“Não é aceitável” o Governo dizer que já fez o que pode
CRISE. Director do Centro de Estudo e Investigação Científica (Ceic) da Universidade Católica estima que, no mínimo, o mês de confinamento tenha custado 4,8 mil milhões de dólares à economia angolana. E defende que o Governo deve abordar as instituições financeiras que reservaram fundos para o impacto da covid-19.
O economista Alves da Rocha considera “inaceitável” e “confrangedor” o discurso do Governo segundo o qual as medidas e soluções financeiras postas à disposição para fazer face ao impacto da pandemia da covid-19 na economia são as “que se podem ter”.
Para Alves da Rocha, “não são aceitáveis respostas que o Governo está a fazer o que pode”. E justifica-se com a existência de soluções ainda não exploradas pelas autoridades como são os pacotes de ajudas financeiras multilaterais. “Como toda a gente sabe, estão disponíveis pacotes de ajudas financeiras multilaterais, bilaterais e de outras fontes que estão à disposição de todos os países, em especial das economias africanas mais afectadas pela presente crise económica e pelo seu agravamento futuro devido à pandemia sanitária. Por isso, não são aceitáveis respostas que o Governo está a fazer o que pode”, insiste.
O economista, que sempre defendeu a necessidade de se definirem as prioridades antes de se avançar para mais endividamento, acrescenta ser “altura de se discutir com todas as instituições que reservaram fundos para estes propósitos, como o estão a fazer a África do Sul, o Uganda, a Nigéria, Moçambique, Ruanda, Quénia, Egipto, etc., etc.”.
África do Sul aprova 26 mil milhões…
Convidado a comparar o pacote financeiro aprovado pela África do Sul, cerca de 26 mil milhões de dólares, e as disponibilidades em Angola, o economista considera que o pacote da África do Sul “acaba também por ser insuficiente (cerca de 7,1% do seu PIB), mas, para todos os efeitos, muito superior ao que foi reservado pelos poderes oficiais para Angola”.
“Aplicando a percentagem sul-africana, estar-se-ia a falar de 7,4 mil milhões de dólares, que o Governo alega não ter, sendo confrangedor ouvir declarações de altos dirigentes do MPLA e do Executivo no sentido de que o que está posto à disposição é o que se pode ter, devendo todos nós agradecer de joelhos prostrados no chão tais benesses.”
Recentemente, depois da publicação das medidas transitórias contra o impacto da covid-19, fonte do Ministério das Finanças garantiu ao VALOR que o recurso às instituições financeiras multilaterais é uma forte possibilidade sobre a mesa do Governo, mas que só será accionada depois da revisão orçamental e desde que o corte nas despesas assim o determine.
Confinamento custa 4,8 mil milhões USD/mês
O período de um mês de confinamento em Angola custou à economia cerca de 4,8 mil milhões de dólares, segundo cálculos de Alves da Rocha, baseando-se na estimativa portuguesa, segundo a qual cada mês de confinamento custa à economia portuguesa 4,5% do seu PIB (em redor de 8,7 mil milhões de euros).
“Se aplicarmos, sem nenhum ajustamento, este valor à economia angolana, podemos estar a falar de perdas em redor de 4,8 mil milhões de dólares imputáveis apenas ao mês de confinamento que levamos desde que foi decretado o estado de emergência”, explicou, acrescentando que, em Angola, os “prejuízos são astronómicos”, se se adicionarem as perdas imputáveis à recessão (com crescimentos acentuados do desemprego…)
“No último trimestre de 2019, o INE apresentou uma recessão de 0,9% em variação homóloga, o que pode ter significado uma perda de PIB de 952 milhões de dólares. O desemprego, que significa perda de oportunidade de aumentar o PIB, estimado em 32%, segundo as estatísticas do INE, equivale a um desperdício de mais de 9,2 mil milhões”, calcula.
O que impede Angola fazer recurso ao FMI
O FMI criou uma série de linhas de assistência para os países fazerem face à crise, tendo disponíveis soluções como Rapid Credit Facility (RCF), Rapid Financing Instrument (RFI) e o Establishment of the Short-term Liquidity Line (SLL). Há também extensão de alguns instrumentos de financiamento já existentes, bem como a aprovação de perdão de dívidas.
O CEIC, no seu relatório sobre o impacto económico e social da covid-19 em Angola, sublinha que, “até agora, o país não se pôs na linha para nenhuma destas facilidades ou porque não é elegível, ou porque a actual condição de austeridade não nos permite. Por exemplo, para ser elegível ao CCRT (que é o programa que dá o perdão da dívida), é preciso que o PIB per capita seja inferior a 1.175 dólares, ou que tenha uma população muito pequena (abaixo de 1,5 milhões)”.
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