ANGOLA GROWING

O modelo de desenvolvimento chinês

08 Dec. 2021 Opinião

Surgem estas reflexões num momento em que a geopolítica mundial se encontra num processo de mutação acentuado com a participação crescente da China nos contextos internacionais, económicos, políticos, tecnológicos e científicos. A aceitação destes fenómenos e factos tem sido controversa e mesmo em África – onde na capital do Senegal se realizou, em 29 de Novembro de 2021, mais um Fórum China-África e para onde apoios financeiros significativos se dirigem desde há bastante tempo – a cooperação tem sido objecto de críticas. Em Angola, por exemplo, muitos empresários de topo (não necessariamente ‘top’) ligados ao poder político desvalorizam (e criticam) a importância e o interesse da cooperação com a China. Basta localizar algumas entrevistas sobre estes tópicos, bem como visualizar as redes sociais onde muitas destas críticas assentam praça, para entender que o ambiente de negócios China-Angola não se assemelha ao que já foi no passado, quando o Império do Meio resolveu atender aos pedidos de ajuda financeira de Angola para início da sua reconstrução/construção de infra-estruturas que pudessem alavancar a retoma do seu crescimento (2004 com um pacote de empréstimos nunca verificado em África e equivalente a 2000 milhões de dólares). Qual é a posição oficial actual sobre a cooperação económica, financeira e empresarial com a China? A Ministra das Finanças, em declarações públicas citadas pelo semanário ‘Mercado’ no dia 8 de Agosto de 2021, referiu que “as relações com a China são muito positivas há mais de 20 anos e o país vai continuar a apostar diariamente nesta cooperação e amizade entre os dois Estados”.

O modelo de desenvolvimento chinês

 

Ainda estão por apurar, dum ponto de vista científico, os reais e efectivos efeitos sobre o crescimento económico destes financiamentos aplicados na reabilitação de estradas, portos, aeroportos, hospitais e escolas (um tópico de pesquisa entre academias dos dois países). A certeza que por enquanto se tem é que até 2015 os dois principais factores de crescimento da economia angolana foram os investimentos públicos e as exportações de petróleo.

O que, entrementes, correu mal para que alguns empresários angolanos despeitem tanto o envolvimento dos agentes económicos e financeiros chineses em Angola? Porquê não aconteceram as parcerias empresariais entre chineses e angolanos, previstas nos diferentes acordos de financiamento (parece que 30% estariam destinados ao envolvimento de empresas angolanas de construção civil)? Aqui pode estar outro tópico de pesquisa.

No final do dia, o ponto de acumulação destas críticas e considerações negativas é a acusação da falta de qualidade das obras públicas chinesas em Angola. Crítica que se espalhou por muitos outros países com os quais Angola se relaciona. Acaba por ser uma úlcera que a cooperação chinesa carrega e que as respectivas autoridades se têm esforçado por sarar e cicatrizar através de operações de reescalonamento da dívida pública externa de Angola, incentivação ao investimento empresarial directo chinês, doações e novos financiamentos (em Dacar, a China assegurou a disponibilização de 10 mil milhões de dólares para apoio de instituições financeiras africanas).

Acusado de autoritário, centralizado e não democrático para os padrões ocidentais, o modelo chinês de desenvolvimento tem funcionado. O seu socialismo de mercado tirou da pobreza, em cerca de 10 anos, 700 milhões de cidadãos, criou uma classe média com elevado poder de compra e capacidade de investimento, inventou uma armadura tecnológica e científica que rivaliza com a dos Estados Unidos, do Japão e da União Europeia e desfruta de uma posição política internacional dominante (a liderança do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, dentro de alguns anos, pertencerá à China). Será que se pode afirmar que o custo de oportunidade da falta de democracia é a substancial melhoria das condições de vida da população? É uma questão a que só os chineses poderão responder.

O autoritarismo social que acompanha este sucesso económico é a razão mais apelativa para a localização de empresas estrangeiras em território chinês: “as empresas estrangeiras contam com o Partido Comunista Chinês para garantir uma certa ordem social que evite a ocorrência de greves e turbulências várias afectadoras da sua racional laboração”1. Provavelmente esta paz social seria insuficiente se não coincidisse com o gigantesco mercado interno (cuja dimensão aumenta com o crescimento da classe média e o respectivo poder de compra e a redução/eliminação da pobreza), mesmo para produtos de luxo (Adidas, Prada, perfumarias francesas, inglesas e americanas diversas, alimentação gourmet (Unilever), vestuário e adereços conexos, etc.).

A China domina na capacidade inovadora nos mercados que crescem mais depressa , o que lhe confere uma série de vantagens competitivas face aos países mais desenvolvidos do planeta e lhe permite vender mais depressa2 ao utilizar, com eficiência, as novas tecnologias de comunicação, como a Internet. Ainda de acordo com Francisco Louçã, as empresas chinesas “criaram plataformas de vendas que multiplicam serviços de acesso ao crédito, à informação, a actividades sociais, a entretenimento, somente pela via de um telemóvel”.

Como se passou de um comunismo castrador de liberdades individuais e sociais do tempo de Mao Zedung para um sistema político-económico libertador de iniciativas e criador de potencialidades inovadoras? O raciocínio dialéctico pode ajudar: TESE COMUNISMO (MAO ZEDUNG) > ANTÍTESE CAPITALISMO > SÍNTESE MODELO CHINÊS DE SOCIALISMO DE MERCADO. É evidente que existem afloramentos de capitalismo na China (de Estado e privado, a propriedade privada de meios de produção e de outros activos individuais ou familiares existe), mas a transição ou as transições  para o modelo actual, ainda que conseguidas com base na centralização do poder político e na planificação rígida da afectação de recursos, funcionaram da melhor maneira, colocando o país como a segunda maior potência económica, financeira, tecnológica e científica do mundo. Em pouco mais de 50 anos. Angola está há quase 50 anos sob a presidência económica e política do MPLA e nenhum dos feitos conseguidos pela China se encontram sequer aflorados. Os anos de guerra civil (27 entre 1975 e 2002) nem sequer foram aproveitados para se instalarem alguns dos fundamentos de uma “economia de guerra” que pudesse ter contribuído para a instalação duma indústria pesada (com investigação associada) destinada a produzir alguns equipamentos militares. Quando os países não dispõem de uma indústria pesada (para a instalação da qual Angola dispõe de recursos naturais) dificilmente diminuirão a sua dependência do exterior e poderão criar núcleos fortes de investigação científica. A opção foi a da criação duma burguesia nacional (à sombra do Estado e do Partido), que continua a gravitar na órbita do Governo, de quem esperam facilidades várias para desempenharem uma actividade eminentemente privada.

Afinal o Fim da História não está próximo. Esta Teoria foi iniciada no século XIX por Hegel (enorme filósofo alemão) e retomada no último quartel do século XX, no contexto da crise das ciências sociais no geral. Francis Fukuyama (funcionário do Departamento de Estado norte americano) retoma esta problemática no seu livro The End of History (1989) para defender que a História da Humanidade deixará de o ser depois da implantação e desenvolvimento da social-democracia e do sistema liberal. Para além disto, na sua visão, nada mais existirá. Trata-se, na verdade, de uma tese quase catastrófica, porque outros sistemas de organização económica, social e política são possíveis, como o demonstra justamente o modelo chinês. O materialismo histórico ajuda a compreender a extraordinária capacidade de transformação da humanidade.

Alves da Rocha

Alves da Rocha

Economista e director do CEIC/UCAN