CONTAS ERRADAS

17 Dec. 2019 V E Editorial

Não é a primeira e, seguramente, não será a última vez que o Governo junta propositadamente ‘alhos com bugalhos’, nos seus balanços sobre a recuperação de activos, no âmbito do controverso combate à corrupção. 

Em Outubro passado, no seu discurso sobre o ‘estado da Nação’, João Lourenço incluiu os 2.350 milhões de dólares, negociados com o anterior gestor do Fundo Soberano, como parte dos recursos recuperados pelo Estado, além do património imobiliário no exterior calculado em mais de mil milhões de dólares. A esses números o Presidente da República juntou os 500 milhões de dólares que regressaram ao BNA, na sequência da anulação do contrato de gestão de activos, assinado entre o banco central e um consórcio formado por um operador angolano e outro estrangeiro. O conhecido processo que se encontra em julgamento no Tribunal Supremo. 

Nessa altura, vários observadores lembraram ao Presidente que as contas estavam a ser mal feitas, porque os dois principais processos que citou não podiam nem deviam ser enquadrados na campanha de combate à corrupção. E a explicação era simples. Qualquer dos processos referia-se a montantes que nunca se encontraram fora do património do Estado. Os recursos do Fundo Soberano estavam a ser geridos por uma entidade com mandato legítimo para o efeito e mantiveram-se sempre propriedade do Estado. Nunca foram desviados. O que aconteceu, neste caso, é que o Governo optou por romper o contrato com o então gestor, porque entendeu que poderia gerir os recursos eventualmente com melhores retornos para os cofres públicos. 

O mesmo diga-se em relação ao dossier dos 500 milhões de dólares. Independentemente do processo movido pelas autoridades e dos argumentos que o suportam, os valores nunca saíram da esfera do património do BNA. O ex-director do departamento de gestão de reservas do BNA, António Samalia Bule Manuel, voltou a confirmar isso mesmo nas declarações que prestou ao Tribunal Supremo, enquanto réu no processo. E o Ministério Público, em todas as provas produzidas até ao momento, não conseguiu demonstrar o contrário. Numa frase resumida, os activos do Fundo Soberano e os 500 milhões de dólares que estão na base do processo em julgamento no Supremo não foram recuperados, porque nunca foram perdidos.

O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, aparentemente, não se apercebeu desses reparos e apresentou, esta semana, em Abu Dhabi, saldos de recuperação de activos que voltam a juntar ‘alhos com bugalhos’. Porque seguramente Francisco Queiroz não teria como mencionar mais de cinco mil milhões de dólares recuperados, no âmbito do combate à corrupção, se não estivesse a referir-se aos valores do Fundo Soberano e aos do BNA.   

É óbvio que se percebe a pretensão do Governo: apresentar números que possam empolar, ao máximo possível, o alegado sucesso da campanha de recuperação de activos. Só que, desta forma, o Governo deturpa a percepção real do seu trabalho e expõe-se ao constrangimento gratuito, porque engana toda a gente, com balanços fáceis de desmontar.