’ da classe média estarão disponíveis para todos que possuam formação adequada. Nessa perspectiva, a estratégia apropriada para promover a inclusão é aquela que combina gastos com educação e formação, um sistema progressivo de impostos e transferências e seguro social contra riscos idiossincráticos, como desemprego, doenças e invalidez.

Actualmente a insegurança económica e a desigualdade são problemas estruturais. Tendências seculares em tecnologia e globalização ofuscam a importância da distribuição de empregos. Os resultados são mais empregos maus que não oferecem estabilidade, nem remuneração suficiente ou progressão na carreira, bem como mercados de trabalho permanentemente deprimidos fora dos principais centros metropolitanos.

Abordar esses problemas requer uma estratégia diferente que consiga enfrentar directamente a criação de bons empregos. O ónus deveria ser das empresas para internalizar os efeitos económicos e sociais que causam. Portanto, o sector produtivo precisa ser o ponto central da nova estratégia.

Por outras palavras, é preciso mudar o que produzimos, como produzimos e quem pode decidir. Isso requer não apenas novas políticas, mas também a reconfiguração das que já existem.

Políticas activas do mercado de trabalho, projectadas para aumentar as capacidades e a empregabilidade, deveriam ser ampliadas por meio de parcerias com empresas e direccionadas explicitamente à criação de ‘bons empregos’. As políticas industriais e regionais que actualmente se concentram em incentivos fiscais e subsídios ao investimento precisam ser substituídas por serviços e conveniências comerciais sob medida para facilitar a máxima criação de emprego.

Os sistemas nacionais de inovação precisam de ser reprojectados para orientar investimentos em novas tecnologias com vista a uma direcção mais favorável ao emprego. As políticas para combater as mudanças climáticas, como o Acordo Verde Europeu, precisam de ser explicitamente vinculadas à criação de empregos nas comunidades mais atrasadas.

Uma nova ordem económica exige uma contrapartida explícita entre empresas privadas e autoridades públicas. Para prosperar, as empresas precisam de uma força de trabalho confiável e qualificada, boas infra-estruturas, um ecossistema de fornecedores e colaboradores, fácil acesso à tecnologia e um consistente regime de contratos e direitos de propriedade. A maioria é fornecida por acções públicas e colectivas, que são da responsabilidade do governo.

Por sua vez, os governos precisam que as empresas internalizem as várias externalidades sobre trabalho, investimento e inovação produzem nas comunidades e sociedades. As empresas devem cumprir a sua parte – não como uma questão de responsabilidade social corporativa, mas como parte de uma estrutura explícita de regulamentação e governança.

Acima de tudo, uma nova estratégia precisa de largar a tradicional divisão entre políticas pró-crescimento e as sociais. Um crescimento económico mais rápido exige a disseminação de novas tecnologias e oportunidades produtivas entre empresas menores e segmentos mais amplos da força de trabalho, em vez de limitar os benefícios a uma pequena elite. Melhores perspectivas de emprego reduzem a desigualdade e a insegurança económica mais do que apenas a redistribuição de impostos. Simplificando: as agendas sociais e de crescimento são a mesma coisa.