A maior ameaça do pós-Grande Guerra
CRISE GLOBAL. Enquanto África aguarda pelo apoio decisivo das instituições globais, a zona euro divide-se em torno dos ‘coronabonds’ e o Japão promete tudo fazer para salvar a economia. Solução para a maior crise à escala global no pós-guerra pode estar na solidariedade.
Do possível suicídio de Thomas Schafer, o ministro das Finanças do Estado alemão de Hesse, à ameaça do premier português, António Costa, sobre o fim da União Europeia, passando pelo bilionário e histórico plano de apoio à economia acertado entre a Casa Branca e o Senado norte-americano, a crise precipitada pela pandemia da Covid-19 ressuscitou divergências profundas entre os membros da união económica mais sólida do universo, deu azo ao movimento anti-globalista, ao mesmo tempo que abriu uma oportunidade para a reafirmação da solidariedade à escala mundial.
E é neste último ponto (a solidariedade) em que analistas como Martin Wolf, editor do Financial Times, ou até instituições transnacionais, como as Nações Unidas, encontram a solução para se evitar a catástrofe. Precisamente por isso o organismo liderado por António Guterres anunciou, na quarta-feira, 25, a criação de um fundo de dois mil milhões de dólares de apoio humanitário aos países mais vulneráveis. As contribuições dos credores para o ‘Plano de Resposta Humanitária Global à Covid-19’ da ONU ficarão abertas até Dezembro e os recursos deverão ser canalizados para os países vulneráveis de África, Médio Oriente, América do Sul e Ásia.
Num apoio expresso à iniciativa das Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial requereram aos credores alívio das dívidas dos países mais pobres, através da suspensão imediata das prestações pendentes. O objectivo, segundo as duas instituições transnacionais, passa por conferir tempo aos devedores no sentido de uma avaliação dos efeitos da pandemia sobre as respectivas economias.
Antes, a 4 de Março, a directora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, já havia anunciado um fundo de 50 mil milhões de dólares para apoiar as economias pobres e emergentes para o combate ao surto da Covid-19. Disponibilizados a custo zero para os membros mais pobres, por via do Dispositivo de Crédito Rápido, os recursos, segundo Georgieva, podem ser acedidos sem um programa pleno do FMI, tendo pedido aos países membros que assegurassem que o dispositivo estaria completamente recarregado e preparado para a crise.
Ásia atenta, Europa dividida e América alerta
Enquanto instituições multilaterais se desdobram em busca de soluções assentes na solidariedade global, na União Europeia, os nervos mantêm-se à flor da pele. As fricções causadas em torno do debate sobre a hipótese de emissão dos ‘coronabonds’ já levaram o primeiro-ministro português, António Costa, a classificar as exigências do ministro das Finanças dos Países Baixos como “repugnantes”, depois de Wopke Hoekstra ter proposto à Comissão Europeia a elaboração de um relatório, no segundo semestre, para aferir a razão de alguns países terem lidado com a crise e outros não, apontando o dedo aos membros do Sul em que se incluem Portugal, Espanha, Itália e Grécia.
No entanto, Angela Merkel, a chanceler alemã, cujo apoio é fundamental para o avanço do plano de mutualização da dívida dos países da zona euro, continua reticente, não tendo, até ao momento, avançado mais do que uma promessa de estudar a possibilidade. Mas, ainda que venha a dar luz verde aos ‘coronabonds’, depois de ter classificado a Covid-19 como “o maior desafio depois da 2.ª Guerra Mundial”, Merkel terá de enfrentar o poderoso parlamento alemão que, para muitos analistas, dificilmente deixaria passar o plano, num momento em que o país se encontra em choque pelo provável suicídio de Thomas Schafer, o ministro das Finanças de Hesse, por alegados receios dos efeitos negativos da pandemia sobre a economia do seu Estado.
No Japão, após a promessa de Haruhiko Kuroda, o governador do banco central do país, no sentido de tomar as “acções apropriadas” para proteger a economia, fortemente afectada em sectores como o turismo, por força da quebra dos turistas chineses, os investidores mantêm a esperança de uma intervenção que evite dados mais agravados.
Já os Estados Unidos, que se tornaram na última semana no país mais infectado com o novo coronavírus, têm os olhos postos no histórico ‘plano de salvação’, avaliado em dois biliões de dólares e proposto por Trump, tendo já merecido a aprovação do Senado, controlado pelos republicanos. Donald Trump não tem tido dificuldades em revelar, em diversas ocasiões, as suas hesitações quanto à obrigação de paralisação da economia, no ano em que deverá disputar a sua recondução à Casa Branca com o democrata Joe Biden, o mais bem colocado na disputa interna entre os pré-candidatos do partido de Barack Obama.
Para África, o mais frágil dos continentes, como tem recordado o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, a esperança para sobreviver àquela que alguns economistas vão antecipando como a recessão mais violenta da história moderna, ultrapassando os efeitos da Grande Depressão de 1929, parece estar, definitivamente, na receita de Martin Wolf: “para evitar o desastre, a solidariedade entre países tem de ser tão forte quanto dentro deles”.
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