ESTRATÉGIA APROVEITA A FALTA DE SANÇÕES INTERNACIONAIS

China 'esconde' navios e contentores

01 Dec. 2021 Emídio Fernando Gestão

COMÉRCIO. Navios chineses 'escondem-se' nos mares, aproveitando a falta de sanções. É uma
estratégia que agita o comércio internacional. Seis em cada 10 navios pertencem à China. Analistas suspeitam que a gestão de Beijing passe por guardar mercadoria para a vender depois.

China
D.R

Dados e análises económicas indicam que o tráfego marítimo, que envolve navios chineses, esteve em queda livre no último mês. No entanto, há cada vez mais mercadoria a circular, em contentores, entre a China e o resto do mundo. A contradição pode ser explicada pelo desaparecimento de navios chineses. Desde o mês passado, essa queda tem sido mais acentuada. Os analistas procuram explicações e a principal que encontram é a vontade da China de se... esconder.

É a segunda vez que uma grande quantidade de navios chineses é dada como desaparecida em larga escala. Em Maio de 2019, muitas embarcações desapareceram dos mares da China, quase todas de bandeira chinesa. Foi lançado um mistério que só teve explicações semanas depois: os navios tornearam as sanções impostas ao Irão e estiveram, durante esse tempo, a transportar petróleo iraniano. Desfeito o mistério, faltava explicar como os navios se escondiam, fintando radares.

A explicação parece ser simples e foi dada pelo director de Estudos Marítimos da Universidade Tufts, dos Estados Unidos, Rockford Weitz, à BBC. Os navios simplesmente desligaram o sistema de identificação que os coloca em posição detectável. Nada mais simples. Uma ajuda dada pela legislação que permite que isso aconteça sem que haja sanções ou penalizações.

Em Outubro, perante uma 'ofensiva' prevista de haver maior circulação de navios, os chineses aproveitaram e voltaram a esconder navios e os contentores carregados de mercadorias.

Normalmente, para garantir a segurança da navegação, as grandes embarcações comerciais transmitem as suas posições, com intervalos de poucos segundos. Assim, permitem que cada rota seja minuciosamente acompanhada, tal qual é feito com os aviões. Esse sistema ganha maior importância por causa da pirataria em alto-mar que continua a ser uma 'indústria' altamente rentável.

O método usado é o Sistema de Identificação Automática (AIS, na sigla em inglês). Além disso, cada navio ainda é vigiado por métodos mais simples e mais antigos, como radares e satélites.

O AIS contém o método mais usado na marinha mercantil com informações como nome do navio, localização exacta ao segundo e a velocidade. Essas informações são enviadas, em tempo real, para estações localizadas ao longo da costa de um país usando um rádio de alta frequência.

"Os regulamentos da Organização Marítima Internacional (IMO) exigem que as mensagens AIS sejam transmitidas por qualquer grande embarcação comercial", lembra Rockford Weitz.

A legislação internacional também obriga que os navios não desactivem os instrumentos de detecção. Mas é o que tem acontecido no último mês, porque não há uma fiscalização correcta e, ainda mais importante, não existe uma penalização.

Também em entrevista à BBC, James R. Holmes, especialista em estratégia marítima no Colégio Naval dos EUA, recorda que isso se tornou "um problema", que ganhou uma grande dimensão durante vários acidentes em 2017, que envolveram navios norte-americanos. Deslocavam-se com o AIS desligado e não foram detectados pelos outros navios.

Tapar o sinal AIS até é uma prática comum nos navios de guerra. Agora, passou a ser uma rotina nos navios comerciais, em especial, nos da China.

Cada vez mais, os mares estão congestionados com a circulação de todo o tipo de embarcações, desde os navios de grande porte aos iates de luxo. Daí que James R. Holmes chame a atenção para os perigos: "o mar é uma vasta planície sem estradas onde um navio se perde se decidir não notificar outras pessoas sobre o seu paradeiro, mas um navio pode 'escurecer' simplesmente desligando as emissões electrónicas, como radiocomunicação".

Nos últimos anos, é isso que tem acontecido, com frequência, no Golfo Pérsico, para escapar às sanções impostas ao Irão e à Coreia do Norte.

No último mês, estão a desaparecer navios mercantes chineses e a comunicação social internacional tem revelado que são as próprias autoridades de Beijng que deram instruções para fazer 'desaparecer' os navios, "por precaução". No entanto, o Ministério das Relações Exteriores da China recusa-se a emitir qualquer comentário.

Com a aproximação do Natal, aumentam as preocupações do comércio internacional. Em cada 10 navios de mercadorias, a circular pelo mundo, seis são chineses. Especialistas do sector receiam que as autoridades chinesas queiram esconder a quantidade de mercadorias postas a circular e que até a queira guardar, apenas para a movimentar no final do ano. O que significa risco de escassez, logo um aumento dos preços dos produtos. O que se reflecte também em mais problemas num já agitado comércio internacional.