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As novas velhas ameaças à liberdade económica

03 Mar. 2020 Opinião

É difícil conseguir-se uma liberdade económica: temos de estar sempre atentos a novos obstáculos. Muitos destes não passam de argumentos que rejeitam as ideias fundamentais para a liberdade económica: o estado de direito, as políticas previsíveis, a confiança nos mercados, a atenção aos incentivos e as limitações ao governo. Quando uma ideia não parece funcionar tem de ser substituída. Portanto, defende-se que o estado de direito deveria ser substituído por acções governamentais arbitrárias, que a previsibilidade das políticas é sobrevalorizada, que os decretos administrativos podem substituir os preços de mercado, que os incentivos não são realmente significativos e que o governo não precisa de ser refreado.

Estes obstáculos eram comuns nas décadas de 1950 e 1960, quando o socialismo crescia por toda a parte. Muitos tentaram impedir esta tendência e muitos foram bem-sucedidos. Mas agora reaparecem os mesmos obstáculos. Por exemplo, existem apelos renovados a coisas como o licenciamento ocupacional, as restrições à determinação de salários e de preços ou as intervenções governamentais no comércio e nas finanças nacionais e internacionais.

Até a ‘Business Roundtable’ está a tomar partido, tendo anunciado em Agosto do ano passado que as empresas dos EUA partilham “um compromisso fundamental com todas as partes interessadas”, que incluem clientes, funcionários, fornecedores, comunidades e, em último lugar, os accionistas. Isto representa um afastamento significativo da declaração do grupo em 1997, que referia que “a obrigação primordial da gestão e dos conselhos de direcção é para com os accionistas da empresa; os interesses de outras partes interessadas serão relevantes apenas como interesses derivados da obrigação para com os accionistas”. Além disso, como justamente assinalava essa declaração, a ideia de que um conselho de administração “tenha de equilibrar os interesses dos accionistas com os interesses de outras partes” é simplesmente “irrealizável”.

Depois do desaparecimento da União Soviética, os estudos de casos reais que demonstravam os perigos da excessiva intervenção governamental e do planeamento centralizado foram esquecidos. Já não existem debates sobre como os planos de imposição central poderiam levar uma fábrica soviética a completar o objectivo com a produção de uma cavilha de 500 quilos, em vez de 500 cavilhas de um quilo. Três décadas depois da queda do Muro de Berlim, é compreensível que os alunos das licenciaturas actuais não estejam familiarizados com os riscos dos desvios aos princípios de mercado.

É por isso que precisamos de ensinar história. O que foi dito no passado é frequentemente a melhor resposta aos renovados apelos em favor do socialismo. Na sua introdução à Edição do 50º aniversário de ‘O Caminho da Servidão’, de Friedrich Hayek, Friedman salientou que o livro era “essencial para qualquer pessoa verdadeiramente interessada em política, no sentido mais lato e menos partidário, um livro cuja mensagem central é intemporal e que se pode aplicar a uma grande variedade de situações concretas. De certo modo, é mais relevante para os EUA de hoje do que em 1944, quando a sua publicação original fez sensação”.

Em 2020, o livro é ainda mais relevante. A sua mensagem central é que os benefícios dos preços determinados pelo mercado e os incentivos que estes proporcionam excedem em muito tudo o que poderia provir do planeamento central e dos preços administrados governamentalmente. No ensaio de 1945 ‘A utilização do conhecimento na sociedade’, Hayek explicou que o problema da optimização do uso dos recursos disponíveis numa economia “pode ser mais bem formulada numa forma matemática: as taxas marginais de substituição entre duas mercadorias ou factores têm de ser idênticas em todas as suas diferentes utilizações”. Mas, apressou-se a adicionar “isto não é decididamente o problema económico que a sociedade enfrenta”, porque “os ‘dados’ a partir dos quais se inicia o cálculo económico nunca são para a sociedade no seu todo”.

Hoje em dia, os estudantes perguntam porque é que precisam de estudar economia de mercado. Com a inteligência artificial e a aprendizagem automática, não serão os governos capazes de distribuir as pessoas pelos empregos mais adequados e garantir que todos recebem o que querem? A velha resposta de Hayek a este tipo de questão ainda é a melhor. Esta não é a primeira vez que o sistema político norte-americano tem guinado no sentido de expansões maciças do poder e da despesa governamentais. Em 1994, Friedman, num artigo do New York Times, lamentava que “a maioria da comunidade intelectual é quase automaticamente favorável a qualquer expansão do poder governamental, desde que seja publicitada como um modo para proteger os indivíduos das grandes e malvadas corporações, para aliviar a pobreza, para proteger o ambiente ou para promover a ‘igualdade’.

Felizmente, ainda existem muitas maneiras para alargar a liberdade económica e para protegê-la de interferências renovadas. O que tem de ser recordado é que os programas governamentais têm custos e benefícios. Não existem somente deficiências no mercado, mas também existem deficiências no governo. E existem na realidade remédios privados para externalidades económicas. Mas para que os mercados possam funcionar, e caso se pretenda atingir a eficiência e a liberdade na economia, o primado da lei tem de ocupar uma posição central e têm de ser implementadas regras claras de política monetária e fiscal.

Adicionalmente, uma profusão de novos dados pode ajudar hoje a demonstrar mais amplamente os benefícios da liberdade económica. As classificações ‘Index of Economic Freedom’ da Fundação Heritage, ‘Economic Freedom of the World’ do Instituto Fraser e ‘Doing Business’ do Banco Mundial são publicadas anualmente. No conjunto, estes relatórios demonstram que os resultados económicos bons e maus estão relacionados com políticas boas e más. As histórias por trás dos dados são fascinantes e podem dizer o que funciona e o que não funciona.

Mas mesmo que eliminemos toda a argumentação contra a liberdade económica, continuarão a existir obstáculos à sua realização. Para evoluirmos, teremos de pôr em prática as ideias da liberdade económica. Caso contrário, como Friedman expôs, em 1994, “não exageraremos muito se dissermos que defendemos o individualismo e o capitalismo concorrencial, mas praticamos o socialismo”. Para cumprirem esta tarefa, as pessoas têm de ser claras sobre os princípios, explicá-los, lutar por eles e decidir quando e em que grau pretendem comprometer-se com os mesmos princípios.

 Professor de Economia da Universidade de Stanford.