Helle Thorning Schmidt

Helle Thorning Schmidt

Quando visitei o campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia, no início deste ano, encontrei crianças que me disseram o que significa educação para elas. Para os jovens sírios que foram forçados a deixar as casas e perderam tudo, a educação é mais do que a simples qualificação ou resultados dos testes: encarna a esperança no futuro.

Crianças como aquelas em Zaatari – e milhões de outras pelo mundo – são fundamentais para o trabalho da Comissão Internacional sobre o Financiamento e Oportunidade para uma Educação Global, que integro desde Setembro do ano passado. Esta comissão está comprometida com o quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que visa, em 2030, “garantir a educação inclusiva de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.”

Esse objectivo ainda é uma perspectiva distante para muitas crianças. Com tantas questões de desenvolvimento a exigir a nossa atenção, os formuladores de políticas devem ter em mente que a educação não é apenas um bem em si mesmo; é também um catalisador para muitas outros ganhos de desenvolvimento.

Como diz um velho provérbio africano, “quando educas uma menina, educas uma nação inteira”. Garantir o acesso à educação de qualidade, especialmente para meninas, leva a menos casamentos de crianças, menos trabalho infantil e menos exploração. A educação tem benefícios sociais a longo prazo: além de um maior envolvimento político, as crianças educadas contribuem com capital intelectual na procura de soluções empresariais. Quando crescerem, são elas que vão impulsionar o crescimento económico.

Enfrentar o desafio da educação deve começar a partir de dois princípios interligados. Em primeiro lugar, temos de nos concentrar nas crianças que foram deixadas para trás. Milhões de crianças estão fora da escola ou recebem uma educação abaixo do padrão por serem quem são e por viverem onde vivem. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, as crianças refugiadas são cinco vezes mais propensas a estar fora da escola do que as outras crianças dos países para os quais foram deslocadas. Nos países africanos, as meninas têm menos possibilidades de completar uma educação primária do que os rapazes. Criar uma escolaridade verdadeiramente acessível e relevante para todos exige novas abordagens que incidam nas razões para essa exclusão.

Em segundo lugar, a ‘qualidade: a educação deve ser eficaz para que as crianças realmente aprendam. Para os 61 milhões de crianças, que não frequentam a escola primária, a educação formal está fora de alcance. Mais de um terço das crianças em idade escolar primária - 250 milhões - não aprende o básico, de acordo com o Relatório de Monitoramento Global da UNESCO, ‘Educação para Todos’. Mas metade destas crianças frequentam a escola, pelo menos, durante quatro anos. Temos de enfrentar as barreiras à aprendizagem, tanto na sala de aula como em casa, através da melhoria da qualidade das condições de ensino e de sala de aula e ensinar aos pais como podem apoiar a educação dos filhos.

Manter estes dois princípios exige um maior investimento. No ano passado, a UNESCO calculou que os governos devem dobrar os gastos com a educação para alcançar os objectivos traçados para 2030. Isso exige ter um aumento de receitas provenientes dos impostos, fazendo mais esforços para recolher o que for preciso.

Os doadores também precisam de viver de acordo com os compromissos de ajuda, escolhendo quem devem auxiliar de uma forma mais eficaz. Por exemplo, menos de um terço da ajuda à educação vai para África, embora a região seja responsável por quase dois terços das crianças que se encontram fora da escola. Além disso, actualmente, os orçamentos da educação são muitas vezes regressivos, com quase metade dos gastos dos países mais pobres a serem alocados aos 10% da população mais educada.

O investimento em educação requer uma acção em duas áreas-chave. Em primeiro lugar, precisamos de financiamentos justos, com mais investimentos nos cuidados na primeira infância, na qual existe maior potencial de retorno. Os orçamentos devem ser focados nas crianças mais excluídas e a educação primária deve ser livre de modo a que cada criança possa aprender. Precisamos também, urgentemente, de mais transparência e responsabilidade, de modo a que os orçamentos sejam visíveis e as comunidades tenham uma palavra a dizer na gestão das escolas.

Em segundo lugar, precisamos de fortalecer os sistemas de ensino nacionais para que os governos garantam escolas acessíveis, de qualidade, para os seus cidadãos, em vez de abdicar desse papel de serem agentes do desenvolvimento. Em particular, devemos incentivar as parcerias entre governos e empresas, com um aumento de recursos nacionais para a educação e eliminando os fluxos de capitais ilícitos, como a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro através das fronteiras nacionais, que privam os governos de ter meios para a financiar.

Com estas prioridades em mente, a Comissão de Educação vai entregar as suas recomendações na Assembleia Geral da ONU a 18 de Setembro. A Comissão de Educação será bem sucedida se for capaz de alavancar o financiamento e a vontade política para garantir que cada criança aprenda, independentemente do seu rendimento, localização ou ‘status’ social. O nosso trabalho não estará completo até que isso aconteça.

 

ex-primeira-ministra da Dinamarca, directora-executiva da ONG ‘Save the Children’ e membro da Comissão Internacional sobre o Financiamento e Oportunidade para uma Educação Global.