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Mundo em guerra

17 Mar. 2020 Hans-Werner Sinn Opinião

A luta contra o COVID-19 é uma guerra total. A China parece ter vencido a primeira batalha. Hong Kong, Taiwan, Singapura e Japão também alcançaram sucessos visíveis na mitigação do surto, sem dúvida, devido às suas experiências em lidar com a epidemia de SARS (Síndroma de Respiração Aguda Severa – sigla em inglês) em 2003. A Europa e os Estados Unidos, por outro lado, estão apenas a despertar das suas ilusões de invulnerabilidade. Como resultado, a epidemia assola agora o Ocidente.

O país ocidental mais atingido até agora é a Itália, que tem laços económicos particularmente fortes com a China. O norte da Itália é agora o novo Wuhan (a megacidade chinesa onde o coronavírus surgiu pela primeira vez). Com o sistema de saúde sobrecarregado, o governo italiano pisou nos travões, desligou a economia e o comércio e colocou em quarentena o país inteiro. Todas as lojas, excepto farmácias e supermercados, estão fechadas. As pessoas foram instruídas a ficar em casa e só têm permissão para frequentar locais públicos apenas para fazer compras ou irem para o trabalho. Muitas obrigações de dívida pública e privada (como arrendamentos de imóveis e pagamentos de juros) foram suspensas. A Itália tenta desacelerar o relógio económico até o coronavírus morrer.

Enquanto isso, embora a Alemanha tenha sofrido muito poucas mortes provocadas pelo coronavírus, o número de infecções está a subir tão rapidamente como em qualquer outro lugar. Em resposta à crise, o governo alemão introduziu um subsídio de trabalho de curta duração e concedeu generosas ajudas de crédito, garantias ou isenção de impostos para empresas em dificuldades. Os eventos públicos em todo o país foram cancelados. As crianças, em idade escolar, são obrigadas a ficar em casa. 

A Áustria, por seu lado, há muito tempo fechou as fronteiras com a Itália. Escolas, universidades e a maioria das lojas austríacas também foram fechadas. Inicialmente, a França adoptou uma abordagem mais relaxada, mas agora também fechou escolas, restaurantes e lojas, assim como a Espanha. Dinamarca, Polónia e a República Checa fecharam as fronteiras com a Alemanha.

O presidente dos EUA, Donald Trump, declarou o estado de emergência nacional. O Congresso aprovou um programa de emergência de 8,3 mil milhões de dólares para financiar os esforços para conter a epidemia. Quantias ainda maiores aguardam pela aprovação do Senado. O governo federal também barrou os viajantes estrangeiros, primeiro da China e do Irão, e agora da Europa.

Globalmente, nem todas as respostas à crise foram bem direccionadas e outras não foram suficientemente fortes. O mais preocupante é que alguns governos convenceram-se de que podem apenas retardar a propagação do vírus, em vez de tomar medidas necessárias para detê-lo completamente. A superlotação previsível de hospitais, em muitas áreas fortemente afectadas, já expôs a loucura dessa complacência.

Na frente económica, uma grave recessão não pode ser evitada e alguns economistas já pedem aos governos que introduzam medidas para sustentar a procura. Mas essa recomendação é inadequada, dado que a economia global sofre um choque de oferta sem precedentes. As pessoas não estão no trabalho porque estão doentes ou em quarentena. Em tal situação, o estímulo à procura apenas vai aumentar a inflação, levando à estagflação (crescimento fraco ou decrescente do PIB ao lado de preços crescentes), como ocorreu durante a crise do petróleo da década de 1970, quando outro importante insumo de produção estava em falta.

Pior ainda: medidas voltadas para o lado da procura podem até ser contraproducentes, porque incentivam o contacto interpessoal, minando o esforço para limitar a transmissão do vírus. Que benefício faria dar dinheiro aos italianos para fazer compras quando o governo fecha lojas e obriga todos a ficar em casa? Os mesmos argumentos aplicam-se no suporte à liquidez. O mundo já está inundado de liquidez, com taxas de juros nominais próximas ou abaixo de zero em praticamente todo o lado. Mais cortes nas taxas de juros em território ‘vermelho-escuro’ podem ajudar os mercados de acções, mas também podem desencadear uma corrida ao dinheiro.

O declínio brutal das actividades económicas, que os epidemiologistas dizem ser necessário, torna inevitável o colapso das bolsas de valores, dado que a política dos bancos centrais de dinheiro excessivamente barato causa uma bolha insustentável. Como consumiram munições em momentos inoportunos, os bancos centrais assumem a responsabilidade pela bolha que agora estourou.

O que é realmente necessário são medidas fiscais para salvar empresas e bancos da falência, para que possam recuperar rapidamente quando a pandemia terminar. Os formuladores de políticas devem considerar várias formas de isenção de impostos e garantias públicas para ajudar as empresas a ter empréstimos, se necessário. Mas a opção mais promissora é um subsídio de trabalho de curta duração. Essa abordagem, testada e comprovada na Alemanha, compensa o subemprego da força de trabalho através dos mesmos canais que já são usados para o seguro-desemprego. Melhor ainda, não custa quase nada, porque impede as perdas que se seguiriam do aumento do desemprego real. 

Todos os países devem replicar esta parte da política da Alemanha para evitar a perda de empregos. Mas, o mais importante, todos os governos precisam seguir a China para tomar uma acção directa contra o COVID-19. Ninguém nas linhas da frente deve estar limitado pela falta de fundos. As unidades de terapia intensiva hospitalar devem ser ampliadas; hospitais temporários devem ser construídos; e respiradores, equipamentos de protecção e máscaras devem ser produzidos em massa e disponibilizados a todos que precisam. Além disso, as autoridades de saúde pública devem receber recursos e fundos necessários para desinfectar fábricas e outros espaços públicos. Higiene é a ordem do dia. Testes em larga escala da população são particularmente importantes. A identificação de cada caso pode salvar várias vidas. Entregar-se à pandemia simplesmente não é opção.

 

 Professor de economia da Universidade de Munique, ex- presidente do Instituto Ifo de Pesquisa Económica e membro do Conselho Consultivo do Ministério da Economia alemão.