Democracia, crescimento económico e desenvolvimento social
Tal como entre abertura das economias e aumento do produto interno bruto é vulgar estabelecer-se uma relação de conectividade/reforço mútuo, mesmo passível de econometrização (tentando-se torná-la universal), igualmente determinadas correntes doutrinárias passaram a apresentar estudos e algumas evidências empíricas sobre o reforço do crescimento económico para além dos factores produtivos e da sua combinação nos processos de produção, quando a democracia aparece como uma prática política transparente e recorrente. Ou seja, quanto mais democracia, maiores serão os impulsos no crescimento económico e mais significativas as melhorias nos padrões de desenvolvimento social.
Enquanto a abertura das economias pode ser representada por indicadores concretos, tais como o peso do comércio externo (exportações mais importações) no PIB, o valor do investimento externo líquido directo, as taxas de variação das componentes na balança de pagamentos, a medição da democracia é apenas uma percepção, cujo valor é obtido através da junção de respostas dos actores económicos e sociais a um conjunto de perguntas sobre o que acham da ocorrência de diferentes liberdades e da verificação dos direitos humanos.
Mas, mesmo assim, tem sido possível a construção de índices de liberdade, tais como o Democracy Index da Economist Intelligence Unit (desde 2006) e Economic Freedom da Heritage Foundation (depois de 2004). Estas publicações permitem, na sua perspectiva temporal (times-series), verificar e, por vezes mesmo, quantificar as transformações ocorridas em cada país quanto às melhorias registadas na liberdade e na participação dos cidadãos (exercício da cidadania) na definição e controlo das políticas que influenciam o seu vivenciar diário. Porque, em última instância (e para além de todos os equilíbrios macroeconómicos, que devem sempre ser proactivos e criadores de valências e resultados válidos para as pessoas), as economias e os tecidos sociais são criadas pelos homens e para os homens, interessando, portanto, escrutinar a medida das influências das suas transformações sobre as pessoas.
Estes índices também podem ser usados na sua perspectiva “cross section”, isto é, para um determinado período de tempo como se posicionam, entre si, os diferentes países, levando à criação de grupos diferenciados de países, como, no caso do Democracy Index, “democracias plenas”, “democracias imperfeitas”, “regimes híbridos” e “regimes autoritários”. Identicamente se passa com Economic Freedom Index, com ajuntamentos classificados como “economias livres”, “economias maioritariamente livres”, “economias moderadamente livres”, “economias moderadamente fechadas” e “economias repressivas”.
Teoricamente, parece de fácil aceitação a correlação positiva, para o crescimento económico e o desenvolvimento social, entre “democracias plenas” e “economias livres”, pelo menos na óptica neoliberal, onde a intervenção do Estado deve estar reduzida ao mínimo (porque inexistir é impossível) – cedendo-se a totalidade do espaço à iniciativa privada – e, assim, caminhar-se para a democracia plena. Nos contextos destes índices e das respectivas metodologias de construção, quanto maior for a liberdade económica, mais democráticas serão as sociedades. E quanto mais abertas estas, mais elevado poderá ser o crescimento económico e maior a qualidade do desenvolvimento social. Os conceitos de democracias políticas e de democracias económicas são construídos sem o envolvimento de factores culturais (onde possam avultar valores tradicionais, alguns dos quais podendo questionar a assunção do próprio conceito), ficando os mesmos para ajudarem na interpretação das diferenças entre os países e do seu comportamento ao longo dos anos. Assim sendo, “regimes de democracia imperfeita”, “regimes híbridos” e “regimes autoritários” deveriam mostrar dinâmicas de crescimento económico mais baixas e índices de transformação social igualmente de expressão reduzida. Parece, no entanto, que esta regra não é de validade universal.
E para o ilustrar pode tomar-se o exemplo da China. Classificada como regime autoritário no Democracy Index e no 107º lugar no Economic Freedom Index (economias moderadamente fechadas), este país é o que mais tem crescido nos últimos 40 anos, o que apresenta as mais expressivas transformações estruturais (infraestruturas materiais e imateriais, de onde avultam os desenvolvimentos tecnológicos e científicos) e o que mais rapidamente eliminou a pobreza extrema e retirou, em 10 anos, mais de 400 milhões de cidadãos da pobreza. As consequências mais visíveis foram a criação de uma classe média com elevado poder de compra e de intervenção nas transformações estruturais, económicas e sociais, o desenvolvimento na educação e na saúde e o relativo domínio da economia mundial (18,3% do PIB mundial, 12,3% das exportações mundiais de bens e serviços, 31,8% do PIB e 33,3% das exportações de bens e serviços das economias emergentes e em desenvolvimento) . De que modo se conseguiram estes êxitos e que percepção os chineses têm deles? O segredo parece ter estado num modelo próprio de desenvolvimento, onde as tradições, a disciplina e o rigor eram partes integrantes e se conjugaram da melhor maneira possível, sob uma liderança autoritária do Partido Comunista e do Estado. Valeu a pena o trade-off (mais desenvolvimento/menos democracia)? Qual o custo de oportunidade desta aparente troca? Só os chineses o poderão avaliar, segundo os seus padrões culturais.
A maior parte dos países africanos figura em posições desclassificadas nestes dois índices de democracia. As excepções são as Maurícias (democracia plena e economias maioritariamente livres), o Ruanda (moderadamente livre), o Botswana (moderadamente livre) e Cabo Verde (democracia imperfeita e economia moderadamente livre).
A África subsariana comemorou recentemente 60 anos de independência política dos poderes coloniais europeus e a despeito de na última década e meia as economias desta sub-região do continente terem registado crescimentos do PIB na ordem de 5% anuais – graças a factores como melhor governação económica, aumento do consumo interno e incremento das exportações e dos preços das principais commodities usadas como matérias-primas nos países mais desenvolvidos (incluindo a China) – não foi possível transformá-los em desenvolvimentos sociais consolidados e em benefícios alargados para as amplas maiorias da população que ainda permanecem em estados inadmissíveis de pobreza. Continuou a ser um crescimento económico favorável à criação de elites e ao aprofundamento das desigualdades. Como pontualiza Carlos Lopes : “a fim de manter os resultados socioeconómicos positivos deste crescimento recente, os países africanos têm de rever os actuais modelos de desenvolvimento e colher os benefícios que poderão advir de uma verdadeira transformação estrutural e o que torna preocupante este padrão é a tendência de África crescer rapidamente mas transformar-se com lentidão, tornando-se vulnerável a ventos adversos”. Quando se põe em análise, discussão e reflexão a necessidade de alteração do modelo ou dos modelos de desenvolvimento dos países africanos, está a admitir-se que os aplicados até agora não surtiram os efeitos desejados, permanecendo amplas camadas de africanos abaixo dos mínimos de sobrevivência e de condição humana. Para que o crescimento económico se traduza e se transforme em desenvolvimento social sustentado e extensivo à maioria da população é necessário colocar a educação como a principal prioridade e mantê-la assim durante muito tempo e em todos os processos de transformação estrutural dos países africanos. Sem educação não acontece diversificação da economia com incremento da produtividade e melhoria da competitividade. Tem de ser o legado da educação de excelência que os líderes africanos verdadeiramente patriotas devem construir em cada ciclo eleitoral.
JLo do lado errado da história