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Uma OMC a trabalhar para África

23 Sep. 2020 Opinião

A disputa para suceder a Roberto Azevedo no cargo de director-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) entrou numa nova etapa crucial, com a primeira ronda de votações. Três dos oito candidatos são africanos: a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, ex-ministra das Finanças da Nigéria; a queniana Amina Mohamed, ex-directora do Conselho Geral da OMC; e o egípcio Abdel-Hamid Mamdouh, ex-funcionário da OMC.

Os africanos alimentam a esperança de que um destes três candidatos, altamente competentes, sairá vitorioso quando for anunciado o vencedor em Novembro. Porém, quem eventualmente prevaleça - três dos oito candidatos serão eliminados depois da primeira ronda -, África precisa de exigir igualdade de tratamento por parte da OMC.

O comércio é vital para o desenvolvimento de África e também para gerar empregos, de forma a absorver os 17 milhões de jovens que entram na força de trabalho todos os anos. Contudo, durante muito tempo, as regras do comércio global têm deixado o continente apenas com as sobras.

Nestes 25 anos da OMC, desde que esta substituiu o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, na maior parte do tempo, a organização fracassou no foco no desenvolvimento. Em vez disso, a OMC tem beneficiado, em grande parte, os seus principais arquitectos: países que já estavam industrializados ou que, de algum modo, estavam em posições fortes.

As regras globais de comércio não levaram em conta as circunstâncias do mundo em desenvolvimento. Apesar dos enormes volumes de comércio - e lucro - gerados pela globalização, a participação de África no comércio global desde 1970 vem a cair de 4,4% para os 2,7%. Isto deve-se, em parte, ao facto de que restrições vinculativas do lado da oferta têm limitado, em grande parte, as exportações de África a recursos naturais e mercadorias primárias. Contudo, as regras comerciais injustas também vêm a enfraquecer o crescimento do comércio externo de África em sectores onde a região poderia beneficiar de uma vantagem comparativa.

Para começar, as barreiras persistentes de importação nas economias desenvolvidas - inclusive escalas de tarifas e padrões rigorosos para produtos finais – têm limitado a capacidade de ascensão de África nas cadeias de valor.

As regras em mutação são outro obstáculo à integração efectiva de África na economia global. Em particular, as economias desenvolvidas não permitem que países em desenvolvimento adoptem políticas industriais que eles próprios usaram para transformar as suas estruturas produtivas e diversificar as suas exportações. O economista Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge, descreve este fenómeno como os países ricos que "chutam a própria escada que os colocaram no topo".

Porém, talvez a acusação mais séria contra o sistema da OMC esteja ligada aos subsídios agrícolas que os governos de países desenvolvidos oferecem, à custa de milhões de agricultores mais pobres de África. Estes subsídios não só deprimem os preços de alimentos no mundo, tornando difícil para os agricultores africanos competir, como também levam a um excesso de produção despejado nos mercados africanos, o que acaba com a indústria local, ameaçando assim a segurança alimentar.

O regime comercial mundial actual é a causa do défice da balança de pagamentos e da dívida externa cada vez maior dos países africanos, além de ser o principal motivo da pobreza inter-geracional e das pressões migratórias. Encorajados pelo seu sector privado próspero, os africanos hoje pedem um comércio justo, não querem socorro.

Um número crescente de empreendedores e industriais africanos lidera a transformação económica do continente, auxiliado por instituições financeiras locais como o Banco Africano de Exportações e Importações (Afreximbank, em inglês). Por exemplo, Aliko Dangote, um dos industriais mais bem-sucedidos de África e um 'campeão do comércio' no Afreximbank, está a fazer a sua maior aposta até hoje com a construção de um complexo petroquímico de 15 mil milhões de dólares próximo de  Lagos, na Nigéria, que deverá integrar uma das maiores refinarias de petróleo do mundo.

Os mercados africanos vão ser suficientemente grandes para apoiar uma industrialização em grande escala uma vez que a Área do Comércio Livre da África Continental - maior bloco comercial do mundo em número de países participantes – comece a vigorar a partir de Janeiro de 2021. Com uma mão-de-obra relativamente barata, África poderá tornar-se uma 'Meca' de investimentos e, com o tempo, um exportador líquido de produtos e mercadorias industrializados.

O sector privado está muito ciente destas oportunidades. Mas, uma pesquisa encomendada pelo Comité de Comércio e Investimento do Sector Privado Panafricano, com mais de 200 CEO africanos - entre eles, líderes de empresas multimilionárias, 'startups' e outras empresas em rápida ascensão – revelou um consenso claro sobre a necessidade de reformar a OMC. Além disso, a maioria daqueles que relataram que o comércio é um importante factor de crescimento também destaca que as práticas comerciais injustas impõem graves restrições à expansão das suas empresas.

Apesar destes problemas, instituições de financiamento do desenvolvimento ajudam a movimentar a transformação económica de África. Por exemplo, o Gana e a Costa do Marfim produzem mais de metade do cacau do planeta, mas até recentemente respondiam por menos de 10% do mercado mundial de cacau processado. A Iniciativa do Cacau do Afreximbank permitiu aos dois países capturar uma parcela maior da cadeia de valor. Hoje, a Costa do Marfim, maior produtor de cacau do planeta, está efectivamente a disputar com a Holanda o topo de maior processador.

África é hoje um 'player' mundial maduro, com um sector privado pronto para conduzir o desenvolvimento e tomar o seu devido lugar ao lado de empresas das economias mais desenvolvidas. Tudo o que se pede é que a OMC remova as barreiras artificiais e entraves desfavoráveis que impedem os africanos de libertar as suas energias criativas e produtivas.

Um sistema global mais justo, mais igual e mais acessível tem de estar no topo da agenda de reformas do próximo director-geral. Uma OMC à altura de seu propósito também poderá permitir aos governos de países em desenvolvimento, mas mais pequenos,  agir em nome dos sectores privados sem medo ou favorecimento.

África vai apoiar o sucessor de Ricardo Azevedo, contando que a OMC sirva África do mesmo modo que serve o resto do mundo.

 

Hippolyte Fofack, Economista-chefe do African Export-Import Bank (Afreximbank)

Pat Utomi, Presidente do Comité Pan-Africano de Comércio e Investimento