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Yu Yongding

Yu Yongding

No mês passado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu o primeiro tiro, dando indicações que se estava a preparar rapidamente para criar uma guerra comercial. Embora o atrito comercial tenha nascido há muito tempo e seja um problema na relação sino-americana, poucos esperavam tal escalada, até porque os economistas consideram as guerras comerciais prejudiciais para todas as partes. Então, como chegamos a esse ponto?. E podemos voltar atrás antes que seja tarde de mais?

Em primeiro lugar, Trump parece não entender como o comércio funciona. Ele acha que o défice comercial de 500 mil milhões de dólares dos EUA com a China representa uma perda, resultado de administrações norte-americanas “incompetentes”, permitindo que os seus pares chineses se aproveitassem delas. De facto, segundo Trump, os EUA já “perderam uma guerra comercial” com a China há anos.

Mas os balanços comerciais são muito mais complexos do que Trump imagina. Para começar, grande parte do que a China exporta inclui componentes fabricados noutros países, o que significa que o ‘superávit’ comercial do país realmente inclui os ‘superávits’ comerciais de muitos outros países.

Além disso, a China tem grandes défices em relação ao Japão e às economias do Sudeste Asiático, apesar de ter um grande ‘superávit’ em relação aos EUA. O ‘superávit’ comercial geral da China, como parcela do PIB, caiu de forma constante ao longo da última década - de quase 10% em 2007 para pouco mais de 1% em 2017 - o que significa que a conta externa do país é basicamente equilibrada.

Há o défice na conta corrente com os EUA o que não é necessariamente mau, pois implica a aquisição de grandes quantidades de capital estrangeiro. Isso beneficiou os EUA ao longo dos anos, fortalecendo o seu sistema financeiro e a moeda. Enquanto o défice externo dos EUA poderia ser reduzido, uma vez que reflecte, em parte, a falta de poupança, a política comercial, por si só, seria insuficiente para atingir esse objectivo.

Não se quer dizer que os EUA não têm qualquer legitimidade nas reclamações sobre as práticas comerciais da China. Mas devem ser vistas como questões de conformidade da China com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Como já reconheceu o ex-director-geral da OMC, Pascal Lamy, enquanto a China fez “muito bem” a implementação da longa lista de compromissos, “nenhum país está acima das críticas”. Lamy concluiu que certos serviços podem não ser suficientemente abertos e que a protecção dos direitos de propriedade intelectual (DPI) deve ser fortalecida.

São críticas justas. De facto, o próprio governo da China esperava abrir mais rapidamente os serviços financeiros, mas a fragilidade financeira exigiu uma abordagem gradualista. Embora o país tenha feito progressos na protecção dos direitos de propriedade intelectual, a questão deveria ser levada mais a sério desde o início.

Quanto aos EUA, o seu Representante de Comércio (USTR) fiscalizou, de perto, o cumprimento da China na OMC desde que o país aderiu à organização em 2001. O relatório de 2016 do USTR reconheceu a complexidade do quadro apresentado pela China, mas assumiu uma posição geral, em tom positivo, destacando a expansão do comércio e os investimentos mutuamente benéficos.

No entanto, o relatório do USTR para 2017 - o primeiro ano de Trump no cargo - não menciona resultados positivos. Em vez disso, afirma que os EUA “erraram ao apoiar a entrada da China na OMC em termos que se mostraram ineficazes para garantir a adopção chinesa de um regime comercial aberto e voltado para o mercado”. O USTR concentrou-se em reclamações sobre a política industrial chinesa, o que está largamente além das competências da OMC.

Em particular, a administração Trump discorda da estratégia ‘Made in China’, apontada até 2025 e introduzida pelo Conselho de Estado em 2015, cujo objectivo é impulsionar dez sectores estratégicos, incluindo a tecnologia avançada de informação, máquinas-ferramentas automatizadas e robótica, equipamentos de aviação e voos espaciais e veículos eléctricos. O relatório do USTR alerta que a meta final é “capturar quotas mundiais de mercado muito maiores” nos sectores-alvo.

Na realidade, a estratégia Made in China 2025 - que, aliás, é inspirada, em parte, pelo enorme investimento do governo dos EUA em pesquisa e desenvolvimento - busca elevar a capacidade de produção da China apenas ao nível médio das principais potências mundiais até 2035 (não 2025), um objectivo bastante modesto. Mas mesmo que a China quisesse estabelecer metas mais ambiciosas, com que direito os EUA - que agora possuem uma participação de mercado muito maior nos sectores-alvo - podem impedir de o fazer?

De acordo com o relatório do USTR, o problema é que as ferramentas políticas que o governo chinês está a usar, para atingir as metas de ‘Made in China 2025, “não têm precedentes, já que outros membros da OMC não as utilizam”, como, por exemplo, a intervenção estatal e o apoio destinado a promover o desenvolvimento da indústria, em grande parte, restringindo, discriminando ou criando desvantagens para empresas estrangeiras e as suas tecnologias, produtos e serviços”.

No entanto, o relatório não consegue identificar essas intervenções, o que não surpreende, uma vez que o Conselho de Estado ainda não especificou os instrumentos de políticas que vai usa. E, embora as queixas dos EUA sejam compreensíveis, poderiam ser abordadas na OMC. O facto de a administração Trump ter adoptado esta abordagem sugere que não quer apenas garantir que a China cumpra as regras existentes, quer sim impedir que a China alcance os EUA tecnologicamente. Isso obviamente não é aceitável para a China.

Essa leitura é reforçada pela Estratégia de Segurança Nacional que o governo Trump divulgou em Dezembro, quando avisou que os EUA “responderiam às crescentes competições políticas, económicas e militares que enfrentamos em todo o mundo”. A China foi citada como a principal desafiadora. “Poder, influência e interesses norte-americanos”, um adversário que “tenta corroer a segurança e a prosperidade norte-americanas”. Essa perspectiva alimenta o risco da chamada ‘Armadilha de Tucídides’, na qual o medo de um rival em ascensão provoca um conflito.

Nós podemos ainda evitar uma guerra comercial. O presidente chinês, Xi Jinping, parece ansioso para aliviar tensões, exemplificado pela recente promessa de baixar “significativamente” as tarifas sobre carros importados da América e abrir ainda mais os serviços financeiros da China. Trump declarou que as negociações comerciais com a China estavam a ir “muito bem”.

Espera-se que os tambores de guerra sejam silenciados através de negociações e concessões mútuas. Os líderes norte-americano e chinês podem voltar as atenções para o problema mais amplo: a Armadilha Tucídides. Assim, evitam um confronto com consequências que superariam as de uma mera guerra comercial.

 

Antigo presidente da Sociedade Chinesa para a Economia Mundial Ddirector do Instituto de Economia Mundial da Academia Chinesa de Ciências Sociais e Políticas

A 11 de Agosto de 2015, o Banco Popular da China (PBOC) estabeleceu que a paridade central da taxa de câmbio do renminbi face ao dólar norte-americano seria definida com base na cotação de fecho do dia de negociação anterior, dentro de um intervalo de 2%. Foi um passo ousado em direcção a uma taxa de câmbio mais flexível e orientada para o mercado.

No entanto, o anúncio da reforma fez com que o mercado entrasse em pânico, provocando um declínio de 3% do renminbi em apenas quatro dias de negociação. Foi desde então, rapidamente abandonada.

Esta reversão de política monetária, embora compreensível, é lamentável. Para a restante parte do ano de 2015, o PBOC lutou para evitar que o renminbi enfraquecesse. Tendo gasto uma grande quantidade de reservas cambiais, decidiu, em Fevereiro de 2016, apresentar uma nova regra para definir a taxa central de paridade/conversão.

De acordo com a regra de substituição, a taxa central de paridade/conversão levaria em conta não apenas a cotação de fecho do dia de negociação anterior, mas também a “taxa de câmbio teórica” ??que manteria o índice do Sistema de Comércio Cambial da China, um cabaz de 24 moedas, inalterado nas 24 horas anteriores. Por outras palavras, sempre que houvesse uma alteração do índice do dólar americano, o PBOC teria que intervir no mercado de divisas para alinhar a taxa de câmbio renminbi-dólar determinada pelo mercado com a taxa de câmbio teórica de mantivesse o índice CFETS estável.

De acordo com o PBOC, com um índice do dólar incerto, a introdução de um cabaz de moedas no processo de definição de preços seria necessária para permitir flutuações nos dois sentidos da taxa de câmbio do renminbi-dólar. O mercado foi autorizado a verificar se o PBOC seguiu a regra de definição de taxa, mas não determinou a taxa de câmbio; essa tarefa foi executada pelo próprio PBOC.

Em qualquer dos casos, quando o índice do dólar aumenta, a nova regra parece funcionar bem. Dada a persistente pressão descendente sobre a taxa de câmbio, se o PBOC permitiu que o renminbi caísse contra o aumento do índice do dólar, o índice CFETS ficaria mais ou menos constante. Isto significaria que o PBOC poderia seguir a regra de definição de taxa sem recorrer a uma intervenção com demasiada frequência.

Mas, mantendo-se tudo o resto constante, se o índice do dólar caísse, o PBOC teria de definir uma taxa de paridade central mais alta para o renminbi. Tal implica que o PBOC poderia ser forçado a vender as suas reservas em dólares norte-americanos, já esgotadas substancialmente, para aumentar artificialmente a cotação de fecho do renminbi e manter a taxa local dentro do intervalo de 2%.

Em Julho de 2017, o PBOC decidiu fazer uma alteração adicional na regra de ajuste da taxa para corrigir as “grandes oscilações do mercado” e “ a irracional mentalidade de rebanho”. Ao introduzir um chamado “factor anti-cíclico” para a equação do ajuste da taxa, o PBOC tentou moderar o impacto desproporcional das expectativas de depreciação, em relação às melhorias dos fundamentos da economia chinesa, na taxa de câmbio.

A lógica é discutível. Mas, o problema real com a alteração é que ninguém fora do PBOC sabe como o factor anti-cíclico é quantificado, muito menos como é ponderado em relação à cotação de fecho do dia anterior ou à taxa de câmbio teórica. Como resultado, o mercado não tem apenas um papel substancialmente reduzido na definição da taxa de câmbio; nem sequer de verificar se o PBOC segue a sua regra de definição de taxa para a paridade central. Isto significa que as autoridades monetárias têm ainda mais discrição do que anteriormente.

As reformas de Agosto de 2015 foram correctamente destinadas a tornar o sistema de taxa de câmbio chinês mais transparente, orientado para o mercado e flexível. Com a nova regra, o PBOC efectivamente retrocedeu. E não precisava: com o benefício da retrospectiva, parece razoável supor que, se o PBOC simplesmente tivesse sido mais paciente, poderia ter ficado com a reforma de Agosto de 2015. Dentro de algumas semanas ou mesmo dias, a calma provavelmente teria retornado ao mercado, e o PBOC teria feito progressos importantes.

Nos últimos meses, a economia chinesa mostrou sinais credíveis de estabilização; as saídas de capital diminuíram, pelo menos, por enquanto; e o mercado financeiro manteve-se muito mais calmo do que em 2015. Neste contexto mais favorável, o PBOC, ao invés de desencadear novas regras de definição de taxas desnecessariamente complicadas, precisa de retornar à reforma.

Yu Yongding, ex- presidente da Sociedade Chinesa para a Economia Mundial e director do Instituto de economia e política internacionais da academia Chinesa de Ciencias Sociais, pertenceu ao Comité para Politica Monetária do Banco Central Chinês de 2004 a 2006 e é membro do comité nacional chinês para reforma económica e de desenvolvimento.