António Miguel

António Miguel

REESTRUTURAÇÃO. Angola pretende reforçar a aposta na exploração do gás natural, numa altura em que o aquecimento global faz aumentar a corrida pela ‘commodity’ nos mercados internacionais.

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A criação de uma Lei que regule a actividade de exploração de gás natural deverá ser a ‘grande’ novidade das propostas a serem apresentadas, em menos de 30 dias, pelo Grupo de Trabalho, criado por João Lourenço para apresentar sugestões para melhorar o sector do petróleo e gás.

Segundo uma fonte do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleo, o Governo pretende, com a criação da Lei do Gás, apostar na exploração desse recurso natural, criando condições, entre as quais legais, que atraiam o investimento das multinacionais.

A 6 de Outubro, o Presidente da Republica, João Lourenço, reuniu com representantes dos ‘gigantes’ do petróleo, que operam em Angola, tendo de seguida criado o Grupo de Trabalho, que deve apresentar as sugestões de reestruturação do sector até meados do próximo mês.

O consultor Galvão Branco entende que a medida governamental é acertada e que o gás natural tem ‘futuro próspero’nos mercados internacionais. “Até porque, por causa do aquecimento global, o gás é cada vez mais procurado nos mercados mundiais”, avisa o analista de macroeconomia, acrescentando ainda que “o gás natural tem subprodutos que são utilizados na produção de adubos e outros insumos para a agricultura”.

Já o investigador do Centro de Estudo e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola para a área de Energia, José Oliveira, alerta que a criação do diploma, por si só, não basta, pelo que urge a necessidade de elaborar uma “Estratégia Nacional de Gás”, que permita também o consumo interno deste recurso, além da sua exportação. “Tanto quanto sei essa estratégia não está definida, muito menos aprovada”, sublinha.

José Oliveira, que apontou as descobertas de gás natural liquefeito (LNG, na sigla em inglês) na Bacia do Kwanza como sendo maiores do que a do Angola LNG do Soyo, entende que a presidente do conselho de administração da Sonangol, Isabel dos Santos, criou bloqueios à função concessionária da empresa, tendo resultado em ‘problemas operacionais’ para as companhias operadoras, considerando como ‘histórica’a reunião entre representantes das petrolíferas e o Presidente João Lourenço.

Entretanto, segundo fontes do VALOR ligadas ao Ministério dos Recursos Minerais e Petróleo, aventa-se também a possibilidade de o Grupo de Trabalho propor a criação da Agência Nacional do Petróleo, intenção que já tinha sido anunciada pelo Governo de José Eduardo dos Santos, mas que nunca saiu do papel.

A agência a ser criada teria o papel de regulador do sector. Neste capítulo, Galvão Branco colide com José Oliveira. Para o primeiro especialista, é fundamental que se crie a Agência Nacional do Petróleo para que Angola “esteja em conformidade com o que se faz lá fora e esteja mais próximo do mundo do petróleo”.“A Argélia tem e outros países também têm. É urgente que tenhamos também uma agência reguladora”, aponta Galvão Branco.

Já o investigador da Universidade Católica de Angola entende que o país não tem necessidade de criar uma agência reguladora. Porque, argumenta, o modelo apresentado concentra a Sonangol EP exclusivamente na sua actividade concessionária e porque “nem tem quadros para em simultâneo melhorar a função concessionária, que vem perdendo qualidade há anos”.

“Se for avante este modelo, a futura Sonangol EP e a Agência vão ficar as duas debilitadas, incapazes de exercer as suas funções e, por isso, viver de consultoria externa que vai custar milhões de dólares/ano”, avisa José Oliveira.

INVESTIGAÇÃO. Voos da Air Guicango estão suspensos na sequência da queda de um dos seus aviões, a 12 de Outubro, na Lunda-Norte, enquanto regulador do sector se encontra sob investigação do Ministério dos Transportes.

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O Instituto Nacional de Aviação Civil (INAVIC) está sob inquérito do Ministério dos Transportes, na sequência da queda do avião da Air Guicango, ocorrido a 12 de Outubro, minutos depois de descolar do aeroporto da Lunda-Norte em direcção a Luanda.

A investigação, conduzida pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes Aeronáuticos (GPIAA), afecto àquele ministério, pretende apurar se o regulador da aviação civil tem actualizadas as inspecções à Air Guicango, segundo fontes do VALOR ligadas ao INAVIC, que também garantiram não terem sido problemas técnicos que provocaram o despenhamento do aparelho. Além do INAVIC, a proprietária do avião, a companhia privada Air Guicango, também se encontra sob investigação do GPIAA.

Se forem comprovadas negligências por parte de as ambas instituições inquiridas, poderão ser aplicadas sanções, como a suspensão de voos e a orientação de reestruturação da empresa, se for o caso, por exemplo, da operadora aérea.

Aliás, enquanto ocorre o inquérito, a Air Guicango está proibida provisoriamente de levantar voos. No entanto, o director do GPIAA, Luís Solo, avançou já a possibilidade de o avião ter sido atingido por descargas eléctricas atmosféricas, que terão provocado incêndio num dos motores.

O acidente aéreo vitimou os setes ocupantes, sendo três tripulantes angolanos e quatro passageiros estrangeiros (quatro sul-africanos e um português). A Air Guicango é uma empresa certificada para operações comerciais não regulares.

Entretanto, a investigação sobre o INAVIC e a Air Guicango ocorre numa altura em que uma outra companhia doméstica, a Air 26, se encontra, há mais de um ano, proibida de voar pelo facto de o regulador ter detectado irregularidades que põem em causa questões de segurança.

Orientada a reestruturar a empresa, a direcção da Air 26 submeteu, em Agosto, ao regulador de aviação comercial angolana documentos com informações sobre o ponto de situação da reforma.

No entanto, este relatório, que se encontra em apreciação dos peritos do INAVIC, espelha apenas parte das orientações já realizadas, pelo que não dá ainda o direito do levantamento da suspensão de voos.

PRODUÇÃO NACIONAL. Sector avícola produz apenas 30% da sua capacidade, enquanto o país gasta cerca de 200 milhões de dólares/ano para a importação de ovos.

Avicultores

Pelo menos, quatro mil funcionários do sector avícola correm o risco de perde os postos de trabalho, segundo cálculos da vice-presidente da Associação Nacional dos Avicultores de Angola (ANAVI), Maria José.

A responsável fez essas declarações, na semana passada, durante um encontro, realizado em Luanda, entre empresários e membros do Governo, nomeadamente os ministros da Agricultura e Florestas, Pescas e do Mar, da Indústria, e da Economia e Planeamento.

Maria José defendeu que a crise do desemprego no sector avícola está a ser motivada pelas dificuldades que as empresas têm em importar matérias-primas inerentes à criação de galinhas e pintos, bem como para a produção de ovos. Apesar da capacidade instalada, continuou a responsável da ANAVI, vários aviários encontram-se paralisados. Aliás, o sector encontra-se a produzir apenas 30% da sua capacidade.

Os impasses na importação das matérias-primas estão relacionados com a escassez de divisas que devasta, desde 2014, a economia nacional. O Banco Nacional de Angola tem estado a fazer gestão apertadas das moedas estrangeiras (dólares e euros), no entanto, a vice-presidente da ANAVI lamenta que, nos poucos casos que conseguem divisas, recebem orientação para o cancelamento da operação de importação.

“O melhor método para nós seriam as alocações de divisas para vendas directas. Mas, muitas vezes, a operação está em curso e o banco manda o comunicado a dizer que retirou e temos de parar a operação”, lamenta, acrescentando que, por conta desses impasses, em Dezembro, o país se arrisca a enfrentar a escassez de ovos por da baixa de produção.

“A maior parte de produtores não repovoou os aviários por falta de matérias-primas. Se não tivemos matéria-prima para fazer ração, não podemos ter pintos. Já no ano passado, houve um problema semelhante”, alertou a empresária. “Naquela altura, o Ministério da Agricultura deu prioridade a alguns produtores para importar alguns ovos para a quadra festiva, mas tivemos um grande problema, porque não sabemos como, mas entram ovos em quantidades que não estavam programadas pelo Ministério da Agricultura”, criticou.

Maria José afirmou que o Estado gasta anualmente mais de 180 milhões de dólares com importação de ovos, valor que, entende, deveria ser aplicado em matérias-primas. Em Maio, foi realizado o censo que ilustra o ponto de situação do sector. O documento, segundo Maria José, está na posse do Ministério da Agricultura e Florestas.

COMÉRCIO PROIBIDO. Extensão na proibição de entrada no país de automóveis ligeiros com mais de três anos deverá ser aplicada também a peças e sobressalentes de viaturas.

VENDA DE PNEU 18

Embora o Governo tenha já proibido a importação e comercialização de pneus usados, três anos depois, o negócio continua a reinar no mercado informal de Luanda. Ao que tudo indica, os riscos da actividade são ignorados por vendedores e compradores.

A justificação de ambos os lados envolvidos nesta prática encerra cariz económico e financeiro. Vendedores, contactados pelo VALOR, argumentam que vêem neste comércio o único meio de sobrevivência, enquanto vários compradores se justificaram com a incapacidade financeiras para comprar pneus novos, que geralmente custam o dobro.

À luz do dia, o negócio acontece tanto em casas com licenças comerciais, como na via pública, assim como em recauchutagens. Para já, os que vendem na rua ‘gabam-se’ de nunca terem sido incomodados por efectivos da fiscalização. Deste modo, o negócio soma e segue. Os preços dos pneus em segunda-mão variam entre 10 e 30 mil kwanzas, para viaturas ligeiras, enquanto para os carros de maior porte chegam a atingir os 70 mil kwanzas.

Pedro Júlio é um dos protagonistas da actividade. O vendedor, do bairro projecto Nandó, no município de Viana, diz que vive desta actividade informal, pelo que pretende criar “novas estratégias” para conquistar mais clientes. Até, porque, garante, não tem estado a lucrar como no passado, em que chegava a vender 15 pneus por dia. “Infelizmente, quase que já não vendo pneus nenhuns nesses últimos tempos. Às vezes, apenas vendo um ou dois pneus por dia”, contabiliza, acrescentando que está a pensar em mudar de local de venda “porque aqui já não está a dar certo”.

Patrício Desidério, no negócio há cinco anos, além de pneus de carros usados, vende jantes. Gerente de uma recauchutagem, no Camama, Desidério afirma que a falta de oportunidade de trabalho é que o fez abraçar o serviço e considera a prática agridoce, já que, apesar das adversidades por que passa, no fim de contas, consegue uma “facturação considerável”, ainda que com oscilações. “A venda é bastante relativa, há semanas em que consigo vender sete pneus a nove mil kwanzas cada um e outras em que a venda se resume a apenas em dois a três pneus”, conta o interlocutor.

Quem também anda na venda de pneus usados é Tando Miguel, com o estabelecimento comercial localizado no bairro Kapolo. O comerciante conta que o negócio é fértil e tem dado dinheiro suficiente para ajudar nas contas de casa. Para ele, a procura tem crescido nos últimos tempos. “Tem aparecido bastantes clientes e as referências mais procuradas são os número 14 e 15 de baixa pressão que cabem num Hiace, I10 ou kiaPicanto e, para conseguir estes pneus, é preciso astúcia, porque já não tenho um fornecedor como tinha antes”, explica.

Estrangeiros também ‘mergulharam-se’ nesta ‘informalidade’. O cidadão congolês democrático, que se identificou apenas por Marroquino, por exemplo, é proprietário de uma recauchutagem localizada, na Avenida Deolinda Rodrigues. Além de recauchutar, também vende pneus usados, há mais de dez anos e ‘gaba-se’ dos lucros. Entrou no ‘business’ com capital inicial de 300 mil kwanzas. Actualmente, factura por semana, aproximadamente 56 mil kwanzas, valor que considera “razoável”. A meta passa, entretanto, por fazer mais. “Às vezes, dá-me a impressão de que posso vender mais”, calcula, referindo que os preços são “atractivos” e que os produtos que vendem têm qualidade, apesar de usados. “Viajo sempre que posso para Congo e trago comigo entre 250 e 300 pneus de diferentes referências. Se assim não fizer, acabamos por perder clientes que são bastante exigentes.”

Vários automobolistas reconhecem que os riscos de se adquirirem pneus usados são óbvios, mas há quem se justitifique com falta de alternativas. Um automobilista, que preferiu não se identificar, conta que nem sempre compra pneus de segunda mão, mas, às vezes, vê-se obrigado a adquiri-los por serem baratos. “As lojas autorizadas vendem a preço muito alto, em contrapartida, nas recauchutagens, encontro a bom preço.”

Já outra automobilista Ana dos Santos desaconselha a compra de pneus usados, ainda que reconheça que alguns optam pelo caminho por falta de dinheiro. “Faz parte da segurança comprar pneus em locais certos. E devemos comprar pneus novos porque os antigos podem causar acidentes que poderíamos evitar se comprássemos em locais certos”, adeverte.

EXPECTATIVAS. Embora há três semanas, aquando da tomada de posse, João Lourenço tenha já ‘discorrido’ sobre a vida do país, o conteúdo do discurso sobre o Estado da Nação gera alguma ‘ansiedade’, com destaque para a economia.

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O discurso sobre o Estado da Nação a ser proferido a 16 de Outubro, pelo Presidente da República, na abertura do primeiro ano parlamentar da quarta Legislatura, deverá fechar o ‘ciclo de dissertações formais’, e ‘empurrar’ João Lourenço para a obra, concluíram analistas contactados pelo VALOR.

A elaboração e aprovação do Orçamento Geral do Estado (OGE/2017) constitui a principal ferramenta para que o sucessor de José Eduardo dos Santos entre na ‘via expressa’ da concretização das promessas eleitorais, saindo da ‘fase formal’ dos discursos. Por força da Constituição, o Presidente da República vai à Assembleia Nacional para, perante deputados, explicar o Estado da Nação. Além de apontar problemas, espera-se que aponte também caminhos a seguir para resolvê-los.

Embora, aquando da investidura no cargo de Presidente da República, há sensivelmente três semanas, João Lourenço tenha já discursado sobre a situação do país, há expectativas sobre o conteúdo do discurso do Estado da Nação. As ‘ansiedades’ são ainda maiores em relação às medidas do novo Governo que visam dinamizar a economia, nos próximos cinco anos.

O economista Lopes Paulo, por exemplo, chama a atenção para o quadro de falência técnica em que se encontram vários bancos comerciais angolanos. O ex-administrador da Agência para a Promoção do Investimentos e Exportação de Angola (APIEX) alerta ainda a administração de João Lourenço para o facto de os níveis das reservas internacionais líquidas angolanas continuarem a reduzir, estimando-se actualmente em 14 mil milhões de dólares contra os 32 milhões de dólares, em 2014.

Lopes Paulo, em entrevista ao ‘Novo Jornal’, avisou ainda sobre a importância de o sistema financeiro, a nível do Banco Nacional de Angola, ser mais proactivo para permitir o levantamento das restrições de divisas que o país enfrenta no mercado internacional. “A nossa maior crise não é económica nem financeira, é sim de consciência. Se sairmos dessa crise de consciência, percebendo o que priorizar, será muito mais fácil a questão nacional”, alertou o economista.

Já a representante em Luanda da Associação Agro-Pecuária, Comercial e de Indústria da Huíla (AAPCIL), Filomena Oliveira, espera que, antes de serem tomadas medidas, o Governo de João Lourenço crie espaços de debate e concertação com os empresários (de dimensão nacional e local) de modo a recolher propostas de formulação das políticas a serem implementadas sobre o sector.

A empresária entende ainda que o pagamento célere e desburocratizado da dívida do Estado (com juros de mora à taxa comercial) para com as micro, pequenas e médias empresas deve constituir uma prioridade do Presidente da República. A representante da AAPCIL em Luanda aponta ainda como urgente a revisão do código tributário e a legislação fiscal complementar. “Deve ser adequada à realidade económica de Angola, contemplando procedimentos e requisitos distintos aos das grandes empresas. Que sejam mais simples e menos penalizantes para as micro, pequenas e médias empresas”, defende, indicando ainda “a adequação da pauta aduaneira às necessidades reais do país”.

A empresária da Huíla espera que o novo inquilino da Cidade Alta promova processos “claros e efectivos” de responsabilização dos funcionários do Estado e dos cidadãos em geral nas questões do combate à corrupção e promoção da excelência, sem esquecer a dinamização dos tribunais na “resolução célere”de litígios no sector empresarial.

Tal como Filomena Oliveira, o presidente do grupo empresarial Bongani, Luís Cupenala, espera que o Presidente João Lourenço se debruce sobre a justiça empresarial e disciplina no mercado, bem como sobre a redução da burocracia e das barreiras administrativa “artificiais para a geração de custos de oportunidade”. “Deve combater a corrupção e a promiscuidade entre entidades com cargos executivos no Governo e empresários, porque criam obstrução das iniciativas de empreendedores e competição desleal, enfraquecendo a funcionalidade e eficiência das instituições do Estado”, sugeriu.

O presidente da Bongani realça ainda a importância das relações económicas com países estratégicos por formas a criar também condições para o investimento estrangeiro directo, fluxo de capitais, transferência do ‘know-how’ e tecnologias para a criação de capacidades internas do país e a sua competitividade no mercado internacional.