“As empresas precisam de empréstimos sem custos para continuarem abertas”
Empresário não tem dúvidas de que as medidas do Governo que visam contrariar os efeitos do agravamento da crise são poucas para aliviar o impacto da falta de liquidez. E apresenta propostas que podem melhorar a economia no geral e sectores específicos com destaque para o imobiliário. Por exemplo, o uso de parte das reservas obrigatórias dos bancos junto do BNA, para financiar a habitação social.
Como avalia a prorrogação do estado de emergência com algum alívio nas restrições à actividade económica?
É uma medida acertada. Essa doença exige cautelas na exposição da população, uma vez que não existe ainda vacina, nem tratamento comprovado das causas.
Como perspectiva o regresso ao que será o ‘novo normal’ económico, quando se projecta a quinta recessão consecutiva?
A nossa realidade não será mais a mesma, tanto da economia como dos costumes na sociedade. Teremos um aumento maior de desempregados, menor liquidez na economia e as empresas que ainda restarem vão precisar de se adaptar.
O Governo aprovou medidas que considera de alívio económico. Como tem sido a recepção dessas medidas e ntre a classe empresarial?
As medidas do Governo são poucas para aliviar o impacto da falta de liquidez no mercado. As empresas precisam de empréstimos sem custos para continuarem abertas.
Está a dizer que as medidas não terão o impacto necessário?
São medidas amenas, não impactarão tanto nas empresas.
O alívio fiscal, por exemplo, poderia ser mais ousado?
O alívio fiscal já era necessário antes da pandemia. O empresário, quando paga menos impostos, investe essa economia numa maior produção da sua empresa. O grande ganho do Governo precisa de ser no aumento da base que paga impostos e não no alto custo dos impostos. Os impostos só têm aumentado, numa economia que não reage, que é apática.
Na proposta inicial, havia uma linha de liquidez para pagamentos de salários de Abril. Muito aplaudida pelos empresários, esta medida, no entanto, não consta do documento final. Como as empresas estão a lidar com o pagamento deste mês sem essa ajuda?
Se você não tem, você não paga, é simples assim.
O alvará e o registo estatístico vão deixar de ser exigidos na constituição de empresas para determinados sectores. É uma medida acertada?
Costumo dizer que a incubadora da corrupção é a burocracia. Se quer corrupção, tenha bastante burocracia. Recentemente, tivemos a visita de três funcionários do Estado, cada um de um departamento, para renovarmos o nosso alvará de uma empresa que já tem 14 anos. A renovação demorou 45 dias a partir do pedido. No Estado, as teorias são óptimas, mas a prática deixa muito a desejar.
Havia a possibilidade de se aliviar mais a burocracia?
Uma empresa que é objecto de uma fiscalização tem de atender a 21 itens. Precisa de dizer mais?
Que medidas adicionais é que podem ainda ser tomadas para se facilitar o investimento?
O financiamento das actividades a baixo custo, menor cobrança de impostos, remuneração melhor dos funcionários públicos para a diminuição da corrupção, menor exigência de documentos autenticados, reconhecimentos e assim por diante.
O Governo levantou como uma das bandeiras a melhoria de Angola no ‘Doing Business’. Está no bom caminho? O que ainda falta fazer?
O ‘Doing Business’ exige transparência nos negócios, nos empresários e nas empresas. Encaminhámos ao GTE (Grupo Técnico Empresarial), enquanto membros da Apima, duas propostas, entre várias que, entendemos, podem ajudar na melhoria do ‘Doing Business’ e do andamento da economia. Começando pelos pequenos créditos, uma das coisas que atrapalha o alargamento do crédito em Angola é a dificuldade de análise da capacidade financeira e dos antecedentes do tomador do crédito. A microeconomia é responsável por grande parte da movimentação financeira de uma sociedade. Então como o histórico e os antecedentes de um pequeno tomador de crédito podem ser avaliados? Através de um serviço que é de natureza privada, mas que pode ter a participação dos bancos em seu capital social. No caso da análise de crédito para todo e qualquer consumo a crédito, esse serviço é feito e vendido aos bancos e comércio em geral, por empresas privadas que vão criando um histórico das compras a crédito que o indivíduo vai fazendo. Quando ele incumpre um pagamento, o seu nome é negativado pela instituição que deu o crédito. A partir daí, a sua vida financeira fica mais difícil, até que regularize esse compromisso. Veja-se as empresas ‘Experian’, ‘Transunion’ e outras. Segundo estudos, esse serviço implantado em Angola dobraria o PIB em cinco anos, pois ampliaria o crédito.
E o que falta para a implementação?
Propusemos, desde 2018, ao Ministério da Justiça e agora ao GTE que fosse disponibilizado o serviço de informação de distribuição de acções cíveis, tributárias e trabalhistas de pessoas singulares e colectivas. Assim, qualquer pessoa ou empresa, nacional ou estrangeira, que fosse fazer negócio com outra, teria como aferir a situação sobretudo económica, podendo ter acesso às informações do histórico dessa pessoa singular ou colectiva. O facto de haver uma acção distribuída, por exemplo de cobrança, contra uma empresa ou pessoa singular, não representa que essa entidade seja culpada, mas permite a quem for fazer negócio com essa entidade ter conhecimento de que existem um ou uns litígios para com aquela outra entidade. Isso, com o passar do tempo, faz as pessoas e empresas honrarem mais os seus compromissos. Acabam as arbitrariedades dos ‘intocáveis’ e traz transparência aos negócios.
É possível prever que mercado imobiliário é que teremos no ‘pós-pandemia’?
Toda a economia vai sofrer muito. O mercado imobiliário é um dos sectores mais sensíveis à caída e retoma da economia. É um dos primeiros a sentir sempre. Desta vez vai sentir muito.
Antes da pandemia, como classificava o mercado imobiliário?
O mercado imobiliário já vinha a cair desde 2010. Se notarmos os valores dos negócios de 2010 para cá, veremos que, em termos de moeda estrangeira, os valores dos negócios só baixaram.
Por outro lado, devido à alteração do câmbio, os salários perderam muito poder de compra. Actualmente, são poucas as pessoas que conseguem ter um empréstimo habitacional para a compra de um imóvel, pois os salários não sofreram alterações.
Há uma retracção dos investidores na aquisição de grandes projectos imobiliários?
Praticamente não há mais investidores interessados em investir no mercado imobiliário. E onde não existe um mercado imobiliário activo, não existe economia pujante. É o mercado imobiliário que puxa toda a economia com ele.
Acha que, de alguma forma, o combate à corrupção tem efeitos na retracção do imobiliário, especialmente nos grandes projectos?
Não, o que tem afectado é a falta do poder de compra da população.
E como vê o combate à corrupção?
A nosso ver, todo o combate à corrupção é positivo, pois a corrupção mata as pessoas à medida que os projectos públicos são superfacturados e assim não sobra dinheiro para a educação e a saúde.
Acredita que tem havido um significativo repatriamento de capitais?
Como não temos informação do que foi repatriado, não podemos opinar.
Com a crise e a pandemia, numa lista de prioridades de investimentos e de apoios do Estado, em que lugar colocaria o mercado imobiliário?
Primeiro, na educação, depois na saúde, depois no imobiliário.
E o da construção civil?
A construção civil pode ser impulsionada por obras públicas, mas vemos um Estado sem dinheiro para contratar.
Há medidas possíveis para se ‘salvar’ o mercado imobiliário?
Sim. O uso de parte das reservas obrigatórias dos bancos junto do BNA, para financiar a habitação social. Esse dinheiro está lá parado, sem rendimento, portanto se fosse emprestado a 5% de custo, era um ganho para os bancos e uma vitória para a população, quando o custo do dinheiro nos bancos está 18%. Isenção de cobrança de imposto aos bancos, nos financiamentos de imóveis sociais. A cobrança de imposto industrial de 10% a empresas que fizessem imóveis sociais para venda e a agilização na aprovação de projectos de interesse social.
Que futuro prevê para as agências imobiliárias?
Já houve uma redução significativa, vai diminuir mais ainda e os informais farão cada vez mais negócios, não recolhendo assim impostos ao Estado.
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