ROBERT MAXWELL

Pobre refugiado, ‘imperador’ ?da imprensa, visionário e arrogante

18 Jul. 2016 Emídio Fernando Gestão

COMUNICAÇÃO. Escapou aos campos nazis, foi militar e ajudou a derrubar os alemães na segunda guerra. Chegou a ser um deputado ‘bem-falante’, mas destacou-se nos negócios. Construiu um ‘império’ na comunicação social em que foi um visionário e quase teve o mundo a seus pés. Viveu como um herói de um filme.

Há um lugar-comum que assenta que nem uma luva a Robert Maxwell: ‘A vida dele dava um filme’. E dava. Não há ingrediente que falte a um bom argumento na biografia de um homem que dominou o mundo da comunicação social, pelo menos, no Reino Unido e nos EUA e com ramificações em vários sectores e países. O argumento tem amor, aventura, dinheiro, mistério, intriga, traição e até uma estranha morte que abriu todas as especulações. E pode-se começar por aqui: pela morte. Robert Maxwell foi encontrado morto a 5 de Novembro de 1991, aos 68 anos, no seu iate de luxo perto das Canárias. Correu de imediato o rumor de que se teria suicidado por causa das dívidas e para travar uma iminente investigação aos seus negócios. Logo a seguir, chegou a intriga internacional, com um antigo agente da Mossad a garantir que Maxwell era um colaborador dos serviços secretos israelitas.

No amor, prometeu, ainda quando cortejava a mulher, nascida em França, que iria construir uma grande fortuna, criar uma família, ser deputado e primeiro-ministro e fazê-la feliz até ao fim dos dias dele. De acordo com o seu biógrafo, Joe Haines, só falhou no cargo de chefe de governo. Mas criou uma fortuna que lhe deu mais poder do que o do primeiro-ministro.

Nascido na antiga Checoslováquia, de origem judia, juntou-se à Legião Francesa, com mais de quatro mil checos, para combater a Alemanha de Hitler. Quando a França ‘caiu’, foi para o exército britânico, participou no ataque à Normandia, mudou de nome para Ian Robert Maxwell e ganhou o posto de capitão e uma Cruz Militar por heroísmo.

A aventura deu lugar à construção de uma carreira sólida no mundo empresarial. Ganhou prestígio e contactos no exército que lhe proporcionaram a criação de uma editora de trabalhos científicos. Pouco tempo depois, comprou outra editora, a Pergamon Press. Esta rapidamente tornou-se a base da fortuna. Daqui nasceu o primeiro ‘império’ na comunicação, mas ligado à publicação de obras científicas, especialmente soviéticas que depois eram traduzidas.

A vida empresarial ia sendo paralela à política. Em 1964, foi eleito deputado pelo Partido Trabalhista, mas, seis anos depois, acabou derrotado por um conservador. Durante esse tempo, granjeou a fama de ser bem-parecido, bem-falante, com opiniões fortes, mas arrogante. Contudo, representava uma contradição para os trabalhistas: era demasiado rico. Além disso, já era patrão e facilmente entrava em divergências com os sindicatos. E ainda tinha o paradoxo de, apesar da nacionalidade inglesa, ser visto como estrangeiro.

Na década de 1980, deu o salto decisivo no mundo dos negócios, deixando para trás disputas violentas com sócios e polémicas com a política. Arriscou comprar a maior gráfica da Grã-Bretanha, quase falida e com greves e problemas com equipamentos. Foi essa porta de entrada para a comunicação: comprou o grupo que detinha o jornal Daily Mirror e destacou-se por imprimir uma nova dinâmica tecnológica. Antes, tinha investido mais de 2,5 mil milhões de dólares na compra da maior editora europeia, a MacMillan. Depois, adquiriu o canal MTV por 500 milhões de dólares. Nascia assim a MCC (Maxwell Communication Corporation) que lhe permitiu entrar nos EUA, chegando a deter a segunda maior gráfica daquele país. Já tinha adquirido entretanto os jornais Globe, Sun e National Enquirer que quis que fossem vendidos em supermercados. A originalidade permitiu-lhe acrescentar ao grupo o tablóide Daily News, de Nova Iorque. Ao mesmo tempo, lançava o European, um jornal distribuído por toda a Europa.

Ainda lhe sobrou tempo para investir num clube de futebol de escalões inferiores, o Oxford United, que chegou a subir à primeira liga e vencer uma Taça de Inglaterra.

No entanto, como num filme, veio a tragédia. Começou com a falência do clube e depois a crise dos jornais, que afectou toda a imprensa internacional. O carismático empresário não escapou às polémicas com notícias, que o apontavam como traficante de armas. Desfez-se dos seus fiéis directores e administradores e entregou a condução dos negócios aos cinco filhos, dos sete, que teve com a única mulher da vida dele. Na hora da morte, já se adivinhava que estaria falido em pouco tempo. Mesmo assim, ainda beneficiou de uma intervenção do governo britânico que lhe permitisse salvar o ‘império’. Investiu em fundos de pensões, arrastando com ele muitos pensionistas que acabaram por ficar quase a zero. Quando morreu, analistas financeiros londrinos e de Wall Street calculavam que as dívidas já rondavam os cinco mil milhões de dólares. Mesmo assim, o ‘império’ ainda tinha 20 mil empregados.

Nasceu pobre, morreu num iate de luxo, deixou amigos no mundo empresarial e entre muitos líderes mundiais, incluindo antigos dirigentes dos países socialistas. No último dia de vida, confessou ao filho, por telefone, que se estava a preparar para mais um combate: processos contra quem andava a escrever, nos jornais, “mentiras grosseiras”.