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A dívida social

14 Jul. 2021 Opinião
A dívida social

A dívida pública é o centro da política económica e financeira do Governo, havendo que tudo fazer para a sua redução, significando pagá-la a quem a detém. Nada mais justo, embora se tenha de interrogar sobre os seus verdadeiros beneficiários, quando se constata uma constante pioria da situação social. Uma dívida pública, interna e externa, de mais de 135% do PIB, tinha de apresentar retornos positivos significativos. Mas não. É por isto que uma auditoria à dívida pública, em cuja amortização estamos todos envolvidos, se torna importante, em nome da transparência e do combate à impunidade (divisas políticas do actual Presidente da República).

A dívida social

Desemprego, falta de oportunidades, recessão económica, degradação ambiental e desigualdade de rendimentos resultaram na criação de um incrível exército de pobres (estimado em 45% da população total, correspondente a mais de 14 milhões de pessoas) relativamente a quem o Estado criou um verdadeira dívida social, seguramente mais elevada, em relação ao PIB, do que a dívida do Governo, contraída em nome do Estado, mas sem efeitos de retorno visíveis e consolidados. Esta dívida social, traduzida através do Índice de Miséria de Arthur Okun, é de responsabilidade do MPLA, no exercício da governação desde que nascemos como Nação independente. De que maneira ressarci-la? O actual modelo de ajustamento estrutural e de estabilização macroeconómica do Fundo Monetário Internacional (FMI) não é consentâneo com um ressarcimento com redução da desigualdade. Pelo contrário, no final da sua aplicação, mais pobres existirão e maior vai ser a desigualdade. O Programa Kwenda tem muitas limitações, em disponibilidade financeira e quantitativo populacional-alvo. Programas de ajustamento como o que está em curso são tremendamente a-sociais, relegando-se a vida das pessoas e as suas condições para planos de intervenção secundários ou terciários. Christine Lagarde, na parte final do seu mandato, reconheceu a natureza pouco social deste tipo de programas de ajustamento, nomeadamente em países africanos e menos desenvolvidos, e a recente directora-geral, Kristalina Georgieva, em alguns dos seus discursos defende uma renovação da filosofia de intervenção do FMI, tornando-a mais humana e menos economicista. Porque, no final, são as pessoas que fazem as economias, enquanto sujeito do seu funcionamento e objecto dos respectivos resultados. Detendo o FMI os melhores e dos mais brilhantes economistas do planeta, como é que ainda se não conceberam programas de intervenção mais amigos do desenvolvimento? O resultado destes desajustamentos é a dívida social devida aos mais pobres, gerados durante estes processos de equilibragem das economias. A população pobre de Angola tem sido abandonada à sua própria sorte e o resultado está meridianamente expresso nas estatísticas sociais do país, que nos envergonham. A população pobre é a que detém menos oportunidades e a que mais sofre com a violência e a desigualdade. É necessário reconhecer esta dívida social, provocada por opções de política económica mal desenhadas (continua a insistir-se no metro de superfície sem se fazerem estudos do conhecimento público) sobre o seu custo de oportunidade e a respectiva matriz custo-eficiência (custo-eficácia).

A desigualdade prevalecente em Angola é económica e social. E esta última é profunda e, mais grave, estrutural. O rompimento do seu círculo vicioso demanda por tempo. É tipicamente um círculo clássico dos países subdesenvolvidos e tão bem caracterizado, em tempos passados, por economistas como Raymond Barre, René Dumont, François Perroux, Mário Murteira, mais recentemente Simon Kuznets1 e mesmo Anthony Atkinson. Trata-se, afinal, de uma reprodução alargada das condições de pobreza: em cada ciclo económico a pobreza não apenas se renova, mas amplia-se. Evidentemente que, para que o “kickoff” aconteça, tem de se estudar muito bem por onde começar, isto é, quais as políticas com maiores índices de eficácia e eficiência. A educação é uma delas, mas os seus efeitos positivos só aparecem a longo prazo, embora a médio termo se possam elencar alguns benefícios a favor do combate à pobreza e atenuação da desigualdade. A melhoria da saúde pode desencadear efeitos a curto prazo sobre a produtividade do trabalho ao diminuir a incidência do absentismo e recuperar energias.

Qualquer um destes sectores em Angola sofre de corrupção, desvio de fundos, desorganização, falta de qualidade dos serviços prestados, sendo discutível afectarem-se crescentemente maiores volumes de despesas orçamentais enquanto se não reorganizaremos Ministérios e respectivos departamentos e se não estripar a corrupção. Para mim, e sempre o afirmei, mais importante do que aumentar as verbas a si destinadas é melhorar a eficiência e eficácia na sua utilização. Tem-se depois a desigualdade económica, expressa pela diferença de rendimentos (trabalho qualificado/trabalho não qualificado, trabalho agrícola/trabalho industrial e no sector dos serviços, trabalho manual/trabalho intelectual), de acesso ao crédito bancário (ainda prevalecem situações em que o bilhete de identidade do MPLA abre e facilita as portas para a obtenção de empréstimos), de obtenção de facilidades de criação de negócios, etc. Daí que seja fundamental a despartidarização do Estado e das mentalidades. O MPLA tem de tomar a liderança deste processo porque é o responsável último pela criação de uma mentalidade partidária nas instituições públicas e privadas (desde o Partido único e a organização administrativa da economia e da sociedade).

A pobreza agravar-se-á até 2025. Com tanta pobreza, para quê investir no aumento da produção? Para se vender a quem?41 Este é o chamado círculo vicioso do empobrecimento.

A acomodação (????) da pobreza a curto prazo depende da capacidade da economia transferir rendimento, mormente por intermédio do Estado (as vulgarmente conhecidas transferências para as famílias, directas – abonos de família, rendimentos sociais de inserção, bolsa-família e indirectas através da redução dos impostos impendentes sobre o rendimento do trabalho (impostos directos), como da tributação indirecta, que tem reflexos significativos sobre os preços finais dos produtos). O combate definitivo à pobreza só tem três caminhos: crescimento económico, geração de emprego e valorização do capital social na posse dos pobres (a educação e a formação profissional ajudam a melhorar os salários e, por esta via, a diminuir a pobreza monetária). Ou seja, criação de emprego qualificado, associado a bons índices de produtividade, viabilizadores da prática de altos salários.

 1É conhecida a curva de Kuznets (o célebre U invertido) que relaciona a desigualdade como crescimento económico (medido através das taxas reais de variação do PIB por habitante), concluindo-se que nas suas primeiras etapas a desigualdade aumenta, sendo necessário um valor significativo do rendimento médio para que a sua distribuição se faça mais equitativamente.

Alves da Rocha

Alves da Rocha

Economista e director do CEIC/UCAN