Economia angolana e a sua morte silenciosa, face à transição energética
A produção mundial de petróleo bruto, no actual contexto de transição energética, continuará a crescer a uma taxa média de 1,77% ao ano, a contar de 2020. Porém, esta taxa reduzirá anualmente em 5,13% até zerar em 2051, para, a partir daí, apresentar um declíneo progressivo a uma taxa inicial em torno de -0,25% em 2052, crescente negativamente à razão de 1,29 em média, conforme cenário mais provável projectado a partir de estudos realizados com base nos dados de petróleo, consumo de derivados e circulação de veículos, disponibilizados pela BP, Agência Internacional de Energia e Associação Internacional dos Fabricantes de Veículos Motorizados.
A produção petrolífera de Angola atingiu, em 2010, o seu peso relativo mais alto dos últimos 14 anos no total da produção mundial, ao ser responsável por 2,17% do total da oferta global de petróleo bruto, com uma cifra de 1,812 milhões de barris/dia. Porém, em 2020, com 1,153 milhões de barris/dia, este peso relativo caiu para 1,30%. Nos anos seguintes, permaneceu abaixo dos 1,30%, ficando nos 1,11% e 1,16%, em 2021 e 2022, respectivamente.
Com base neste quadro, tomou-se o peso de 1,30% para obtenção das estimativas da produção angolana para os próximos anos, a partir da previsão de produção à escala mundial, resultando no cenário evidenciado no gráfico a seguir.
O peso fixo de 1,30% pressupõe uma variação percentual anual da produção petrolífera nacional relativamente próxima à variação da produção mundial, estando incluído neste pressuposto a descoberta e exploração de novos campos petrolíferos que corroboram para o alcance dos níveis de produção que assegurem a manutenção do referido peso relativo da produção nacional no total mundial. Nesta base, o nível máximo da produção nacional a ser alcançado será de 1,926 milhões de barris/dia, em 2051, e, a partir daí, seguir a mesma tendência de evolução da produção mundial, até fixar-se nos 0,549 milhões de barris/dia em 2069 e, de seguida, adoptar um novo modelo de evolução temporal.
A taxa média de crescimento do PIB de Angola, para o período de 1983 a 2020, situa-se nos 3,5% ao ano, que é relativamente superior à taxa de crescimento demográfico (3,1%), porém o desacelerar da produção petrolífera mundial e nacional motivado pelas mudanças na matriz energética mundial, que prima, cada vez mais, por fontes de geração de electricidade não poluentes, reduzirá progressivamente a contribuição do petróleo no crescimento económico do País, o que exigirá um maior esforço nacional a nível do produto não petrolífero, de modo a elevar e manter o País a uma taxa de crescimento igual ou superior a sua média dos últimos 40 anos (3,5%).
Neste contexto, para que o PIB cresça a 3,5% ao ano, diante do crescimento desacelerado estimado do sector petrolífero (1,77% em 2020, com redução percentual anual na ordem dos 5,13%), será necessário que o produto não petrolífero apresentasse, a partir de 2020, uma taxa de crescimento igual ou superior a 4,04% até 2051, e igual ou superior a 4,38% no período de 2051 a 2069, sendo este o cenário óptimo para a estabilidade socioeconómica.
Caso o PIB não petrolífero cresça a uma taxa relativamente igual a 3,5%, o PIB global apresentará uma taxa média de crescimento igual 2,87%, que é inferior a taxa de crescimento da população, pressagiando um empobrecimento progressivo dos angolanos e o encarecimento do custo de vida.
Em cenário de crescimento do PIB não petrolífero na ordem dos 1,77% ao ano, o crescimento do produto nacional fixar-se-á nos 1,24%, um valor significativamente inferior à taxa de crescimento da população e, neste contexto, o PIB per capita, em 2050, por exemplo, será 24% inferior ao valor deste indicador registado em 2020.
Um outro cenário possível ocorrerá caso a produção do sector não petrolífero apresente a mesma taxa de crescimento que o sector petrolífero, isto é, crescendo a uma taxa inicial de 1,77% em 2020 e, ir apresentando uma redução progressiva desta taxa em 5,13% ano após ano, até 2051, e decrescer em 0,25% em 2052, com a taxa negativa de crescimento aumentando à razão geométrica de 1,29 ao ano. Neste cenário, o País apresentaria uma taxa negativa de crescimento em torno dos 1,67%, e um PIB per capita, em 2050, 29% inferior ao PIB per capita de 2020.
Conforme relatório de fundamentação do OGE 2023, em 2017, 2018, 2019 e 2020, o País registou taxas de crescimento do PIB não petrolífero na ordem dos 1,2%, 0,0%, 1,9% e -4,7%, valores abaixo do requerido nos dois primeiros cenários. Em 2021, o PIB não petrolífero cresceu em 6,4%, uma taxa satisfatória, visto que supera a taxa de 4,04% requerida no cenário óptimo. Contudo, a redução do PIB petrolífero em 11,6%, neste período, comprometeu os resultados obtidos, fixando a taxa de crescimento do PIB global na ordem dos 0,7%. Para 2022, os dados provisórios apontam para um crescimento de 2,0%, 2,7% e 3,2%, para o PIB petrolífero, não petrolífero e global, respectivamente, sendo que, no tocante ao PIB não petrolífero e ao PIB global, estes valores ainda se situam abaixo dos níveis requeridos no cenário óptimo.
Contrariamente ao petróleo, o gás é um produto essencial no contexto da transição energética, todavia, para a economia angolana, o peso deste produto no PIB ainda é irrisório, perfazendo apenas 0,50% deste.
A Transição energética, para Angola e para África em geral, é inevitável, dado que as economias mais avançadas são os grandes compradores do nosso principal produto de exportação, o petróleo, e, considerando que a procura por este produto reduzirá paulatinamente, será necessário que as economias essencialmente dependentes do petróleo encontrem fontes alternativas para a obtenção de receitas, de modo a compensar as futuras perdas de receitas que serão verificadas no sector petrolífero. Porém, determinados aspectos da economia nacional e do processo de diversificação económica constituem obstáculos para um desenvolvimento sustentável do sector não petrolífero, e, apresentam um potencial considerável para comprometer a estabilidade socioeconómica futura. Citamo-los:
1)Economia não petrolífera com foco forte na importação e comercialização de bens finais para o consumo imediato e empacotamento e embalagem de produtos semi-acabados importados, tornados nacionais apenas por conta da marca e do logótipo, apesar dos esforços para a substituição das importações pela produção local;
2)Incompletude das cadeias produtivas dos mais variados segmentos da actividade económica, nomeadamente o fraco entrelaçamento das indústrias extractivas e de matérias-primas com a indústria transformadora;
3)Quase inexistência da indústria de produção de máquinas fabris, linhas de produção industrial e de optimização de processos de cadeias produtivas;
4)Desligamento entre o desenvolvimento industrial e a investigação técnica, tecnológica e científica;
5)Desvalorização da indústria de moldagem (fundição, moldagem por usinagem e usinagem de alta precisão, termoformagem, sopro, etc) como pilar para o desenvolvimento do sector de produção de máquinas e aparato técnico industrial;
6)Inexistência de um sector de investigação e concepção de máquinas, motivada pela quase inexistente indústria de moldagem e pela não valorização do homem como inventor de máquinas e aperfeiçoador dos processos industriais;
7)Pequenas e micro empresas nacionais de tecnologia sem incentivos fiscais, sem facilidades na obtenção de créditos, e sem financiamentos bancários bonificados;
8)Inventores e criadores nacionais sem possibilidade de desenvolvimento dos seus projectos por falta de fomento às indústrias de produção de materiais e equipamentos para a produção tecnológica a vários níveis;
9)Produção alimentar fortemente dependente da importação de sementes melhoradas, fertilizantes e pesticidas, por conta do fraco desenvolvimento do sector de investigação agronómica e da indústria química para o sector agrícola, etc.
Em relação às novas fontes de energias renováveis, observa-se um grande foco na compra de tecnologia para geração de electricidade em sistemas isolados, no lugar da produção de tal tecnologia internamente para a eliminação da dependência externa no sector. Ex.: Complexo de geração de energia solar no biópio, em Benguela, projectos Caraculo e Quilemba solar, no Namibe e Huíla, respectivamente, todos assentes na compra de painéis solares e equipamentos subjacentes para a sua implementação, sem no entanto haver um projecto, do conhecimento do público, que esteja focado em trazer para o território nacional fábricas para a produção de tecnologia solar, eólica e outras, para a geração de electricidade a partir das novas fontes de energias renováveis. Acoplado a este dilema está o seguinte risco abaixo:
1)Os equipamentos de geração de electricidade de fonte solar, por exemplo, têm uma vida útil que vai de 20 a 25 anos, logo, qualquer complexo do género instalado ficará obsoleto após este período, e deverá ter os seus equipamentos de base substituídos para a continuidade das suas operações. Contudo, daqui há 25 anos, caso o PIB não petrolífero cresça à mesma velocidade que o PIB petrolífero (a 1,77% a contar de 2020 e em variação anual negativa de 5,13%, em segunda ordem), o peso relativo do petróleo na produção nacional (ano base 2020) sairá de 30% em 2023 para 18% em 2047, num cenário em que o PIB não petrolífero será 49,1% inferior ao valor que atingiria caso crescesse a um nível que permitisse manter o crescimento do PIB global a 3,5% ao ano, logo, o País não estará nas mesmas condições financeiras para custear a substituição dos equipamentos e reabilitação das infra-estruturas, condenando tais iniciativas ao fracasso total. Por outro lado, ainda que o PIB não petrolífero cresça a uma taxa média próxima de 3,5%, o crescimento médio de 2,87% do PIB global, por estar baixo da taxa de crescimento demográfico, implicaria uma decadência das condições de vida das populações, pelo que, o Estado teria elevadas necessidades sociais mais prementes por atender.
Assim, com a perda da importância relativa do petróleo na matriz energética mundial e consequente redução das receitas nacionais daí decorrentes, bem como uma débil e insustentável diversificação da economia, ficarão cada vez mais difíceis a importação de máquinas para o fomento da indústria e a importação de insumos para a produção agrícola, o que, por sua vez, trará mais dificuldades para a indústria e produção agrícola nacionais, com efeitos no agravamento do custo de vida.
Por conseguinte, sem um esforço efectivo para a mitigação das brechas acima abordadas (e outras igualmente relevantes) e alteração do posicionamento macroeconómico na perspectiva da economia real, com vista à prossecução dos interesses vitais da nação, assistiremos sim ao desenrolar de um processo de morte silenciosa da economia nacional, com a multiplicação de pobres e forte hemorragia demográfica e de capital humano especializado, do pouco que nos sobeja.
*Consultor independente em Economia e Finanças
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