Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues

CRISE ELEITORAL. Um centro de estudo, dois economistas independentes e um empresário receiam que o MPLA ‘deite abaixo’ várias das ambições agendadas para os próximos cinco anos, se se mantiverem as divergências entre a CNE e a oposição. Ao VALOR, analistas anteveem recuos na diversificação económica, no fomento do emprego e em mais dois objectivos, que ‘entalam’ sem a confiança dos investidores no mercado interno.

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Quatro dos grandes objectivos nacionais do MPLA correm o risco de ser adiados, se se mantiver a crise política, derivada da contestação da oposição contra a vitória de João Lourenço, face às alegadas irregularidades nos procedimentos da contagem dos votos. A conclusão é de diversos analistas económicos, incluído o centro de estudos e investigação cientifica da Universidade Católica de Angola (CEIC), que justificam a hipótese com o clima de incerteza que o impasse político poderá causar aos credores e investidores externos.

Se prevalecer o diferendo, podem saltar da lista de prioridades da agenda de governação de João Lourenço, no período entre 2017 e 2022, o ‘desenvolvimento sustentável com inclusão económica e social e redução das desigualdades’, a ‘edificação de uma economia diversificada’ e a criação de oportunidades de empregos’, já que são necessários financiamentos externos e investimento estrangeiro, elementos que podem estar pendurados devido às contestações às eleições de 23 de Agosto.

Com a ‘crise’ eleitoral, analistas temem ainda a perda de confiança dos credores internacionais, face à redução dos níveis de ‘rating’ – avaliação do risco de crédito junto dos mercados internacionais – da dívida soberana do país, que, segundo o investigador do CEIC Francisco Paulo, se pode situar em níveis ainda mais baixos ou de riscos, encarecendo, por esta via, as taxas de juros dos empréstimos no mercado externo.

“Com esse impasse, e se Angola for procurar investimento externo, terá dificuldades devido à má reputação resultante desse conflito eleitoral. O ‘risco do país’ pode aumentar. Existem empresas de ‘rating’ que medem o risco do país em honrar compromissos de financiamentos”, argumenta o também professor da Universidade Católica de Angola.

Desde que as agências de ‘rating’ iniciaram avaliações a Angola, em 2010, o país já levou oito ‘outlooks’ negativos das mãos das três principais agências, nomeadamente a Moody’s, a Ficth e a Standard & Poor’s (SP).

A primeira perspectiva negativa foi em Março de 2015, com nota Ba2 de grau não especulativo, sendo que a última foi em Setembro de 2016, com nota B – altamente especulativa – e um Outlook negativo (ver quadro). Aliás, desde o início das avaliações, Angola nunca chegou ao nível AAA, o topo, ou AA, avaliação de alta qualidade, de acordo com a tabela de classificação em uso nas três unidades de avaliação.

Há três semanas, antes da vitória de João Lourenço, foi a vez da SP, que cortou em um nível o ‘rating’ soberano de Angola de B para B-, classificação que coloca o país perto do nível de risco de crédito, a classificação CCC.

Ou seja, com esta classificação, os peritos da SP consideram haver um “significativo risco de inadimplência”, apesar de haver, também, “uma pequena margem de segurança” de cumprimento.

Coincidentemente, às vésperas das eleições de 2012, Angola também mereceu avaliação de uma das agências, no caso a Moddy`s, que deu uma classificação positiva, concretamente Ba3. Depois desta, o país voltou a ser avaliado apenas em Abril de 2014.

Emprego cai

Sem a confiança dos investidores, e com um nível degradante do risco soberano, fica para o segundo plano a entrada de novos investimentos directos estrangeiros, o que atrasa, por conseguinte, o plano do partido vencedor das últimas eleições de criação de oportunidades de empregos, como defendem o economista Yuri Quixina e o empresário Galvão Branco.

“Com esse impasse político, corre-se um risco muito grande no que toca à captação de investimento. O risco é incomensurável. O factor estabilidade política de um país é determinante para a confiança dos investidores”, comenta o também consultor financeiro Galvão Branco, no que é seguido por Quixina, que antevê vários desafios para a equipa de João Lourenço.

Os últimos dados da Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP) mostram que, desde a instituição do organismo, já foram captados 55 projectos de investimentos, avaliados em 22,6 mil milhões de dólares, de acordo com dados cedidos pelo gabinete de comunicação da entidade estatal, que não precisa a origem dos investimentos, data de aprovação e implementação.

Analistas consideram, no entanto, que, com o actual clima político e económico, a intenção de investimento privado estrangeiro deve reduzir. Aliás, os investigadores do CEIC acreditam mesmo que este é o “impacto mais imediato” das crises pós-eleitorais. “Quando há incerteza política num país, a consequência imediata é a redução das intenções de investimento. Os estrangeiros que tinham a possibilidade ou intenção de investir em Angola, com esse impasse, criam alguma reserva, porque não sabem o que vai acontecer depois disto”, acentua.

Aguardar reacção da oposição

Para Flávio Inocêncio, outro analista financeiro, é preciso esperar pela posição final dos partidos da oposição, a ver se, na sua opinião, “o resultado final das acções desses partidos vão levar a uma crise institucional profunda”.

O também professor da Universidade de Conventry já antevê que, se a oposição não tomar posse no Parlamento durante a legislatura, poderá enviar um “sinal muito negativo” para potenciais investidores e para o investimento directo estrangeiro”, pelo que sugere uma concertação entre o partido vencedor e demais forças políticas da oposição.

“Creio que uma das alternativas seria uma negociação alargada com todos os partidos com assento parlamentar para a saída do potencial imbróglio e isso pode incluir um executivo com os partidos da oposição”, aconselha.

Desafios políticos…

Para contornar o actual contexto e o impasse político entre CNE, o técnico da UCAN e o dono da GB-Consultores apelam ao entendimento entre os envolvidos no processo eleitoral, apontando para a aceitação dos resultados de forma “justa” e “pacífica”.

“Enquanto a oposição e a CNE não chegarem a acordos de que as eleições foram transparentes e justas, teremos um risco político no país. E os investidores não vão querer estar num ambiente de incerteza enquanto o processo não terminar. Todos os envolvidos no pleito devem estar convencidos com resultados. Se não há confiança, isso pode gerar receio por parte do investidor”, explica o investigador do CEIC.

Para Galvão Branco, o compromisso do país com os investidores “tem de ser preservado e está acima de qualquer ego político, até porque o crescimento do país passa, neste memento, pelo investimento externo e a nossa credibilidade externa”.

…E económico

No capitulo económico, o novo Governo deverá iniciar pela reforma das despesas públicas, como defende Yuri Quixina, que considera haver “excessos” na despesa. “O primeiro pressuposto são as finanças públicas. A matriz do programa económico de Angola é a parte orçamental. Ou seja, os excessos de despesas fazem com que não tenhamos poupanças, que barram o crescimento económico”, adverte.

O economista entende que o “Estado não tem poupança, porque tem défice”. “Isso porque as despesas correntes são maiores que as despesas de capital. Já é ‘habitue’, porque, desde 1975, as despesas correntes sempre foram superiores”, rematou.

OPERAÇÕES BANCÁRIAS. Solução bancária criada para ajudar operações só realizadas ao balcão anda ao mesmo ritmo que o tradicional atendimento presencial. BNA confirma que já vão em perto de 400% as reclamações com os ATM. Hoje, já não só falta papel, dinheiro ou sistema. Há uma nova avaria.

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Somam e seguem as queixas com avarias nos multicaixas, desde a mais simples falta de papel ou talão de confirmação de operação realizada à falta de um centavo de kwanza nas caixas de pagamentos automáticas, segundo o que se pôde constatar numa ronda do VALOR a várias caixas de pagamento automáticas e à entrada de vários bancos.

De acordo com os últimos dados do Banco Nacional de Angola (BNA), até Junho do ano passado, as operações com as caixas de pagamento automáticas constaram da lista de serviços bancários mais reclamados em todo o país. As falhas nos pagamentos e levantamentos de notas subiram, no período, até 395,08%.

Do mesmo relatório e rubrica, sobressaem ainda as queixas com a operacionalidade das transferências, uso de cartões de pagamentos. Mas o destaque vai para as falhas nas transferências, que engordaram, de Janeiro a Junho de 2016, em até 133,46%, já que o banco central diz ter havido redução nos “erros” no uso dos cartões (ver tabela).

Da ronda efectuada, o jornal constatou que é aos fins-de-semana em que os clientes mais se queixam das falhas nos multicaixas, sobretudo quando esse período (sábado e domingo) coincide com o fim do mês, altura que, normalmente, as empresas iniciam os pagamentos de salários e os trabalhadores acorrem aos ATM, como confirmou em tempo, ao VALOR, o administrador da Empresa Interbancária de Serviço (Emis), Edgar Bruno Costa. Hoje, já não só falta papel ou o talão de confirmação de operação e dinheiro nos também designados ATM – do inglês Automatic Teller Machine. Às falhas anteriores, somam-se os descontos ou “roubos” em conta, como lhe chamaram um cliente e um funcionário bancário, que não foram poupados por esta mais nova avaria.

De acordo com várias declarações recolhidas pelo VALOR, os descontos em conta acontecem com frequência ao fim-de-semana, altura em que a comunicação entre os sistemas dos bancos e da Emis “mais falham, ou nem funciona”. O caso do cliente Simão Sunguanga, ex-militar das Forças Armadas Angolanas (FAA), pelo Instituto Superior Técnico Militar (ISTM), do Banco de Poupança e Crédito (BPC), é exemplo acabado para este cenário. Segundo ele, que, na altura da reportagem do VALOR, acabava de preencher um formulário de reclamação designado ‘Pedido de Esclarecimento’, uma espécie de livro de reclamações, em que se apresentam as anomalias observadas durante a operação, o banco “roubou” 25 mil kwanzas da sua conta.

Ou seja, a avaria observada tinha que ver com uma operação de levantamento de 50 mil kwanzas, o máximo de notas a extrair dos ATM no dia, que foi registada como operação “bem-sucedida”, quando, na prática, só tinham sido libertados os primeiros 25 mil kwanzas.

“Fiquei à espera dos outros 25 mil kwanzas (…) e nada. Até hoje, nem um sinal de reposição do valor em conta aconteceu, até que me mandaram preencher uma ficha de reclamação”, queixou-se Sunguanga, assegurando que não era o primeiro caso que sabia desta natureza. Nem todas as falhas ficaram, no entanto, sem solução. Do conjunto de reclamações, algumas foram bem-sucedidas.Ou seja, após a falha de comunicação, horas mais tarde, ou 24 depois, o dinheiro descontado nas contas de clientes foi respoto, como afirmaram outros clientes ao VALOR.

Fins-de-semana de risco

Num outro banco, o Caixa Angola, dois colaboradores admitiram ser arriscado fazer qualquer operação bancária usando o cartão multicaixa, seja nos ATM, seja nos terminais de pagamentos, devido, explicam, “à falha constante na comunicação”, dando exemplos de casos que envolviam utilização de cartões multicaixa em pagamentos de contas em restaurantes, bares ou discotecas, no fim-de-semana. “É muito arriscado usar cartão multicaixa em restaurantes ou discotecas ao fim-de-semana.

A pessoa paga um serviço ou um bem, logo a seguir dirige-se a um ATM para ver o saldo, a conta mantém-se intacta, como se não tivesse sofrido descontos. 24 horas depois, o cenário é arrasador: perde-se mais do dobro do que se gastou em operações anteriores. É chato isso”, desabafou uma profissional da banca afecta ao Caixa Angola.

O VALOR contactou, por ‘e-mail’ e vários telefonemas, a administração da Emis, no sentido de aferir a situação assim como as causas do fenómeno, mas não obteve respostas.Outro contacto à Emis, desta vez pelo serviço de apoio ao cliente, remeteu-nos às direcções de operações dos bancos. Uma atitude já tomada recentemente pelo administrador Edgar Bruno, que culpou os bancos, quando este jornal investigava as causas de sucessivas faltas de notas nos multicaixas.

“A Emis não tem nada que ver com [as falhas] nas transferências, porque a Emis pega a transferência de um lado e passa para outro. O que acontece é que, para haver transferência, a primeira coisa é que os dois bancos têm de ter os sistemas online”, defendera o administrador, quando justificava a falta de dinheiro nos ATM, em finais do ano passado.

Bancos negam responsabilidades

Da área de operações de uma das agências do BFA, saiu a garantia de que “é da competência da Emis as anomalias nos multicaixas”, facto corroborado por vários colaboradores dos bancos Millennium Atlântico, Caixa Angola, BIC e BPC ouvidos pela reportagem do VALOR.

“Se o banco não tem dinheiro, ou a caixa não tem cédulas suficientes, a máquina não pode aceitar pedidos dessa natureza”, atestou um técnico do BFA, em Cacuaco, exactamente no momento seguinte à reposição de notas no ATM.

CRÉDITO. Novo segmento de actuação é dedicado ao “comércio e empresários”, com propósito de ajudar pequenos investidores na formalização de negócios, e marca os primeiros 12 meses desde que a entidade abriu portas.

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O Banco Postal prevê lançar, nos próximos dias, a segunda linha de negócio da sua estratégia operacional, que privilegia o “comércio e empresários” e a formalização dos pequenos negócios, anunciou a administração da entidade, em nota enviada ao VALOR.

Denominada ‘Comércio e empresários’, a unidade de negócio é a segunda de um grupo de três, e propõe-se apoiar pequenos empresários das economias formal e informal e que “ são marginalmente servidas por bancos e instituições de microfinanças”, de acordo com uma nota de apresentação do banco, que festejou o seu primeiro aniversário na semana passada.

Neste segmento, que segue ao Xikila Money – unidade de negócio do banco que permite pagar contas e fazer múltiplas operações a partir do telemóvel – o banco tem reservado “pequena rede de Centro de negócios dedicados e complementadas por uma força de vendas inovadora, proporcionando um serviço diferenciado e centrado no cliente”.

Os clientes deste nível serão ainda beneficiários de serviços “com enfoque em soluções de crédito de baixo risco”, assegura a gestão, que é presidida por NgunuTiny, dono do grupo empresarial angolano, a EGM Capital, que controla o banco em 65% do seu capital societário.

Depois do ‘Comércio e Empresários’, só faltará o segmento ‘Corporate e Personal’, que conclui o plano estratégico da entidade, que inova o mercado bancário com operações que dispensam notas e moedas metálicas e cartões electrónicos.

No Corporate, que deve ser lançado entre o final deste ano e o primeiro trimestre de 2018, o enfoque vai para as médias e grandes empresas, um segmento em que o banco “pretende ter um foco tácito, por via da introdução selectiva de produtos e serviços inovadores”, além de cobrir soluções de financiamento a clientes de rendimento elevado.

Do balanço dos primeiros 12 meses de actividade, o banco destaca o alargamento do património, do qual se soma uma rede de quatro agências e 110 quiosques, distribuídos por Luanda e Huambo, além de uma carteira de clientes superior a 60 mil, através do serviço Xikila Money, a primeira Unidade de Negócio, lançada em Março deste ano.

O Banco Postal aposta agora no lançamento das restantes Unidades de Negócios, nomeadamente Comércio e Empresários, e Corporate e Personal, para servir todo o mercado transversalmente, tanto formal como o informal, reforçando o seu compromisso em assegurar uma resposta de excelência para todos, junto da banca, perspectiva a administração.

“Estamos muito satisfeitos com os resultados até agora alcançados. A estratégia do banco passa agora pelo lançamento das restantes Unidades de Negócios, disponibilizando assim uma oferta multi-segmentos e complementar, satisfazendo as necessidades dos diferentes actores do segmento empresarial tanto formal como informal, de menor ou maior dimensão do mercado angolano”, regozija-se a gestão do mais novo banco do circuito financeiro nacional.

Contas de balanço indisponíveis

O banco assume ter iniciado actividade há mais de um ano, mas não apresenta o balanço dos primeiros 12 meses. Nem mesmo os balancetes trimestrais estão disponíveis na página de internet da instituição. Mas admite terem já decorrido várias operações financeiras, desde pagamentos de serviços a contas de diferentes naturezas.

“Neste momento, se for cliente Xikila, através do seu telefone pode fazer carregamentos do telefone ou de outras contas. Há muitos sítios onde pode ir fazer contas e pagar com o Xikila Money”, garante a administração, através da empresa que cuida da imagem do banco, para quem é estratégia do banco integrar o produto entre os principais meios de pagamentos.

Estado no negócio

Além do grupo EGM Capital, o banco é participado pelo Estado em cerca de 30%, através da Empresa Nacional de Seguros de Angola, a ENSA, e um outro grupo privado nacional denominado C8 Capital, que responde por 5% das participações da entidade.

Os donos do banco definem a nova instituição como “um banco ético na primeira linha do combate à exclusão social, pobreza e criação de emprego”, estratégia que é justificada pelos diversos segmentos de negócios projectados pelo banco.

DESAFIOS DO NOVO GOVERNO. Candidato do MPLA vencedor das eleições da semana passada prometeu “melhorar o que está bem” e “corrigir o que está mal”, numa altura em que três dos principais indicadores económicos estão piores do que antes do cacimbo de 2014. Alta taxa de inflação, riqueza magra e um kwanza mais fraco são o ‘baptismo de fogo’ ao novo PR.

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A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) acaba de apresentar os resultados preliminares das quartas eleições gerais de Angola, dando como vencedor o candidato do MPLA, João Lourenço, absorvendo 61,10% dos votos escrutinados até sexta-feira.

Confirmada a vitória, após a apresentação dos resultados definitivos, o vice-presidente do MPLA deve preparar a logística para se mudar ao Palácio Presidencial, onde começa a ensaiar os quatro principais eixos da sua agenda de governo, que privilegia a melhoria do ambiente de negócio, desenvolvimento do sector privado, aumento do investimento directo estrangeiro e a consolidação do sector financeiro.

As metas de Lourenço encontram uma Angola completamente diferente a anterior ao cacimbo de 2014, quando o preço do barril oscilava entre 98 e 100 dólares e a riqueza nacional a crescer a 8,8%, além de uma taxa de inflação de 7,48%.

Em oposição ao ambiente económico antes da também chamada crise cambial, devido aos recuos expressivos dos recursos em moeda estrangeira, o declarado Presidente da República deverá lutar contar uma inflação que fechou Julho nos 29,01%, um dólar duas vezes mais caro e um flutuante preço do barril de petróleo, fixado nos 52,48 dólares (até à tarde de 25 de Agosto), apesar de constar da sua agenda o “reforço da diversificação da produção nacional, em bases competitivas”.

Aliás, até mesmo o pleito que deve levar João Lourenço e seus auxiliares à condução do Estado nos próximos cinco anos ressentiu-se dos apertos financeiros, marcado por uma forte desvalorização da moeda nacional, o que obrigou a um reforço considerável no valor para custear as campanhas políticas.

Assim, foi libertado dos cofres do Estado um envelope financeiro de cerca de mil milhões de kwanzas, precisamente 1.040.000.000, repartidos para seis formações políticas concorrentes.

Ou seja, foram necessários mais 953,6 milhões de kwanzas sobre o montante disponibilizado nas eleições de 2012 (86.400.000 Kz), divididos entre nove partidos) para fazer acontecer as eleições deste ano. No entanto, face à variação cambial, o orçamento eleitoral de 2017 recua em mais de dois milhões de dólares.

Outra batalha de João Lourenço será devolver o Produto Interno Bruto (PIB) na casa dos 100 mil milhões de dólares. Até às últimas eleições gerais, a riqueza nacional bruta valia 115,3 mil milhões, mas este dinheiro corroeu-se em mais de 22%, tendo fechado o ano de 2016 nos 89.633 milhões de dólares, de acordo com dados do Banco Mundial.

Equilíbrio cambial…

Outra adversidade a encontrar pelo novo presidente angolano será a constante desvalorização da moeda nacional. Desde Junho de 2014, o kwanza já desvalorizou mais de 20%. Estas eleições calham também numa altura em que comprar moeda estrangeira ficou mais caro, face às eleições anteriores de 2008, 2012 e 1992.

Comprar dólar custa, hoje, quase duas vezes mais do que nas últimas eleições, em 2012, com o Banco Nacional de Angola a despachar a moeda norte-americana a 166,7 kwanzas. Nem mesmo em 1992, tempo de guerra civil, era tão caro adquirir moeda estrangeira.

Apesar de não estar disponível na plataforma de pesquisa de taxas câmbios diários do banco central quanto custava o dólar em 1992, banqueiros ouvidos pelo VALOR afirmam que a taxa de compra rondava entre 60 e 80 kwanzas. …

Com substituição do Petróleo 

Tomando posse, João Lourenço prevê acabar com a dependência excessiva do petróleo, ou deixar de colocá-lo como principal fonte de receitas do país, através de um programa de aumento da produção interna de bens e serviços, sobretudo dos produtos da cesta básica e de outros produtos essenciais para o consumo interno e para a exportação.

O político quer também controlar, a curto prazo, a produção dos bens exportáveis de modo a gerar divisas, medidas que serão conseguidas, segundo define o programa de governo 2017-2022, pela intensificação da produção agrícola, pecuária e florestal, além da potenciação e utilização integrada dos recursos do mar e pescas e do desenvolvimento e modernização da indústria extractiva.

Prioridades vistas por analistas

Analistas antevêem, no entanto, outras prioridades, e sugerem que o Governo que sair das eleições realizadas a 23 de Agosto comece por alterar, de alto a baixo, a lei do investimento privado (LIP), a legislação sobre migração e estrangeiro e um “melhor acompanhamento das despesas publicas”. O economista Lopes Paulo e o consultor financeiro Galvão Branco defendem, como prioridades, uma requalificação da despesa, no sentido de se seleccionar, como forma de acabar, também, as assimestrias e fazer “melhor distribuição da riqueza”.

“As questões de natureza orçamental constam, seguramente, da prioridade, no que tem que ver com a despesa pública, no seu todo. Tem de se requalificar, para ver o que é prioritário na sua alocação, neste contexto de escassez”, antevê Lopes Paulo, no que é corroborado pelo dono da GB-consutores.

O também consultor, que já esteve ligado ao Governo, por via Agência para a Promoção de Investimento e Exportação de Angola (APIEX), coloca a necessidade de financiamento na agenda prioritária do novo Governo. Segundo defende, “não se pode governar sem dinheiro”, pelo que aponta a nova emissão dos eurobonds, como um a caminho para incluir na estratégia de administração de João Lourenço. “Está em curso a emissão dos eurobonds e acredito que será uma das prioridades a considerar”, acentua o economista, que sugere ainda a alteração de vários pontos da LIP.

Da LIP, deve ser revisto “tudo”, defende igualmente o pesquisador e estudioso dos assuntos económicos e financeiros, Ivan Negro. Para ele, o futuro Governo deve ainda olhar para a diversificação da economia, a excessiva dependência do petróleo, além da segmentação e privatização das empresas públicas, nomeadamente a Sonangol, TAAG e a Tcul.

Na banca, Ivan Negro considera que o Governo Lourenço deve intervir“nos bancos mais frágeis”. Citando dados do FMI, salienta que as autoridades nacionais“têm de realizar avaliações rigorosas da qualidade dos activos dos bancos”, além de recapitalizar ou encerrar as instituições financeiras mais fracas.

Já Flávio Inocêncio, outro analista e professor da Universidade de Coventry, Inglaterra, considera que o desafio do próximo governo “são enormes”, e começa a elencar os históricos com o preço do petróleo, que, na sua opinião, já não deve chegar aos níveis de 100 dólares. “Por isso é que Angola precisa de um programa acelerado de liberalização económica e uma melhoria significativa do ambiente de negócios que continua a ser um dos piores do mundo e isso requer um Executivo muito mais reduzido e capaz”, advertiu, o também professor das cadeiras de direito comercial internacional e de Direito de Petróleo e Gás.

ESTUDO SOBRE EMPODERAMENTO DA MULHER

O PROGRAMA VENCEDOR 

Comparativamente ao programa proposto para o período 2012/2017, o referente ao quinquénio 2017/2022 manifesta-se mais prático. Para o sector produtivo, por exemplo, a área da agro-pecuária destacam-se com o maior número de metas.

Estabilidade macroeconómica e finanças públicas

Metas macroeconómicas

Taxa de inflação média anual inferior a dois dígitos

Atingir uma taxa média anual de crescimento do PIB não inferior a 3.1%

Atingir um crescimento Médio Anual do PIB não petrolífero superior a 5%

Produção petrolífera a representar menos de 20% do PIB

Garantir cobertura de no mínimo 8 meses de importação pela Reservas Internacionais Líquidas (RIL)

Duplicar a receita tributária não petrolífera.

Comércio e Distribuição

Criar reserva estratégica alimentar (com produtos da cesta básica)

Operacionalizar pelo menos 50% dos Clod`s previstos na Rede Logística Nacional em Parceria com o sector privado

Agro-pecuária e floresta

Passar de uma produção anual de 2 milhões de toneladas de cereais (milho, massango, massambala, arroz e trigo) para 5 milhões de toneladas

Aumentar a produção das leguminosas (feijão, amendoim e soja), passando dos actuais 800 mil para 1 milhão de toneladas, criando excedentes para a reserva alimentar nacional.

Aumentar e melhorar os níveis de produção e produtividade de raízes e tubérculos (mandioca, batata rena e batata doce), passando de uma produção de 11 milhões de toneladas para 15 milhões de toneladas.

Desenvolver a pecuária e construir matadouros de abate de animais em pontos estratégicos do País de modo a criar e cobrir em cerca de 30% as necessidades domésticas de frango e ainda a cobrir em pelo menos 60% as necessidades domésticas de carne bovina, caprina, ovina e suína.

Cobrir em 80% as necessidades domésticas em ovos

Reduzir em cerca de 15% a importação de leite e expandir o seu consumo com recurso a produção interna

Pesca e recursos do Mar

Aumentar o volume de capturas de pescado de 528 mil para 614 mil toneladas/ano

Aumentar a produção de sal iodizado de 97 para 160 mil toneladas/ano

Aumentar a produção de peixe seco de 50 para 70 mil toneladas/ano

Aumentar a produção de farinha de peixe de 20 para 30 mil toneladas/ano

Indústria extractiva

Concluir o Planageo

Aumentar a produção de diamante de diamantes de 9 para 13,8 milhões de quilates/ano

Aumentar a produção de rochas ornamentais de 59.8 para 104.6 mil m3/ano

Iniciar a produção de ferro gusa, produzindo cerca de 420 mil toneladas/ano

Iniciar a produção de minério de ferro, produzindo cerca de 1.7 milhões de toneladas/ano

Iniciar a produção de ouro, produzindo cerca de 25.6 mil onças/ano

Iniciar a produção de fosfato, produzindo cerca de 1.3 milhões de toneladas/ano

Petróleo e Gás

Produzir, pelo menos, uma refinaria

Reduzir a importação de bens e serviços do sector petrolífero em pelo menos 20%

Reduzir a contratação de mão-de-obra especializada estrangeira em pelo menos 15%

Reduzir a mão-de-obra estrangeira para serviços gerais em pelo menos 40%

Garantir a inserção no sector petrolífero de pelo menos 30% de novas empresas nacionais

Indústria Transformadora

Concluir os projectos em curso de produção de fertilizantes

Concluir os projectos em curso de produção de equipamentos e ferramentas agrícolas

Aumentar a cobertura das necessidades do mercado doméstico dos seguintes produtos

Sabão de 31% para 65% Açucar de 19% para 64%

Farinha de milho de 13% para 44%

Farinha de trigo de 0% para 64%

Leite Pasteurizado de 10% para 43%

Massa alimentar de 0% para 73%

Sumos, refrigerantes e cerveja em 100%

Transformados de carne de 4% para 13%

Cimento em 100%

Varão de aço de 60 para 92%

Tubo de aço de 54% para 61%

CRÉDITO. Empresas não estão a conseguir amortizar empréstimos à banca devido a altos níveis de atrasados do Estado, forçando subida do malparado em todo o sistema bancário. Variação cambial é outro argumento, por “encarecer” a prestação dos compromissos das famílias junto da banca.

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As dívidas do Estado junto das empresas construtoras e fornecedoras de bens e serviços e a “variação significativa da taxa de câmbio” fizeram disparar, no primeiro semestre de 2016, o crédito malparado em 32,18% para 527.711 milhões de kwanzas face a igual período anterior, de acordo com o relatório de Estabilidade Financeira do Banco Nacional de Angola (BNA), referente ao período. O crescimento de 32,18% no malparado corresponde a 128.485 milhões de kwanzas, ao sair de 399.226 milhões de kwanzas, em Junho de 2015, para 527.711 milhões, em Junho de 2016.

Segundo o banco central, os atrasados contribuiram para o incumprimento dos contratos de empréstimos bancários das empresas privadas junto das instituições financeiras bancárias, influenciando no crescimento do malparado.

São considerados atrasados as facturas referentes a contratos de empreitadas de obras públicas celebrados nos termos da legislação em vigor, em posse das Unidades Orçamentais e não pagas até 90 dias após a data de vencimento especificada no contrato, de acordo com a Lei-quadro do Orçamento Geral do Estado.

Aos gestores públicos, o Estado proíbe a realização de despesas, o início de obras, a celebração de contratos administrativos ou a requisição de bens sem prévia cobertura, observando o limite para a cabimentação estabelecido na programação financeira ou em montante que exceda o limite dos créditos orçamentais autorizados.

Os atrasados integraram inclusive, no fim do primeiro semestre de 2016, várias das recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Angola. Segundo os peritos do organismo, o Ministério das Finanças devia iniciar um ‘pentefino’ às contas do Estado para aferir o número exacto de atrasados junto das empresas privadas.

“Há alguns atrasados em que o Ministério das Finanças tem que fazer um trabalho bastante ‘fino’ e saber se devem ser pagos [ou não] pelo Governo. É necessário que revejam a legalidade desses processos para de não esteja o Tesouro, no momento de dificuldades, a pagar coisas que não devia”, advertira o chefe da missão do FMI para Angola, Ricardo Velloso. Por outro lado, o banco central sublinha que, como consequência, o crédito vencido em moeda estrangeira aumentou significativamente de 593.895 milhões de kwanzas para 804.466 milhões, uma evolução de 35,46% (210.570 milhões).

“Com efeito, o rácio de crédito vencido sobre o crédito total aumentou de 18,29% em Junho de 2015 para 20,24% em Junho de 2016. De igual modo, o rácio do crédito vencido malparado sobre o crédito total aumentou de 12,30% para 13,28%”, explica o regulador, no relatório que balanceia a actividade do sistema financeiro nacional no primeiro semestre de 2016.

Caminho a seguir

Com vista a fugir ao risco de crédito derivado dos atrasados e da variação da taxa de câmbio, o regulador assinala que o sistema bancário constituiu provisões para crédito vencido no valor de 361.907 milhões de kwanzas, um aumento de 163.890 milhões (82,77%) comparativamente ao período homólogo, “devido sobretudo à exigência de reforço de provisões às instituições bancárias”, dentro de um programa de ‘Avaliação da Qualidade do Activo’, efectuado pelo BNA à banca angolana, quase no mesmo modelo que o FMI já tinha sugerido no semestre em análise.

Na visão dos peritos do FMI, o reforço da supervisão bancária deve engrossar a lista de reformas ao sistema financeiro. De acordo com uma recomendação do organismo, a supervisão do BNA deve incidir sobre as políticas de concessão de empréstimos que os bancos usam, de maneira a evitar o crescimento dos níveis de crédito malparado, que, segundo o FMI, “aumentou consideravelmente” nos últimos anos.

“Quando se olha para a relação de crédito como produto, é uma relação ainda pequena. Há muito espaço para crescer. Obviamente, há que se fazer um esforço de melhorar a supervisão bancária, para que os bancos não estejam a emprestar créditos que, daqui a algum tempo, vão ficar malparados”, adverte o chefe da missão do FMI.

Proveitos registados

Apesar da conjuntura macroeconómica actual, o sistema bancário continua a registar lucros, tendo aumentado 36.252 kwanzas (41,84%) ao passar de 86.635 milhões de kwanzas em Junho de 2015 para 122.887 milhões de kwanzas em Junho deste ano, traduzindo-se num aumento do retorno dos capitais (ROE) de 8,76% para 9,79% e dos activos (ROA) de 1,14% para 1,24%, devido sobretudo ao aumento significativo dos proveitos de títulos e valores mobiliários em 56.934 milhões de kwanzas (75,65%) e de créditos em 43.366 milhões de kwanzas (30,69%).