NO CENTRO DO ‘FURACÃO’ DO ESCÂNDALO DAS ‘OFFSHORE’

Jurgen Mossack, o homem dos milhões de segredos

08 Aug. 2016 Emídio Fernando Gestão

ESCÂNDALO. Os segredos dos ‘Papéis do Panamá’ fizeram tremer meio mundo, nas finanças e na política. A lista atingiu desde o presidente russo Vladimir Putin ao ministro dos Petróleos de Angola, passando por futebolistas e famosos. No centro, esteve o escritório Mossack-Fonseca. O líder é Jurgen Mossack, advogado, gestor e filho de um oficial nazi.

O nome ‘pesado’ denuncia de imediato as origens: é alemão, o homem responsável pelo mais forte abanão financeiro e político dos últimos anos no mundo. Jurgen Rolf Dieter Mossack nasceu na Baviera e é filho de Erhard Mossack, um conhecido oficial do temível SS, o exército da Alemanha de Hitler e, mais tarde, um espião que assentou no Panamá, um viveiro de contra-informação a seguir à guerra mundial.

Foi neste ambiente que cresceu o jovem Jurgen, chegado ao Panamá em 1960, aos 11 anos. O pai vendia segredos, o filho passou a vender paraísos fiscais. O pai foi capturado pelas tropas norte-americanas na Baviera na posse de uma lista de nomes de membros das unidades os Werwolf (‘Homens lobo’), uma força criada pelo general nazi Heinrich Himmler, em 1944, para restringir o avanço dos aliados, usando tácticas de guerrilha e sabotagem. Entregou a lista, denunciou nomes e moradas e obteve a liberdade. O filho tem um escritório com 11,5 milhões de arquivos classificados. Confidenciais e legais, mas que fazem mossa no mundo político.

A riqueza acumulada com as comissões dos negócios das empresas ‘offshore’ fez do alemão um homem com mais poder do que os próprios presidentes do pequeno país da América Latina, mais conhecido pelo famoso canal. Vive numa mansão luxuosa, num dos locais mais protegidos do mundo, com um sistema de segurança, por mar e por terra, e com câmaras a filmar 24 horas por dia. Escreve o jornal ‘El País’, que enviou jornalistas para o entrevistar, que Jurgen prefere agora viver escondido. Ao todo, ao longo da vida, deu apenas meia dúzia de entrevistas, mas para elogiar as filhas, ‘estrelas’ profissionais da cavalaria.

Jürgen Mossack estudou Direito na primeira universidade privada do Panamá, a Católica Santa María La Antigua. Licenciou-se já com 25 anos. Rumou para Londres, onde foi admitido na Ordem dos Advogados de Inglaterra, tendo a oportunidade de conviver com os mais importantes advogados do mundo e ter acesso ao mundo financeiro londrino.

Quando regressou ao Panamá, já ia com intenções de fundar aquele que viria a ser o escritório ‘Jürgen Mossack Lawfirm’. Virou-se para o direito corporativo e naval e ainda para a banca, investimentos estrangeiros, consórcios, fundações privadas e gestão de investimentos. Foi por aqui que entrou na oligarquia panamiana, tanto dominada por antigos traficantes, como Manuel Noriega, como por democratas que o sucederam.

Ganhou o respeito de uma sociedade. Rapidamente, na gestão de investimentos, usou as facilidades fiscais do país. Em pouco tempo, em 1986, depois de se associar a Ramón Fonseca, formado na escola de economia mais prestigiada London School of Economics, começou a ganhar clientes em todo o mundo. A inauguração do escritório está documentada com uma foto, garante o ‘The Guardian’. Deste escritório discreto, há mais de 40 sucursais no mundo. Do Panamá a Niue, uma ilha remota, com 1200 habitantes, na Oceânia que Mossack transformou num paraíso fiscal.

Ao todo, controla 240 mil sociedades. Logo que ‘rebentou’ o escândalo, Jürgen Mossack defendeu os clientes e o escritório numa curta entrevista ao ‘Wall Street Journal’: “Não vamos suspender os nossos serviços para ir plantar bananas. As pessoas cometem erros. Nós também”, lembrando que “as ‘offshore’ têm um monte de usos legítimos, como evitar o pagamento de impostos em duplicado, proporcionar privacidade e a protecção dos regimes criminais e dos delinquentes”.

Na lista, surgem nomes de políticos e familiares, jogadores e presidentes de clubes de futebol, artistas, actores , dirigentes partidários e empresariais. Aparecem nomes como Vladimir Putin, Silvio Berlusconi, o presidente argentino Mauricio Macri, Leo Messi, o demitido primeiro-ministro islandês, Sigmundur David Gunnlaugsson, o rei saudita Salman Abdulaziz. Michel Platini, o filho de Kofi Annan, ex-secretário da ONU, o pai do primeiro-ministro britânico David Cameron, o ministro angolano Botelho de Vasconcelos, Jackie Chan, o escritor Mário Vargas Lhosa e as irmãs do rei de Espanha e de Joseph Kabila.

Em Abril, Jürgen Mossack renunciou ao lugar no Conselho Nacional de Relações Exteriores do Panamá. Toda a família saiu em sua defesa. Apoia-se na mulher, uma cubana nacionalizada panamiana, nas filhas Nicole Mossack Acoca e Andrea Mossack Acoca, cujo marido, Daniel Sessa, trabalha no Programa Alimentar Mundial, agência da ONU.

O pai morreu em 1990 e a mãe cinco anos depois. As autoridades respiraram de alívio, convencidas de que ambos guardavam segredos que poderiam prejudicar a Alemanha. Mais uma vez, os destinos dos dois cruzam-se: os segredos do filho ainda estão por ser divulgados. Ou talvez não.