ALLAN CAIN, DIRECTOR DA DEVELOPMENT WORKSHOP

“Há vários países em África onde os partidos são excluídos das eleições locais”

Director da mais antiga ONG a operar no país, a Development Workshop, especializada em governação local, defende que a ideia de haver eleições autárquicas não partidárias deveria ser mais bem aprofundada por se tratar de um modelo adoptado em quase todo o mundo. É a favor do gradualismo geográfico, na condição de que atinja rapidamente os outros municípios.

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A DW tem estado a realizar, nos últimos meses, inúmeros debates sobre a implementação do processo autárquico em Angola. Como avalia o modelo gradualista defendido pelo Governo?

A DW está a promover uma série de debates onde são apresentadas diferentes opiniões. O alinhamento para o gradualismo, e isto é uma opinião pessoal, tem um certo sentido, mas tem de ser num plano alargado a todos os municípios a curto prazo. De qualquer modo, a capacidade de implementar este sistema, na mesma altura e em todos os municípios, é um pouco limitada. Por outro lado, um argumento que tem sido pouco aprofundado tem que ver com a ideia de haver eleições autárquicas não-partidárias. Vários países, mesmo em África, têm eleições municipais onde os partidos não são envolvidos. Angola tem os líderes legítimos nas comunidades e nos municípios. São eleitos com base na experiência e carácter. Angola tem, por exemplo, uma boa experiência de há vinte e tal anos na implementação de pólos municipais e orçamentos participativos em muitos programas realizados em parceria com o Fundo de Apoio Social e alguns com a DW. Esta condição pode ser mais explorada. Ou seja, um sistema de eleições pode ser baseado mais na ideia do engajamento da sociedade civil, através de fóruns comunitários. Os líderes, mesmo que não estejam ligados aos partidos, podem ser eleitos para os conselhos municipais. Porque a não ser assim não ajuda muito. Isso pode trazer conflitos nacionais para a vida local, quando temos problemas locais suficientes para resolver. Sou do Canadá e lá os partidos não participam nas eleições municipais. E há vários outros países, como o Gana e outros em África, onde nas eleições locais, os partidos são excluídos.

Há algum exemplo concreto que Angola deveria seguir?

Muitos políticos olharam para Moçambique como um modelo para Angola. As primeiras eleições autárquicas em Moçambique foram em 1997. E o argumento, na altura, foi baseado na escolha de alguns municípios em detrimento de outros. Porém, depois de mais de 20 anos, Moçambique não alargou o programa das autarquias a todos os municípios.

Então não é uma experiência a ter em conta?

É importante olhar também para as experiências de outros países. Moçambique é um caso, mas parece que não é ainda o modelo ideal sobretudo no que se refere ao gradualismo que nunca funcionou. Mas as ideias estão sobre a mesa. Agora, falta olhar para as recomendações e procurar elaborar um novo projecto com base naquelas experiências da fase da consulta. O mais importante foi o facto de o Governo ter ido junto da população para ouvir a sua voz. É uma forma de democracia participativa. A última vez que isso aconteceu foi em 2002, quando a Lei de Terra teve o mesmo debate. Houve uma grande consulta pública.

É um sinal de vontade política?

Claro! Foi o Governo que levou esse processo à consulta pública. Não há uma obrigação para fazer isso. É um bom sinal para se desenvolver um sistema de democracia mais aberto e mais participativo.

Como olha para Angola face à recente transição na liderança política e como pensa que os investidores internacionais olham para o país?

O que oiço dos parceiros internacionais é que há mais optimismo. E que começa a haver mais transparência nos investimentos. O grande problema, que ainda persiste, é a grande dívida que foi acumulada ao longo dos últimos anos. Essa dívida é muito pesada e vai certamente interferir na recuperação da economia. A ideia de se fazer investimentos baseados em empréstimos resultou numa dívida para a geração futura. Isso foi um modelo não sustentável. Hoje em dia, o país está obrigado a olhar para sistemas que estão mais sustentáveis. Angola está forçada agora a ter de tratar esse tipo de problemas.

O Governo parece empenhado em gizar políticas que permitam gerar receitas por via dos impostos. Como avalia esse processo?

A população deve ter capacidade de pagar impostos. Mas atenção! Se os empresários no mercado informal vão pagar taxas, têm de beneficiar desses serviços. Isso faz parte dos direitos sociais. Outra questão tem que ver com a capacidade económica para pagar impostos. Cada economia tem de ter capacidade para produzir rendimentos para permitir que as comunidades possam igualmente ter capacidade para pagar impostos. Há certos ganhos que o Governo pode facilmente obter nas comunidades. Por exemplo, através das terras. Quando uma terra está regularizada, com título emitido, o valor dessa terra aumenta várias vezes. É justo o Governo beneficiar destes ganhos porque titularizou e regularizou aquelas terras.

Como está a DW? Está em Angola há mais de 30 anos…

A DW foi convidada pelo próprio Governo angolano. Estamos aqui desde 1981. Fomos contactados para realizar aquela que foi a primeira conferência sobre habitação e assentamento humano que aconteceu uns meses depois da independência, em Maio ou Junho de 1976. Fomos contactados para dar suporte ao Governo nessa matéria.

E em que projectos é que estavam concretamente envolvidos nessas áreas?

No projecto de autoconstrução. Na altura, o programa estava focado na zona do Sambizanga e na Mabor. Fomos envolvidos no Sambizanga com a missão de melhorar as condições das populações. Esse projecto foi realmente a primeira experiência relacionada com o melhoramento dos musseques em Angola.

Na altura, trabalharam apenas em Luanda?

Inicialmente, fomos também envolvidos em programas idênticos no sul. Foi na altura dos conflitos com os sul-africanos, no Cunene e da Huíla. Devido a estes conflitos, o nosso programa foi retirado daquela zona para estar focado na migração dos povos para as cidades. Durante esses anos, as populações estavam a fugir das zonas rurais para as cidades. O nosso programa foi muito engajado no suporte às comunidades que se deslocavam de vários pontos daquela região. Eram os deslocados internos. Mas havia também muitos refugiados da Namíbia e África do Sul.

Terá sido muito difícil prestar assistência a estas pessoas necessitadas.Como é que operavam para conseguir prestar esse apoio? 

É verdade! O país estava em crise e houve muita pouca assistência da comunidade internacional. Na altura, éramos a única ONG no país e foi assim durante muitos anos. As ajudas humanitárias só chegaram a partir dos anos 1990. Depois das primeiras eleições, em 1992, houve um fluxo de ajudas humanitárias que envolveu muitas organizações internacionais e também as Nações Unidas. Na altura, ajudámos muitas ONG internacionais a solucionar os programas de ajuda. Muitas delas entraram em parceria connosco, mas depois andaram sozinhas. A maior parte delas já saiu de Angola.

Como avalia a situação na zona sul no acesso à água e ao saneamento?

São as áreas principais em que trabalhamos. Temos parcerias com o Ministério de Energia e Águas, principalmente com a direcção nacional. Estamos engajados em muitos programas e temos estado a reforçar a capacidade do Ministério, muitas vezes em parceria com a Unicef e União Europeia entre outras organizações internacionais. É uma grande preocupação a sustentabilidade daqueles sistemas que já foram instalados. O Governo investiu muito ao longo dos últimos 10 anos através do Programa Água para Todos, mas o projecto ainda não é todo sustentável. É bem possível que, com o programa da descentralização das autarquias, quando as responsabilidades passarem para os municípios, a gestão daqueles sistemas passem a ser mais sustentáveis.

Há algum programa que esteja a ser desenvolvido pela DW de modo a tornar mais sustentável os projectos de acesso à água de forma sustentável?

A DW desenvolveu um programa que é baseado num modelo de gestão comunitária. Ou seja, as próprias comunidades são engajadas na gestão do sistema de poços de água. Há uma taxa cobrada por cada balde de água e por certo volume de água em que essas comunidades pagam para a manutenção do sistema. Mas estes poços são geridos por grupos que se tornam gestores do sistema. E nas cidades, onde a água está canalizada, uma parte dessa taxa serve para pagar à empresa, por exemplo a EPAL. Temos provas, ao longo dos últimos 15 anos, que mostram que esse modelo funciona. Seria um modelo ideal para que os municípios, já no modelo das autarquias, deveriam adoptar para garantir a sustentabilidade do sistema de água.