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Quando se altera a genética dos alimentos

SEGURANÇA ALIMENTAR. Crises climáticas e maximização da produção e do lucro são as principais razões que levam países a optar pelo cultivo e consumo de produtos cujas sementes são alteradas em laboratórios. Procedimento está longe de ser consensual. Tudo aponta que Angola os produza.

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Em 2014, a União Africana (UA) declarou aquele o ano da Segurança Alimentar, uma medida que visava erradicar a fome no continente até 2025 mediante a adopção de uma série de políticas e procedimentos a aplicar pelos Estados-membros. Uma das soluções em consideração degenerou logo em controvérsia, pois consistiria no uso massivo de alimentos produzidos a partir de sementes geneticamente modificadas, metidos, entretanto, que especialistas classificam como perigoso para a saúde humana.

A organização continental estima que cerca de 223 milhões de pessoas no continente sofram de malnutrição severa originada por períodos prolongados de estiagem ou de cheias. Esse cenário de crise social profunda levou a que vários chefes de Estado apelassem à adopção de cultivos à base de sementes modificadas em laboratórios, procedimento em voga nos países ocidentais, mas encarado com reservas. Numa conferência sobre agricultura, realizada em 2012, 24 estadistas concordaram em permitir o uso desta opção nos seus respectivos países.

Tratou-se de uma decisão política altamente controversa que a maioria dos subscritores não implementa, pois encontraram resistências a nível de vários sectores sociais e produtivos. Na África Austral, região em que Angola se insere, apenas a África do Sul adoptou e implementa o uso comercial de sementes alteradas a partir da sua genética. Outros são o Sudão, o Egipto e o Burkina Faso.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica alimentos geneticamente modificados os produtos agrícolas ou animais cuja estrutura genética natural tenha sido alterada em laboratório, processo durante o qual se introduzem na semente os genes de outros organismos. Os propósitos são vários, sendo o mais comum o de tornar a semente, planta ou animal resistente a condições adversas, como doenças e condições climáticas.

A resistência a esta variante do cultivo de produtos agrícolas assenta, sobretudo, em receios de que a mesma destrói a agricultura de subsistência, enquanto biologistas apontam os riscos da criação de monoculturas (domínio de uma única espécie), que destruiriam a biodiversidade decorrente da sua maior exposição a falhas. Ou seja, se um único cultivo se tornar vulnerável a uma peste ou micro-organismo, não haveria outras variedades para substituir.

No caso de animais, a modificação genética ocorre através da injecção de hormonas que aceleram significativamente o seu crescimento. Os frangos são disso exemplo.

Por exemplo, o Instituto de Tecnologias Responsáveis, uma ONG internacional que se dedica a pesquisas sobre o impacto das tecnologias para os seres humanos, aponta 65 riscos decorrentes do cultivo e consumo desses alimentos. No geral, classifica-os de nocivos para a saúde, em particular de crianças e recém-nascidos.

Os Estados Unidos lideram o cultivo e consumo de produtos nessa condição. Segundo o Instituto de Tecnologias Responsáveis, 92% do milho e 94% da soja crescem à base de organismos injectados nas sementes com o propósito de as alterar “e torná-los mais resistentes e saborosos”.

A realidade em Angola

Faltam informações fiáveis sobre o cultivo ou consumo de alimentos geneticamente modificados em Angola. Entretanto, em recentes declarações à rádio LAC, o director do Instituto de Desenvolvimento Agrário, organismo afecto ao Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (Minader) informou que Angola tem importado “sementes melhoradas” de alguns países da região. Trata-se do Zimbabue, Zâmbia e África do Sul, este último o único que permite o cultivo e consumo de “alimentos de laboratório”.

“Este ano, teremos a disponibilidade de sementes melhoradas que serão usadas pelas famílias camponesas e produtores no geral. Isto levará ao aumento da produção”, referiu David Tunga.

“Sementes melhoradas” é outra designação de sementes alteradas em laboratórios. Contactado pelo VALOR, o responsável sénior do Minader recusou-se a esclarecer.

Outra fonte do VALOR alerta , entretanto, para a possibilidade de vários produtos comercializados localmente resultarem de sementes modificadas geneticamente. “Existe a ideia de que o produto nacional é melhor e mais seguro. Realmente é. Mas Angola pode estar já a consumir vários alimentos com a genética alterada”, referiu.

O especialista citou o exemplo de alguns produtos cujo tamanho e forma indicam fortemente esta possibilidade. “Não é possível termos pimentões, laranjas ou tomates tão grandes produzidos a partir de métodos apenas naturais”, observou. Alcides Caspe, do Minader, fala a respeito em entrevista neste dossier.