Uma primavera falsa nas reuniões de primavera?

08 May. 2017 Sem Autor Opinião

Carmen Reinhart Professora de Sistema Financeiro Internacional na Universidade de Harvard

 

Vincent Reinhart Economista chefe da Standish Mellon Asset Management.

 

Todas as primaveras, os burocratas internacionais acorrem para Washington DC, tão certo quanto andorinhas para Capistrano, para as reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), onde partilham informações sobre as economias locais onde operam e respectivas perspectivas políticas. Porque estes oficiais vão a múltiplos eventos durante a semana, desenvolve-se uma câmara de eco a partir da qual emerge uma perspectiva genérica sobre o estado da economia global. A condução da política global é depois influenciada por essa percepção.

Desta vez, a percepção foi positiva. De acordo com o FMI, segundo o reportado no seu World Economic Outlook, o PIB real deve expandir cerca de 2% nas economias desenvolvidas este ano e o próximo. Isto coloca a taxa de desemprego em menos de 6%, o que não difere muito do nível de antes da crise financeira de 2008. A deflação, ou a indesejável desinflação, só é vista agora no espelho retrovisor, à medida que a inflação no preço ao consumidor se fixa à volta dos 2%, o objectivo da maioria dos bancos centrais.

No entanto, como qualquer residente de New England sabe, nem sempre as chuvas de Abril trazem flores de Maio; às vezes, só trazem mais chuva e mais frio. Não quero ‘chover na parada’ dos oficiais, mas receamos que estejam demasiado confortáveis com a estabilização das condições económicas. Debaixo dos números que fazem manchete, há pouca evidência de que os problemas subjacentes tenham sido resolvidos.

Não seria a primeira vez. O registo pós 1945 inclui duas anteriores “décadas perdidas” em que economias se debateram para recuperar de severas crises financeiras – incluindo aí uma dúzia de países da América Latina de 1982 a 1992, e o Japão de 1992 a 2007 – que estiveram abaixo das suas próprias tendências de crescimento e das dos seus pares.

Por sombria que esta história pareça, o crescimento do PIB real per capita foi positivo em entre 60% a 75% desses anos, respectivamente, na América Latina e japão. Na verdade, o PIB real per capita expandiu em mais de 2% em pelo menos um quarto desses anos. De modo que, esses países vislumbraram raios de sol no que se revelou ser, em retroespectiva, uma nuvem maioritariamente densa.

Junto do oficialismo, a aceleração da actividade económica pode fomentar esperanças, mas os níveis também são relevantes. Na Europa, o PIB real médio mal tem sido positivo desde a crise financeira, e o nível em 2016 foi cerca de 20% abaixo do previsto pela tendência dos dez anos até 2007. Esta posiciona-se como a recuperação mais lenta de uma crise financeira severa, em dois séculos. E os dados agregados escondem uma multitude de problemas: a Grécia e a Itália, por exemplo, não vão recuperar o nível de PIB real per capita de antes da crise dentro do período das previsões do World Economic Outlook, que cobrem até 2022. Sim, as tendências de despesa pós-crise são um impedimento ao crescimento, em parte, devido à sua persistência. Mas, durante este período, a estagnação de crescimento no potencial de produtividade é central. De acordo com o FMI, o crescimento do PIB real potencial nas economias avançadas – considere esta como a tendência subjacente para o fornecimento agregado – caiu para metade neste século, de 2,71% em 2001 para níveis tão baixos quanto 1.28% recentes. O contexto é mais sombrio nos EUA, onde, de acordo com o Departamento Orçamental do Congresso a amplitude da oscilação, é o dobro, de cerca de 4% para 1,5%. Mas todas as economias do G7 partilham este fenómeno porque as suas populações envelhecidas e crescem mais devagar, retirando-se do mercado de trabalho e adicionando muito pouco rendimento extra por hora adicional trabalhada. Se a produtividade ou o rendimento horário, vão continuar a arrastar-se é difícil prever. Mas dados são dados, e mostram claramente que o crescimento da produtividade vem sendo lento há algum tempo. O potencial de crescimento da produtividade não é apenas uma abstracção dos economistas. Se, como parece ser o caso, a receita expectável seguir um caminho descendente, vamos ter menos recursos para suprir as nossas necessidades. E sendo que temos consumido e contraído crédito em antecipação de receitas mais elevadas, vamos ficar decepcionados.

Há certamente margem para decepção nas economias avançadas, tendo em conta que a dívida pública bruta paira em torno dos 106% do PIB nominal e os défices fiscais prolongam-se para além do horizonte previsível. A matemática orçamental só dificulta, à medida que os bancos centrais normalizam a política monetária, mesmo que as taxas de juro não retornem completamente aos seus níveis pré-crise.

Em economias com um histórico recente de controlo fiscal, como a Austrália, Canadá e Nova Zelândia, o sector privado tem estado a contrair crédito com demasiada facilidade. Em tempos difíceis, os erros do sector privado tornam-se frequentemente obrigações do sector público. A mecânica do governo representativo funciona melhor quando é usada para partilhar um bolo económico em crescimento.

Por exemplo, quando a economia americana tinha 4% de tendência de crescimento, esperava-se que o PIB real duplicasse em 18 anos, o que dava conforto aos pais acerca do futuro económico dos seus filhos. À actual tendência de 1.5%, o período necessário para duplicação do PIB chega a 48 anos, o que sombreia as perspectivas económicas até dos netos. Nessas circunstâncias será que os governantes vão tomar as decisões difíceis necessárias para passar do estado de estabilização económica para o de recuperação sustentável?