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A ‘Brexplosão’ da anti-globalização

11 Jul. 2016 Kwan Yoon Young Opinião

O populismo, o nacionalismo e a xenofobia contribuíram para a vitória da campanha ‘Sair’ no recente referendo do Reino Unido sobre a continuidade na adesão à União Europeia. Mas essas forças flutuam na superfície de uma mudança maior: uma mudança fundamental em todo o mundo nas relações entre o Estado e o mercado.

Desde o nascimento do capitalismo moderno, estes dois quadros da actividade humana têm andado geralmente em desacordo. Enquanto o mercado tende a expandir-se geograficamente e em que os participantes procuram obter benefícios económicos, o Estado procura manter toda a gente ordenada e dentro de um território que controla. Um comerciante pode reconhecer oportunidades de mercado num país estrangeiro, mas vai logo a correr para o Estado – e ainda mais rapidamente para as autoridades de imigração daquele país.

Como conciliar a tensão entre o mercado e o Estado é a preocupação central da economia política actual, assim como também o foi para Adam Smith, no século XVIII, Friedrich List e Karl Marx, no século XIX, e para John Maynard Keynes e Friedrich von Hayek ao longo de discussões, durante décadas, em meados do século XX.

Vamos considerar dois extremos hipotéticos na relação Estado-mercado. O primeiro é um mercado que se pareça com um mercado global no qual os indivíduos podem maximizar os benefícios materiais sem qualquer intervenção estatal. O problema é que, com este cenário, pode-se viver num país vulnerável a todas as consequências negativas da globalização, sem barreiras como a desvalorização da moeda, a exploração no trabalho, o desrespeito pelas leis de propriedade intelectual e assim por diante.

O outro extremo é um mundo com estados autoritários, totalmente isolados, em que os indivíduos ficam protegidos das forças económicas externas e o Estado tem uma autonomia total sobre os assuntos domésticos. Neste cenário, dispensa-se todos os benefícios económicos conhecidos na divisão global do trabalho.

Entre estes dois extremos encontra-se a maior parte do mundo que se caracteriza por projectos de integração regional, como o Acordo de Comércio Livre da América do Norte ou a União Europeia.

Podemos identificar oscilações importantes na história do capitalismo ao longo dos últimos dois séculos, tanto para o mercado como para o Estado. Por exemplo, a revogação das leis do milho no Reino Unido, em 1846, favoreceu o livre mercado de comércio internacional, acelerando uma globalização até à eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Após a Primeira Guerra Mundial, o pêndulo oscilou a favor do Estado. O capital financeiro no Ocidente foi enfraquecido politicamente e uma classe trabalhadora mobilizada aproveitou a oportunidade para exigir empregos e programas de bem-estar social que eram contrários à lógica e às regras de um mercado globalizado. Na preparação para a Segunda Guerra Mundial, seguiram-se as políticas de pedinte e de proteccionismo violento à solta, com a Grã-Bretanha, em 1931, a usar o ouro em resposta a uma corrida sobre a libra. A Economist declarava, naquela segunda-feira, 21 de Setembro, “o fim definitivo de uma época na evolução financeira e económica do mundo”. Após a vitória do Brexit, a mesma revista advertiu: “A Grã-Bretanha está a navegar numa tempestade, sem ninguém ao leme.”

Em 1944, a conferência Bretton-Woods marcou mais um regresso ao mercado, mas, desta vez, permitindo um certo grau de autonomia nacional. Até ao final da década de 1960, um equilíbrio harmonioso entre a abertura internacional e a autonomia nacional permitiu uma prosperidade generalizada.

A turbulência regressou na década de 1970. No entanto, o crescimento lento, os preços elevados da ‘estagflação’ e uma crise energética global puxaram o pêndulo de volta aos mercados totalmente liberalizados - uma mudança keynesiana, ajudada por Margaret Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos.

Isto leva-nos ao presente. A crise económica de 2008 e o fracasso da recuperação da economia global pôs fim ao projeto iniciado por Thatcher e Reagan. Tal como no período pós-Primeira Guerra Mundial, com a globalização, os trabalhadores estão a ficar para trás e são eles que pagam as práticas dos líderes políticos que favorecem financiadores e os grandes negócios. No caso de Brexit, o campo do ‘Sair’ votou a favor de uma maior autonomia nacional, mesmo que tenha este custo material bem transparente.

Uma versão norte-americana de Brexit pode não estar longe de acontecer já com o próximo presidente dos Estados Unidos, que pode ameaçar o acordo comercial trans-pacífico, assinado com 11 países do Pacífico, em Fevereiro deste ano. Numa altura em que as negociações comerciais globais estão quase mortas, o acordo trans-pacífico parece uma abordagem razoável para impulsionar o comércio multilateral. No entanto, ambos os candidatos presidenciais norte-americanos dizem que se opõem a ele, prometendo o que equivaleria a uma ‘Amexit’ para o sistema de comércio global.

Estamos num interregno. O descontentamento social vai continuar a fervilhar em todo o mundo até voltarmos a ter um equilíbrio saudável na relação Estado-mercado. O problema é que ninguém sabe a melhor forma de fazer isso.

Alguns propõem re-harmonizar os mercados internacionais, com autonomia nacional, como ocorreu no âmbito de ‘Bretton Woods’. Mas a ordem económica internacional do pós-guerra foi construída para a idade pré-globalização e não podemos colocar o génio de volta à garrafa, mesmo que fosse possível fazê-lo. O Brexit marca o início do fim da última era da globalização. O que vem a seguir é uma incógnita, mas podemos estar certos de que não vai ser o destino final.