Crédito ao Estado explica fraca liquidez em moeda nacional na banca
ANÁLISE. Dois centros de estudos e de investigação científica e um ‘mestre’ explicam porquê dos problemas de liquidez na banca comercial. Entre várias teorias, especialistas concluem que excessiva recolha de recursos pelo Estado à banca comercial atira famílias e algumas empresas para segundo plano.
Persistem as queixas de clientes sobre dificuldades no acesso aos depósitos em vários balcões de diferentes bancos comerciais, desde limitação no valor a levantar a dificuldades com as transferências interbancárias, um tema que o VALOR vem explorando desde finais do primeiro semestre e que volta à carga esta semana.
De todas as explicações recolhidas de vários bancos – dois dos quais integrantes do ‘Top 5’ em activos – para as reclamações dos clientes, as mais apresentadas foram “os atrasos no abastecimento das tesourarias” e “dificuldades pontuais”, sobretudo de “recontagem dás cédulas e as de natureza tecnológica”, como a quebra no sinal de rede.
Uma verdade não relatada pelos vários técnicos de bancos consultados pelo VALOR tem que ver com a “concessão em ‘massa’ de crédito às solicitações do Estado”, de acordo com o economista Yuri Quixina, que avalia o facto pelo número de vezes e a quantidade de títulos da dívida pública interna absorvida pelos bancos.
Segundo o também professor da Universidade Agostinho Neto, a inexistência de um mercado financeiro liberalizado e a expressiva ligação das instituições bancárias ao Estado explicam a escassez de recursos em moeda nacional, seja para crédito ao sector privado, seja para levantamento.
“Os bancos não podem ficar muito ‘amarrados’ ao Estado. O sector bancário nacional é muito ligado ao sector público. O crédito vai muito ao sector público do que ao sector privado”, explica Quixina, que não descarta factores de política monetária entre as razões do enxugamento de liquidez em kwanza.
“Há até bancos que escolhem empresas públicas para fazer serviços de salários”, exemplifica o acadêmico, ao explicar a presença do Estado no mercado e o impacto sobre as famílias.
Só em Junho, cinco bancos comerciais – BFA, BAI, Standard Bank, Millennium Atlântico e o Banco Regional do Keve – cederam ao Estado perto de 30 mil milhões de kwanzas, precisamente 28, 7 mil milhões, em colocações de títulos de dívida pública. Operações que, dada a vantagem que gera às contas dos bancos, restringe o acesso ao crédito e a levantamento de determinadas somas a particulares, segundo observa o especialista.
Também o Centro de Estudo e Investigação Cientifica do Instituto Superior Metropolitano (CEICIN) explica a situação da falta de liquidez em moeda nacional com “o encaminhamento dos recursos das famílias e das empresas aos investimentos do banco”, com destaques para o financiamento da divida pública.
“Os bancos nem sempre têm o dinheiro que se verifica na conta, porque investem o dinheiro das famílias e das empresas. Daí que, quando vou levantar uma soma avultada, o banco diz que está com indisponibilidade de liquidez”, justifica o CEICIN, pela voz do seu investigador e economista sénior Zeferino Venâncio.
DEPÓSITOS COM JUROS BAIXOS
As taxas de juros baixas e menos atractivas são outros ‘explicadores’ para a redução do fluxo de caixa dos bancos comerciais, devido à desistência dos aforradores desse instrumento de investimento, explica ainda Zeferino Venâncio.
“Os juros de conta a prazo (poupança) são derrisórios e não são atractivos. As pessoas preferem investir o dinheiro a guardá-lo numa conta poupança. Lembremo-nos que os bancos trabalham com o dinheiro da poupança das famílias”, conclui o também professor de economia do IMETRO.
Francisco Paulo, por seu turno, especialista do Centro de Estudo e Investigação Cientifica da Universidade Católica de Angola (CEIC), considera que as medidas de políticas monetárias do banco central ajudam no ‘enxugamento’ da massa monetária em excesso, como forma de controlar o aumento da taxa de inflação, mas nega, entretanto, que este recurso leve à redução de liquidez dos bancos comerciais.
“As queixas de clientes devem ser casos isolados de determinadas agências, de um ou dois bancos. O que poderia ter ocorrido é que, no momento que o cliente solicitou o levantamento, o caixa da agência poderia estar com ‘problemas pontuais de tesouraria’, que, logo de seguida, tenham sido resolvidos por meio do reforço de caixa a partir da tesouraria central”, justifica o economista e investigador CEIC.
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