O escândalo das ‘dívidas ocultas’ e a política de acusação de corrupção ao antecessor
MACROGESTÃO. Em 2016 o FMI deixava Moçambique de castigo, por causa de dívidas ocultadas no orçamento do país e que foram, em parte, para subornos para políticos e banqueiros. Caso complicou-se quando, em tribunal, a empresa que o governo moçambicano processava garantiu que também pagou ao actual presidente do país.
No final do mês passado, um tribunal inglês deu autorização à Privinvest, a companhia de construção naval baseada em Abu Dhabi, do empresário fraco-libanês Iskandar Safa, que está no centro do escândalo das ‘dívidas ocultas’ de Moçambique, para notificar o presidente moçambicano, no âmbito do processo que opõe o Estado moçambicano à empresa. Este novo desenvolvimento foi visto como uma derrota para a PGR moçambicana que tentava deixar Felipe Nyusi de fora do processo que iniciou na justiça em 2019.
Decorre paralelamente um processo que opõe financiadores, incluindo o banco russo VTB, ao Estado Moçambicano que até agora recusa reconhecer as dívidas que chegam a 2 mil milhões de dólares, alegando que as garantias assinadas pelo anterior executivo não são válidas, porque a Privinvest pagou subornos para conseguir os contratos.
O objectivo do governo moçambicano, ao intentar a acção na justiça, era tentar anular a dívida e pedir uma indemnização que cubra todas as perdas resultantes do escândalo. O que se seguiu é descrito como uma avalanche de acusações e contra-acusações num caso que remonta a créditos recebidos entre 2013 e 2014 de filiais britânicas dos bancos de investimentos CreditSuisse e VTB em nome das empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM em financiamentos destinados à aquisição de barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima fornecidos pelas empresas da Privinvest. O processo já arrolou o ex-ministro das finanças de Moçambique, Manuel Chang, e outros funcionários públicos moçambicanos, assim como ex-funcionários do CreditSuisse que terão recebido mais de 120 milhões de euros. Os barcos e estruturas pouco pescam e vão enferrujando, tendo pouco para mostrar segundo a Reuters.
No entanto, o objectivo político do actual presidente, ao denunciar o escândalo e abrir a acção judicial, seria, segundo a Privinvest, “danificar a reputação do antecessor através da denúncia do seu projecto de bandeira, como manobra para retirar Guebuza do partido (Frelimo) que Felipe Nyusi queria controlar”, escreve o The Africa Report. E que acrescenta que o tiro pode sair pela culatra ao presidente moçambicano porque a Privinvest assume pagamentos ao anterior ministro das finanças e a próximos do anterior presidente, mas afirma que, se esses pagamentos forem considerados subornos (para afirmar que Moçambique não é responsável pelas dividas), então também o próprio presidente Nyusi terá sido subornado porque também ele recebeu valores da parte da Privinvest. A empresa de Safa diz ter depositado um milhão de dólares numa conta de Nyusi, co-financiado a campanha presidencial e oferecido um carro em 2014 quando o actual presidente concorria para a presidência de Moçambique.
Em 2016, o FMI anunciava a suspensão do acordo de financiamento a Moçambique, depois do anúncio do ministro da economia e finanças, Adriano Maleiane, de que o governo de Armando Guebuza, antecessor do actual presidente Felipe Nyusi, não havia informado o parlamento nem incluído no OGE empréstimos no valor de dois mil milhões de dólares.
A disputa judicial que envolve a representação de firmas de advogados britânicos e já se arrasta desde 2019 poderá custar milhões de dólares a Moçambique que já enfrenta uma crise financeira grave e que está também a braços com a insurgência na zona de Cabo Delgado que minou o maior projecto de investimento do continente com a saída da Total da extracção de gás, sem data para retorno.
O Centro de Integridade Publica (CIP) e o CMI publicaram um estudo no final do mês passado que aponta que em juros, multas e prestações Moçambique terá de pagar 4 mil milhões de dólares por causa das ‘dividas ocultas’. O mesmo estudo diz que os créditos contraídos não beneficiaram Moçambique que ficou apenas com algum equipamento e barcos sobre-facturados e tiveram um impacto negativo de 11 mil milhões dólares devido ao escândalo que afastou financiadores e investidores. O país entrou em default e em 2018 Moçambique passou a ser declarado “Estado sob regime autoritário” pelo Economist Intelligence Unit.
CAIXA
Privinvest e João Lourenço enquanto ministro da Defesa
Além de terem em comum o facto de terem, ambos, subido do Ministério da Defesa para a Presidência das respectivas repúblicas, o presidente moçambicano e o Presidente João Lourenço partilham ligações à Privinvest. “O Ministério da Defesa de Angola chegou a fazer um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest, um contrato com aparentes notáveis semelhanças com a ProIndicus e MAM, as empresas que estão no centro do escândalo da dívida oculta de Moçambique”, escrevia o Observador em 2019, acrescentando que “a Simportex – uma empresa do Ministério da Defesa de Angola, e que entrou numa parceria com a Privinvest – assinou dois contratos significativos, no total de 122 milhões de euros, em 2015, com a Finmeccanica, agora chamada Leonardo S.p.A, para aquisições que a Privinvest poderia ter feito ela própria”, segundo documentos citados pela consultora EXX Africa.
O antigo vice-Presidente, Manuel Vicente, terá tido um “papel proeminente” nos acordos entre Angola e a Privinvest, já que terá apresentado o empresário Gabriele Volpi às autoridades moçambicanas, primeiro, e depois entre Jean Boustani e João Lourenço e a Privinvest. “Estas ligações e os negócios feitos arriscam-se a minar o ímpeto muito popular e mediático contra a corrupção, podem também embaraçar os principais líderes políticos angolanos, e colocam riscos reputacionais para os investidores em Angola” escrevia o Observador.
A EXX Africa diz que João Lourenço, enquanto ministro da Defesa, visitou o projeto de Moçambique “enquanto a Privinvest, liderada por Boustani, tentava vender-lhe um pacote semelhante” ao que tinha apresentado a Moçambique” e que em até 2015 foram firmados acordos com valores acima dos 115 milhões de euros para fornecimento de veículos de patrulha e equipamentos diversos.
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