“Angola é um dos países em que tivemos de desacelerar os nossos novos empréstimos”
Representante do BAD traça elogios a Angola pela forma como tem lutado pela diversificação económica. Optimista, acredita que as economias africanas têm condições para superar o impacto da covid-19, mas alerta que deveriam "dar uma empurrada" à tentação fiscal e não apoia perdão de dívidas aos países por acarretar pouca confiança.
Recentemente, o BAD foi eleito a melhor instituição financeira do mundo. O que representa para a instituição?
É um grande reconhecimento da visão e trabalho que o nosso presidente, Akinwumi Adesina, fez depois de ser eleito em 2015. Também representa um apoio muito forte dos nossos 81 accionistas e especialmente o grande apoio dos nossos governos regionais, incluindo o de Angola. É também um reconhecimento do trabalho dos funcionários. Receber este prémio num ano particularmente complicado para o continente africano, com grandes desafios que a pandemia trouxe em todo o continente, deixa-nos muito orgulhosos. O mais importante é que fortalece a reputação do banco.
Como estão preparados para os desafios?
O banco definiu como contribuição para o desenvolvimento de África cinco áreas prioritárias, os 'High 5': Iluminar África, apoiar o acesso universal à energia; Alimentar África, transformar a agricultura para que África seja um exportador líquido de produtos agrícolas; Industrializar África, duplicando o PIB industrial; Integrar África, acelerar o comércio com base na industrialização, harmonização dos procedimentos e regulamentos, além de investir nas infra-estruturas visíveis (estradas e comércio de energia). O grande acontecimento do ano passado foi a assinatura da Zona de Livre Comércio. A quinta prioridade é melhorar a qualidade de vida, que inclui o acesso a serviços, mas também investir na população para que possa competir nos mercados de trabalho.
O que está define para alcançar estas metas?
Há um plano operacional de reformas internas para descentralizar a estrutura do BAD. Está a ser implementado para colocar mais peritos nos países onde estamos inseridos. Há reformas em termos de políticas e financiamento, mas também há reformas internas na gestão de recursos humanos e administrativos. Em 2020, tivemos um grande voto de confiança dos nossos accionistas com o aumento histórico do capital do BAD que passou de 93 biliões para 208 biliões de dólares.
A pandemia trouxe um desafio maior para as instituições financeiras multilaterais...
O ano 2020 foi bastante complicado. O banco mobilizou 10 biliões de dólares imediatamente para um programa de apoio em resposta à covid em África. Fomos para os mercados financeiros para emissão da maior obrigação social - nunca emitida por um banco multilateral - de três biliões de dólares. Foram mobilizados num mês, para financiar uma parte dos 10 biliões.
O que é que o banco já tem disponível para alavancar os cinco desafios?
Todos os recursos vão ser dedicados a essas cinco áreas. O BAD tem uma taxa de investimento de, mais ou menos, nove biliões de dólares por ano.
Para Angola estão previstos novos reembolsos?
Temos de distinguir duas coisas. A aprovação dos projectos e o desembolso. A aprovação é um compromisso do BAD de financiar uma certa actividade. O desembolso acontece enquanto as actividades vão sendo implementadas. O ano passado foi assinado o maior programa do BAD em Angola. É um projecto muito importante, o de eficiência e expansão do sector energético, com acções que somam 530 milhões de dólares. Este projecto tem como objectivo fazer a interligação das linhas de transmissão entre o centro e o sul de Angola. Adicionalmente, o BAD tem um projecto de tamanho significativo de 101 milhões de dólares para o desenvolvimento das cadeias de valor agrícola de Cabinda, assinado em 2018. O desembolso depende do ritmo de implementação dos projectos. Desembolsa-se bastante devagar no começo porque estamos a organizar as equipas, fazer concursos de aquisições. Depois acelera-se quando entramos na fase mais concreta de implementação.
Mas já houve desembolsos. Quais são as taxas?
Os desembolsos ainda se encontram com uma taxa relativamente baixa, porque estamos a organizar as equipas de trabalho. No próximo ano, vamos acelerar bastante a implementação. Estamos sempre em comunicação com o Governo e com as agências implementadoras no sentido de ver como podemos ultrapassar qualquer assunto para acelerar os desembolsos.
O BAD tem alguma linha direccionada para o sector privado?
Podemos financiar directamente o sector privado e, sendo uma entidade de capital AAA, podemos aprovisionar capitais a custos bastantes interessantes. Podemos dar períodos de carência bastante interessantes, cerca de cinco anos e prazos para o reembolso que podem chegar até aos 15 anos. O desafio no engajamento com o sector privado é, primeiro, o tamanho. Somos uma entidade com vasta disponibilidade de capital, mas com equipas bastantes pequenas. Para um investimento mínimo do BAD de 10 milhões de dólares, nós investimos até um terço do custo dos projectos. São projectos de 30 milhões de dólares ou mais. E o que encontramos, especialmente nos PALOP, são projectos um pouco abaixo.
Este é o único desafio?
O outro desafio é a qualidade da preparação do projecto. Para mantermos nota de crédito AAA, precisamos de um certo nível de qualidade dos projectos que, infelizmente, algumas vezes não se encontram, porque o sector privado é bastante jovem e com pouca experiência na relação com instituições multilaterais. Trabalhamos com instituições financeiras locais, que conhecem o mercado e têm a presença territorial para fazer empréstimos de valores mais baixos. Por exemplo, foi aprovada uma linha de crédito para o Banco Millennium Atlântico de 40 milhões de dólares que esperamos poder desembolsar brevemente. Está virada mais para pequenos projectos agrícolas e industriais. Estamos a trabalhar com o Ministério da Economia e Planeamento, num projecto de desenvolvimento que visa capacitar as pequenas e médias empresas e desenvolver capacidades de empreendedorismo, trabalhando com o INAPEM. Uma terceira ferramenta é o mecanismo para partilha do risco.
O que significa?
Há uma percepção de risco que os investidores têm, mas que não corresponde à realidade. Isto manifesta-se em custos mais altos ou talvez na falta de vontade de investir. Temos vários instrumentos de partilha de risco. Há um trabalho que está a ser feito com o governo de Portugal em parceria com os PALOP para desenvolver o Compacto Lusófono. É uma ferramenta complexa virada para o desenvolvimento do sector privado, focado em três elementos: partilha de risco, capacitação e assistência técnica e financiamento de projectos.
Pode detalhar…
É uma garantia para investimentos do BAD. O governo português disponibilizou 400 milhões de euros. Este não é o único instrumento de partilha de risco, temos outros que são próprios do BAD, nomeadamente, garantias parciais de risco de crédito e parciais de risco político. Ou seja, um risco em que os acordos regulamentares não sejam respeitados. É o caso dos investimentos privados na produção eléctrica. Um dos grandes problemas na produção eléctrica é o risco de solvência da agência compradora de electricidade, a agência pública. O investidor privado tem um contrato com o governo para fornecimento de energia e nós podemos aprovisionar uma garantia caso a capacidade do governo não possa cumprir com as obrigações financeiras. Este tipo de garantia permite muitas vezes ao investidor privado assegurar custos de capitais mais baixos e o governo pode negociar tarifas mais baixas.
Qual é nível de cumprimento dos pagamentos de Angola?
Angola respeitou todas as obrigações com o BAD e é um parceiro extremamente forte. É um dos poucos parceiros africanos que ainda contribuiu para o Fundo Africano de Desenvolvimento que o BAD utiliza para financiar países de baixa renda. Não só tem um desempenho positivo no cumprimento dos financiamentos, mas também contribui para o desenvolvimento mais vasto do continente. Em termos de desempenho e de qualidade dos projectos, notamos alguma melhoria. Angola melhorou significativamente a qualidade da carteira que está a ser financiada pelo BAD nos últimos quatro anos. Também a carteira do BAD em Angola aumentou. Nos últimos seis anos, trabalhamos muito mais com Angola. Houve um engajamento mais profundo com o país.
Quais são os pontos com margens para melhorias?
Na capacidade de cumprir com os processos de aquisições de forma bastante rápida, poderíamos continuar a melhorar. É uma experiência que vemos com todos os nossos parceiros. Nas aquisições, há engarrafamentos para a implementação dos projectos. Temos de aprofundar as parcerias, conhecer melhor os procedimentos necessários e capacitar as unidades de implementação dos projectos.
Uma das apostas do Governo passa por recorrer a instituições multilaterais, reduzindo as bilaterais. As multilaterais estão com dificuldade para responder a desafios?
Estamos num momento muito complicado para as economias do continente e é preciso dar um empurrão fiscal num momento de recessão. Angola tem grandes desafios de controlo de preços e precisa de mobilizar mais espaço fiscal. O assunto não é bilateral ou multilateral. O sistema multilateral vai precisar de uma injecção adicional de recursos porque podemos trabalhar como parceiro de confiança com os governos africanos. No nosso conselho de administração, 60% dos votos pertence a países africanos. Somos o único banco multilateral no qual os países clientes têm a maioria dos votos. Os bancos regionais têm um desafio adicional.
Qual concretamente?
Têm uma forte exposição geográfica a um continente. Por exemplo, fomos muito impactados pela redução das notas de crédito dos nossos clientes, incluindo Angola. A nossa capacidade de estender crédito e, ao mesmo tempo, manter o AAA, que nos permite mobilizar recursos a custos competitivos, foi muito limitada. Angola está particularmente a sofrer, porque é um dos países dos quais tivemos de desacelerar os novos empréstimos para cumprir com os padrões de crédito duma instituição AAA. Infelizmente, este é um momento em que Angola precisaria receber mais créditos a custos sustentáveis. O modelo multilateral foi posto sob grande pressão dos acontecimentos, especialmente os bancos regionais. Há maneiras de trabalhar para reduzir de forma sintética a nossa exposição de alto risco para poder voltar a fazer crédito de forma bastante forte, especialmente nos próximos anos quando vamos precisar de investimentos muito significativos para a recuperação económica. O espaço fiscal em 2020 e 2021 foi utilizado pelos custos sanitários e pelos custos imediatos de protecção social, mas, no próximo ano, vamos precisar de um investimento muito forte de apoio ao sector privado e às PME.
Se não fosse a questão da redução da nota de crédito, Angola poderia estar a receber novos desembolsos?
O nosso crédito com os países de alto risco é mais problemático e requer mais espaço no nosso capital. Tivemos de diminuir um pouco os empréstimos a vários países. Se o nosso quadro de crédito o permitir, queremos estender mais crédito para Angola e estamos a trabalhar com o nosso departamento de risco para poder fazer isso no curto prazo, mas não posso dizer quando.
Como analisa isto: os bancos em Angola financiam pouco a economia. O BNA é apontado como principal causador por vender títulos. E ainda os juros que são altos…
É um assunto complicado e não é só de Angola. Este assunto é sempre destacado, esta adversidade ao risco dos bancos. Os bancos centrais e primariamente o combate à inflação estão a ter uma posição muito mais prudente para não causar inflação. Cobrando títulos do tesouro, os bancos podem fazer lucros sem correr riscos. Um pouco de reformas de consolidação fiscal iria reduzir o volume de bilhetes do tesouro do sistema financeiro, criando mais incentivos a fazer empréstimos ao sector privado. Todos os países, saindo da covid, vão precisar de formas de consolidação fiscal de meio-termo. Segundo, trata-se do tema da competitividade. Temos de reforçar a supervisão. A maioria dos lucros dos bancos são propinas e taxas fixas o que significa que não precisam de ter risco para fazer lucro. Pode ser uma indicação de níveis de competição um pouco baixa.
Temos também de aproveitar todas as oportunidades que nos oferecem o sector da 'fintech', a inovação financeira e a digitalização. A capacidade de alguns operadores baseados nos meios digitais de aprovisionar a custos mais baixos algumas formas de créditos. Algumas vezes estes operadores são desvalorizados pela regulamentação que foi desenhada num momento em que este tipo de possibilidades tecnológicas não existiam. É necessário aumentar a competição no sistema financeiro. Em alguns sectores, como na agricultura, temos problemas de assimetria informativa e de percepção muito alta de risco. É preciso mobilizar alguns fundos públicos. O último ponto é do lado da procura. O problema dos bancos é que não conhecem e não há forma de conhecer os clientes. Muitos países não têm central de crédito, para qual a falta desse tipo de infra-estruturas implica custos adicionais.
No mais recente relatório sobre as economias de África, o BAD aponta o preço do petróleo como o maior risco para a economia angolana. Que outros riscos destacaria?
Nos próximos 20 anos vamos ter uma caída estrutural do preço do petróleo. O que isso significa para os países produtores em África? Devem encaminhar-se para o percurso, que o Governo angolano já começou com o plano de diversificação económica com o desenvolvimento dos sectores não petrolíferos. No caso dos países africanos, a grande vantagem está na agricultura. É algo que Angola tem muito claro, é visível nos documentos de estratégia e é uma agenda na qual estamos prontos para assistir.
A diversificação da economia faz parte dos documentos estratégicos há vários anos. O problema tem sido a prática…
O processo de diversificação económica é extremamente complexo e nunca é uma linha direita. Seguramente, não vamos ver uma correspondência entre as ambições e os resultados. No que diz respeito à mobilização de recursos do BAD, corresponde à estratégia acordada. O modelo desenvolvido no quadro do Alimentar Africa pode ser importante na diversificação económica de Angola porque o enfoque vai ser não tanto sobre a produção, mas pelo fortalecimento das cadeias de valor e aceleração do processamento e muito virado para o agronegócio.
Como olha para a economia angolana nos próximos 20 anos, considerando a possibilidade de a diversificação não acontecer?
Vai acontecer, não será um processo linear, nem fácil, mas estou convencido de que há fundamentos para ter êxito. A transição energética é uma realidade. Duvido que Angola vá continuar a ser um país tão dependente dos recursos hidrocarbonetos.
Ficámos sem falar dos outros riscos, além os do petróleo…
É claro que a inflação continua a ser um risco. Tivemos um choque cambial que nos trouxe uma taxa de inflação acima dos 20%, mas antes da pandemia, assistíamos a uma trajectória descendente da taxa de inflação. Os riscos macroeconómicos continuam a ser os conhecidos, a taxa cambial e como consequência a taxa de inflação.
Como o BAD tem acompanhado o processo de combate à corrupção em Angola?
Este é um dos processos das reformas que nos dá confiança para olhar para uma parceria forte e frutuosa com o Governo. A transparência e o bom uso dos recursos públicos são bastantes complexos e, ao mesmo tempo, técnicos e políticos. Há uma gama de reformas que precisam de ser implementadas. O nosso enfoque vai ser na utilização dos recursos e na alocação eficaz e eficiênte, segundo processos transparentes. Uma área forte são as aquisições, porque é através delas que se implementam grandes projectos estruturantes. Também estamos muito interessados em trabalhar com o governo em fortalecer os sistemas de gestão da dívida e a olhar para os fluxos financeiros ilegais. É um assunto que precisa de soluções locais, mas também globais. Muito do branqueamento dos recursos financeiros acontece fora do continente africano. São áreas onde vamos ver como podemos acrescentar valor, mas seguramente é uma área na qual o Governo está a dar passos importantes e essenciais.
Este combate tem recebido apoio, mas também criticas, havendo mesmo uma corrente que fala em selectividade no processo…
Como parceiros externos, a nossa experiência é que temos de nos focar no longo prazo. Temos de nos focalizar na reforma dos sistemas. Há sempre este tipo de críticas nos processos de reformas e de anticorrupção. A nossa abordagem é sempre concentrarmo-nos no meio-termo e no fortalecimento das instituições para criar sistemas de transparência e de prestação de contas.
No início, o Governo mostrou-se adverso a aquisições sem concurso público, ou por adjudicações directas, mas tem sido um modelo muito usado. Isso preocupa o BAD?
Temos sempre um diálogo sobre a melhor forma de fazer aquisições, mas é preciso olhar para cada caso. Também nas economias industrializadas, perante as emergências da covid, tivemos muitas aquisições de emergência. Quem decide muitas vezes tem de decidir entre a rapidez e o processo.
O governo tem tido o apoio técnico do FMI. Pode, em algum momento, conflituar a relação entre Angola e o BAD?
Falamos de forma muito contínua com o FMI e a nossa missão é sempre complementar os trabalhos dos outros parceiros..
África tem capitais detidos fora do continente e que não voltam. Não acha é altura de o continente arranjar forma deste dinheiro reforçar instituições como BAD?
Completamente de acordo. Só não estou de acordo com a narrativa de que a corrupção é um problema africano. É uma narrativa falsa. É um problema da acção pública, que existe em todos os países. Não esqueçamos que a maioria dos arranjos institucionais que previnem o fluxo de capitais não estão implementados no continente africano. Gostaria de me distanciar deste tipo de narrativa. Há a necessidade de existir um compacto global sobre o controlo das actividades corruptas e o fluxo de capitais ilegítimos. Segundo o relatório apresentando por Thabo Mbeki em 2005, o continente africano perde 50 mil milhões de dólares por ano em fluxos financeiros ilícitos. Há vários assuntos estruturais que não permitem aos Estados, vítimas destes crimes, de recuperarem os fundos. São sistemas muito antigos, da década de 1970 que já não são sustentáveis e não respondem às necessidades das economias emergentes. Se queremos ser sérios sobre o desenvolvimento dos países do sul, precisamos resolver estes assuntos e esta é uma responsabilidade global.
Mas enquanto este sistema vigorar, quais podem ser as alternativas?
A coisa melhor seria evitar que os fluxos aconteçam. É melhor evitar que saiam do que tentar recuperar depois. É um assunto que passa pelo fortalecimento da troca de informação a nível global entre os sistemas financeiros. Os padrões para provar que houve corrupção como razão para anular um contrato são muito altos, especialmente para países que não têm recursos judiciários para avançar com este tipo de agenda. Temos de ter um discurso sério sobre os paraísos fiscais, principalmente em territórios satélites de países industrializados. Há um movimento de reforma. Houve várias iniciativas do G7 para a reforma, mas o continente africano deve ter uma voz muito forte.
Mas para os casos em que já saíram. Existem muitos…
Este é o problema. Depende da vontade das jurisdições aonde estão os capitais e muitas vezes estes assuntos acabam por ser políticos. É um assunto muitas vezes de diplomacia económica. Há iniciativas das instituições globais como a das Nações Unidas, a do Banco Mundial no qual o BAD também colabora para provisionar assistência legal e financeira.
Como olha para as economias africanas para os próximos anos?
Sou um optimista sobre as economias africanas que são mais resilientes, com muito espaço para crescimento. Especialmente na área da SADC, o desafio vai ser a industrialização e o emprego, especialmente dos jovens, o que vai precisar de investimento na capacitação de conhecimento técnico, além do académico. Tem a mais elevada quantidade de terras aráveis não utilizadas no mundo. Só isso dá potencialidade. Nos últimos 20 anos, os países africanos têm instituições mais fortes para a gestão macroeconómica, apesar do choque mais terrível que impactou a economia global. O continente e a área da SADC ainda têm grande procura não satisfeita de energia e grandes fontes de energia renováveis. As oportunidades de negócio são enormes, especialmente com os custos mais baixos dos materiais para as energias renováveis.
O hiato de infra-estrutura de África é uma enorme oportunidade. O acordo continental de comércio vai abrir muitos mercados e vamos ter uma grande procura de serviço de logística, portos e infra-estruturas. Num contexto económico normalizado, com capitais mundiais com taxas de interesses globais que vão ficar bastante baixas para os próximos cinco anos, vamos assistir a uma procura muito grande de investidores para projectos de longo prazo e o continente vai oferecer grandes oportunidades, especialmente na energia e infra-estruturas.
Concorda que o acordo do DSSI de alívio da dívida é uma forma de empurrar o problema dos países devedores para frente. O perdão da dívida seria o ideal?
Esta decisão da iniciativa do DSSI (Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida) da moratória era preciso tomar imediatamente em 2020 para dar um pouco de espaço aos países com menos capacidade fiscal. Temos de olhar para uma solução estruturante para o problema da sustentabilidade da divida, mas é complicado falar-se de perdão. O que não queremos criar é incentivo ou medo de no futuro estender crédito a países africanos porque isso poderia ter um problema contrário, de limitar a disponibilidade financeira. Teoricamente, a maneira como o DSSI foi desenhada teria de deixar os países indiferentes. Foi desenhada para ser neutral. Agora, isso depende de muitas hipóteses. Temos de ter uma consideração estruturante, compreensiva da situação económica e realista também. Não é do interesse da comunidade internacional ter alguns países a ficarem atrás, porque estão a ficar sufocados.
China é o maior credor de Angola e há quem defenda que a negociação teria necessariamente passar pelo perdão da dívida…
Não é produtivo dizer que este credor tem de fazer isso e aquele tem de fazer isso. É um problema global e se fizermos tratamentos diferentes de credor a credor estaríamos a entrar numa armadilha política. Credores e devedores têm de se sentar e resolver o problema. A China teve um comportamento muito responsável no caso DSSI, foi a primeira a apoiar.
Perfil
Um macroeconomista do mundo
Pietro Toigo é o representante residente do Banco Africano de Desenvolvimento em Moçambique desde Novembro de 2017 e, a partir de Fevereiro de 2021, passou a acumular com o papel de representante interino do BAD para Angola e São Tomé e Príncipe.
Antes de se juntar ao Escritório Local do BAD em Moçambique, foi Macroeconomista Chefe no Centro Africano de Recursos Naturais do BAD, liderando a prestação de serviços de consultoria e assistência técnica para uma boa gestão de recursos petrolíferos, gás e minerais.
Trabalhou também sobre assuntos de Gestão Financeira Pública, política fiscal e governança dos sectores extractivos no Departamento de Reformas Económicas e Financeiras e de Governação do BAD. Antes de entrar no BAD trabalhou seis anos como representante Nacional na Líbia e como economista sénior no Zimbabué e na Serra Leoa para o Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, onde implementou um portfólio de programas cobrindo reformas económicas do sector público, bem como gestão do sector extractivo. Antes, trabalhou como chefe da equipa de preparação de orçamento na Autoridade Provisória da Coligação e como assessor do Ministro das Finanças durante a transição do poder pós-conflito no Iraque, e ocupou diversos cargos no departamento de Tesouro do Reino Unido e da Comissão Européia (Direcção Geral para Assuntos Económicos e Financeiros). Mestre em Economia pela London School of Economics.
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