‘África negra’ regista queda mais baixa das duas últimas décadas
ANÁLISE. Crescimento da África Subsariana continuará a ficar muito abaixo das tendências passadas que rondavam entre os 5% e 6% e apenas ligeiramente acima da taxa de crescimento da população. O último relatório do FMI sobre a região saiu no início deste Maio.
Em vésperas da celebração do Dia de África, a assinalar-se no próximo 25 de Maio, o VE faz uma incursão à actualidade da cena económica no continente. Na África Subsariana, mais especificamente, há indicadores optimistas para alguns países, como o Senegal e o Quénia que continuam a crescer acima dos 6%. No entanto, de uma forma geral, o crescimento na região caiu para o nível mais baixo registado em duas décadas, segundo o mais recente relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre as perspectivas económicas regionais, divulgado no início deste mês.
O documento reporta que o crescimento abrandou em dois terços nos países da região, sendo de destacar Angola, que teve um crescimento quase nulo, Nigéria (-1,5%), África do Sul (0,5%), Namíbia (0,5%), entre outros, o que fez com que, no final de contas, o crescimento médio anual da região caísse para 1,4% em 2016. Apesar deste quadro, o FMI acredita numa “recuperação modesta” do crescimento em 2017, para 2,6%, mas, no relatório, a instituição do Bretton Wood refere que o ritmo do crescimento regional permanece fraco, um cenário que, a persistir, deverá manter o crescimento da África Subsariana muito abaixo das tendências passadas que rondava entre os 5% e 6%, e apenas ligeiramente acima da taxa de crescimento da população.
Os países exportadores de matérias-primas, como Angola e a Nigéria, foram os mais atingidos pela nova onda de abrandamento económico na chamada ‘África negra’, mas a ‘hecatombe’ não poupou também os países da Comunidade Económica e Monetária da África Central (CEMAC), composto pelos Camarões, Gabão, Guiné Equatorial, Congo, República Centro-Africana e o Chade que, no entanto, fecharam o ano passado com um crescimento médio de 3,7%.
Embora conclua que muitos países tenham sofrido os efeitos de um choque substancial dos preços das matérias-primas, o FMI aponta também para o “ajustamento insuficiente” das políticas como uma das causas do abrandamento generalizado do crescimento na região da África Subsariana.
“Os atrasos na aplicação de políticas de ajustamento de importância crítica estão a provocar o aumento da dívida pública, criar incertezas e adiar os investimentos, e ameaçam gerar dificuldades ainda mais graves no futuro”, concluem os analistas da instituição. Entretanto, segundo ainda o FMI, as vulnerabilidades estão também a emergir nos países cujas exportações não são fortemente dependentes das matérias-primas, como são os casos da Costa do Marfim, Quénia e Senegal.
Embora estes países tenham mantido taxas de crescimento elevadas na generalidade, na ordem dos 6%, já há vários anos registam grandes défices orçamentais, “à medida que os seus respectivos governos procuram, acertadamente, colmatar os défices sociais e de infra-estruturas”. A consequência actual, porém, é a elevação da dívida pública e dos custos de endividamento.
CONJUNTURA EXTERNA DESFAVORÁVEL
O relatório ressalta, por outro lado, que, embora a conjuntura externa se tenha tornado mais favorável recentemente, deverá proporcionar um apoio apenas limitado. Segundo os analistas do FMI, as melhorias recentes nos preços das matérias-primas oferecem alguma margem de manobra, mas não o suficiente para abordar os desequilíbrios existentes nos países intensivos em recursos.
“Os preços do petróleo, por exemplo, deverão continuar muito abaixo do nível máximo registado em 2013. Da mesma forma, a despeito da sua tendência decrescente desde o início de 2016, os custos financeiros ainda são mais altos nas economias de fronteira da região do que nos outros mercados emergentes”, refere o documento, salientando que estes poderiam sofrer um novo aperto num contexto de abrandamento da política orçamental e normalização da política monetária nos Estados Unidos.
As perspectivas são também ‘obscuras’ devido à incidência de secas, pragas e problemas de segurança, segundo o relatório que, embora reconheça que o impacto da seca que atingiu parte da África Austral em 2016 se esteja a dissipar, alerta que a insegurança alimentar parece estar a crescer em partes da África Austral e Oriental que sofrem os efeitos de secas e pragas. E destaca ainda, como mais grave, a situação de fome decretada no Sudão do Sul e a que está iminente no nordeste da Nigéria, em consequência de conflitos passados e presentes.
AS REFORMAS NECESSÁRIAS
Para o director do departamento de África do FMI, Abebe Aemro Selassie, nos países mais duramente atingidos, a consolidação orçamental é “urgentemente necessária” para estancar o declínio das reservas internacionais e contrabalançar as perdas permanentes de receitas.
O responsável afirma, no entanto, que, nos países em que o crescimento ainda é vigoroso, será importante abordar as vulnerabilidades emergentes a partir duma posição de força. “A segunda prioridade é abordar as debilidades estruturais para apoiar o reequilíbrio macroeconómico. São necessárias medidas estruturais para garantir uma posição orçamental sustentável e contribuir para um crescimento mais duradouro, através de melhorias na arrecadação de impostos, reforço da supervisão financeira e solução das debilidades de longa data no ambiente de negócios que impedem a diversificação económica”, defendeu.
Uma segunda prioridade, de acordo com Abebe Aemro Selassie, deve ser o reforço da protecção social aos mais vulneráveis, tendo referido ainda que o actual ambiente de baixo crescimento e intensificação dos desequilíbrios macroeconómicos ameaça reverter os progressos recentes na redução da pobreza.
“Os programas de protecção social existentes são, muitas vezes, fragmentados, mal direccionados e cobrem uma parcela reduzida da população”, assinalou, realçando que o mais recente relatório do FMI sobre a África Subsariana sugere que os recursos poupados com a eliminação de mecanismos generalizados e mal direccionados, como os subsídios aos combustíveis, poderiam ser empregados para amparar os grupos vulneráveis.
Os louros do passado
Nos últimos 15 anos, segundo ainda o BM, África atingiu “níveis impressionantes” de crescimento económico, tendo o crescimento médio do PIB mais do que duplicado, passando de uma percentagem pouco acima dos 2% nas décadas de 1980 e 1990, para mais de 5% no período entre 2001 e 2014.
Até 2015, África, no seu todo, atingiu um crescimento económico de 3%, acima de 2,5% que foi a média registada pela larga maioria das restantes regiões do mundo.
Neste mesmo ano, a África subsariana (excluindo a África do Sul) cresceu mais rapidamente do que a média continental, de 4,2%, com a África Oriental a liderar com uma taxa de 6,3%. O crescimento da África Central, do Norte de África e da África Ocidental situou-se acima de 3%, enquanto a África Setentrional cresceu a um ritmo médio de 2,2%.
China lidera investimentos
O investimento chinês em África aumentou drasticamente, tornando o país o maior contribuinte ao capital do investimento directo estrangeiro (IDE) e empregos no continente em 2016, segundo o último relatório Atractividade da África divulgado pela Ernst&Young (EY).
Desde 2005, a China investiu em 293 projectos de IDE em África com um investimento total de 66,4 mil milhões de dólares, criando 130.750 empregos, segundo o relatório.
O IDE em África aumentou progressivamente entre 2007 e 2013, refere outro relatório do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) de 2016. Em 2014, contudo, o IDE apresentou uma queda, atingindo o valor de 49.4 mil milhões de dólares, tendo, contudo, apresentado uma recuperação em 2015, ano em que chegou ao valor de 57.5 mil milhões de dólares, segundo os dados do FMI.
O BAD refere que o continente africano atraiu também investimentos de países industrializados como os Estados Unidos, a França, o Reino Unido, bem como de economias emergentes, como a África do Sul, os Emirados Árabes Unidos e a Índia. O investimento, segundo o BAD, continua a ser maioritariamente direccionado para os países ricos em recursos naturais, mas os países pobres em tais recursos estão a tornar-se mais atractivos. O sector extractivo, as infra-estruturas e as indústrias orientadas para o consumo são os sectores mais atractivos para o IDE.
Disparidades na África do Norte
No norte de África continuam a verificar-se grandes disparidades na situação macroeconómica, segundo um outro relatório sobre as perspectivas económicas de África, produzido pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), o Centro de Desenvolvimento da OCDE e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no ano passado.
Na Líbia, a ruptura da produção petrolífera, a incerteza e os actuais conflitos políticos originaram sérios problemas para a economia, em 2015, com impacto no crescimento do PIB real. Ainda assim, os analistas do FMI preveêm que o país registará um dos maiores crescimentos a nível mundial, este ano, na ordem dos 3,7%.
Na Argélia, o crescimento manteve-se estável, na ordem dos 1,7%, graças a uma recuperação da produção de petróleo. Marrocos, que este ano deverá crescer 3,3%, regista, desde 2015, o maior crescimento de base alargada na região, apoiado quer do lado da procura – pelo consumo privado e pelo investimento – quer do lado da oferta – pelo sector da construção e pela agricultura, que beneficiou de boas condições climatéricas e de investimentos anteriores na irrigação.
O turismo foi afectado pelos problemas de segurança na região, mas a uma escala muito menor do que na Tunísia. No Egipto, verificou-se um reforço do crescimento, com a estabilização do cenário político e a melhoria da confiança empresarial. O aumento dos salários e dos gastos sociais contribuiu para o consumo, tendo havido também um crescimento do investimento.
Do lado da produção, o sector dos serviços foi o motor do crescimento, embora o turismo tenha sido novamente afetado por preocupações de segurança.
Os planos de reformas económicas e de megaprojetos actualmente existentes devem contribuir, se totalmente executados, para fortalecer mais a economia.
A Tunísia registou um crescimento modesto em 2015, motivado pelas boas colheitas, mas com fraca produção noutros sectores. Os sectores mineiro e industrial foram negativamente afectados pelo fraco volume de exportações e do turismo, o qual tinha já começado a recuperar gradualmente mas voltou a cair após os ataques terroristas.
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