O desafio com gastos em infra-estruturas

16 Dec. 2020 Kenneth Rogoff Opinião
D.R

Notícias encorajadoras sobre tratamentos anti-virais mais eficazes e promissoras vacinas alimentam um cauteloso optimismo de que, pelo menos, os países ricos podem controlar a pandemia covid-19 até ao final de 2021. Por enquanto, porém, uma segunda e brutal onda espalha-se pelo mundo e um auxílio amplo e robusto continua a ser essencial.  Os governos deveriam permitir que a dívida pública aumente ainda mais para mitigar a catástrofe, mesmo que haja custos de longo prazo. Mas de onde poderá vir um novo crescimento, que continua morno nas economias avançadas antes da pandemia?

Macroeconomistas de todas as áreas concordam plenamente que os gastos com infra-estruturas produtivas são bem-vindos após uma recessão profunda. Há muito que compartilho desta visão, pelo menos para projectos verdadeiramente produtivos. No entanto, os gastos com infra-estruturas nas economias avançadas estão a diminuir de maneira intermitente há décadas (a China, num estágio muito diferente de desenvolvimento, é outra história). Os EUA, por exemplo, gastaram apenas 2,3% do PIB (441 mil milhões de dólares) em infra-estruturas de transporte e saneamento em 2017, uma parcela menor do que em qualquer outra altura desde meados da década de 1950 .

Talvez essa relutância em assumir o investimento em infra-estruturas esteja prestes a desaparecer. O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, prometeu torná-la uma prioridade, com forte ênfase na sustentabilidade e no combate às mudanças climáticas. O pacote de estímulo proposto pela União Europeia (UE) de 1.8 bilião de euros – que compreende o novo orçamento de 1.15 bilião de euros de sete anos e o fundo de recuperação da próxima geração de 750 mil milhões – tem um importante componente de infra-estruturas, beneficiando particularmente os estados-membros do sul, economicamente mais fracos. O ministro do Tesouro do Reino Unido, Rishi Sunak, estabeleceu uma ambiciosa iniciativa de construção de infra-estruturas de 100 mil milhões de libras (133 mil milhões de dólares), incluindo o estabelecimento de um novo banco nacional para infra-estruturas.

Dada a decadente infra-estruturas de muitos países e os custos recordes de empréstimos, a ideia parece ser muito promissora. Mas, após a crise financeira de 2008, os macroeconomistas também consideraram o argumento dos gastos com infra-estruturas como particularmente atraente. A experiência aconselha a cautelas sobre assumir um impulso significativo para o crescimento de longo prazo. Há muito que os microeconomistas, os que analisam custos e benefícios das infra-estruturas projecto a projecto, são mais cautelosos.

Por um lado, como observou o falecido economista e ex-governador da Reserva Federal dos EUA, Edward Gramlich, há um quarto de século, a maioria dos países desenvolvidos já construiu as infra-estruturas de alto retorno, desde estradas inter-estaduais e pontes a sistemas de saneamento. Embora esse argumento não seja totalmente convincente, parece haver um vasto potencial não realizado para melhorar a rede eléctrica, oferecer acesso universal à internet, descarbonizar a economia e trazer a educação para o século 21. Os macroeconomistas não deveriam ser tão rápidos em descartar tudo isso.

O argumento de Gramlich tem fortes paralelos com a tese de Robert J. Gordon de que a explosão de novas e produtivas ideias que gerou um crescimento maciço nos séculos 19 e 20 está a perder força desde os anos 1970. Alguns importantes macroeconomistas, incluindo a especialista em finanças públicas Valerie Ramey, defendem que está longe de ser óbvio que os EUA tenham um nível de capital público abaixo do ideal.

Na verdade, a Sociedade Americana de Engenheiros Civis, em 2017, concedeu à infra-estrutura dos EUA uma nota geral D + (notas que vão de D a A, sendo o A nota máxima). Mas, na medida em que essa avaliação desfavorável reflecte a realidade, provavelmente decorre mais do subinvestimento em manutenção e reparo – especialmente de pontes – do que de uma falha na construção, por exemplo, de uma ligação ferroviária de alta velocidade entre Los Angeles e São Francisco. Na verdade, os especialistas em finanças públicas concordam plenamente que, nas economias avançadas, a manutenção e reparo oferecem o maior retorno do investimento em infra-estruturas (está longe de ser o caso nas economias dos mercados emergentes, onde uma crescente classe média dedica uma parte substancial de sua receita ao transporte.)

Mesmo além da viabilidade tecnológica e o desejo de realizar, talvez o maior obstáculo para melhorar as infra-estruturas nas economias avançadas é que qualquer novo projecto normalmente exige navegar por questões difíceis como direito de passagem, preocupações ambientais e objecções de cidadãos apreensivos que representam uma variedade de interesses.

O projecto da rodovia Big Dig em Boston, Massachusetts, foi um dos projectos de infra-estruturas mais caros da história dos EUA. O esquema foi originalmente projectado para custar 2.6 mil milhões de dólares, mas a conta final ultrapassou os 15 mil milhões, segundo algumas estimativas, ao longo dos 16 anos de construção. Isso foi também o resultado da corrupção e do poder de vários grupos de interesse. A polícia exigiu pagamentos substanciais por horas extras, os bairros afectados exigiram isolamento acústico e pagamentos colaterais e a pressão para criar empregos levou ao excesso de pessoal.

A construção do metro da Segunda Avenida em Nova Iorque foi uma experiência semelhante, embora numa escala um pouco menor. Na Alemanha, o novo aeroporto Berlin-Brandenburg foi inaugurado recentemente com nove anos de atraso e com um custo três vezes maior que o inicialmente previsto.

Todos esses projectos ainda podem ter valor, mas o padrão elevado de custos que apresentam deve moderar a visão de que qualquer projecto de infra-estruturas precisa de ser vencedor numa era de taxas muito baixas. Além disso, um investimento mal planeado em infra-estruturas pode criar custos de longo prazo, desde danos ambientais a excessivos requisitos de manutenção.

O caso para aumentar os gastos com infra-estruturas num ambiente de taxas de juros baixas ainda é convincente, mas uma considerável experiência tecnocrática será necessária para ajudar a comparar projectos e fornecer avaliações realistas de custos. A criação de um banco nacional de infra-estruturas ao estilo do Reino Unido (uma ideia que o ex-presidente dos EUA Barack Obama havia proposto) é uma abordagem sensata. Sem isso, a recente explosão de entusiasmo com as infra-estruturas provavelmente será uma oportunidade perdida.

Kenneth Rogoff, professor de Economia e Políticas Públicas na Universidade de Harvard, ex-economista chefe de FMI