ANGOLA GROWING
ANÁLISE AO SECTOR IMOBILIÁRIO

Novo figurino ‘prioriza’ renda em detrimento de vendas

RADIOGRAFIA. Em cinco anos, sector viu-se confrontado com duas crises económicas cujos resultados, marcados pela falta de divisas e desvalorização do kwanza, influenciaram negativamente actividade que regista agora abrandamento no volume dos investimentos e das vendas de produtos já finalizados.

Depois de sofrer o impacto da crise financeira internacional de 2008, que acabou por reflectir-se no abrandamento do seu ritmo de crescimento, o mercado imobiliário nacional, em meio a mais uma crise, verifica um novo período de expansão, embora numa conjuntura diferente e com características longe do início da década passada, em que se verificou um ‘boom’ nas vendas a qualquer valor e uma absorção de produtos ainda em planta.

Apesar dos constrangimentos decorrentes da actual crise, que resultou também na saída massiva de expatriados, o mercado, no entanto, continua ‘animado’, na visão de especialistas que olham para os segmentos de escritórios e de habitação e, mais recentemente, o industrial como os que se mantêm mais activos. Em 2012, o stock de espaços de escritórios em edifícios modernos, em Luanda, terá atingido os 510.000 metros quadrados, segundo a empresa da área do imobiliário Zenki Real Real Estate, mas estes indicadores continuaram a evoluir com o passar dos anos.

Actualmente, segundo outra empresa que actua no sector, a Abacus, o stock de escritórios, na capital do país, terá atingido a fasquia de 1.553.000 metros quadrados, contribuindo Luanda (cidade) com 41.000 metros quadrados e a zona de Talatona com 23.500 metros quadrados, em 2015.

Por outro lado, a oferta residencial terá registado igualmente alguma evolução, nos últimos dois anos. A Zenki Real Estate falava no surgimento de mais de 2.950 novas unidades em Luanda e em Talatona, até 2014, sendo que, para este mesmo ano, a Abacus dizia que somente Luanda absorveria mais de 700 novos apartamentos.

PROCURA VERSUS PREÇOS

Se, do lado da oferta, existe esta ‘aparente’ evolução, do lado da procura, os estudos especializados sobre o sector realçam algum abrandamento no nível de aquisição dos imóveis, sobretudo nas vendas que tem estado a perder ‘terreno’ face à modalidade de arrendamento.

Nem mesmo a forte presença das companhias petrolíferas no sector que, em média, respondem por 60% da taxa de absorção dos imóveis (escritórios), segundo estudos, tem sido suficiente para equilibrar os níveis da procura sobre a oferta.

A Zenki Real State conclui que a procura de escritórios por parte de pequenas e médias empresas é ainda reduzida, para os novos edifícios. O que leva este segmento empresarial a instalar-se em edifícios antigos de reduzida qualidade.

A empresa realça ainda que cerca de 50% dos espaços ocupados resultam de venda ou ocupação própria. Contudo, sublinha, verifica-se actualmente uma maior procura por parte das empresas para arrendar, apesar de, conforme se verifica no mercado residencial, os promotores continuarem a dar preferência à venda em detrimento do arrendamento.

A oferta residencial, segundo especialistas da Abacus, continua algo “desajustado” da procura respectiva, “dado que se focaliza maioritariamente no segmento alto, onde o ritmo de absorção está, hoje em dia, muito diferente”.

A Abacus entende que, em relação ao produto médio e médio alto, “o desajustamento entre preços, tipologias e áreas está a ser corrigido para corresponder a uma procura determinada e forte”, considerando ainda que “é nos edifícios usados em que efectivamente se encontram alguns acertos nos preços”.

“Há preços que subiram, há preços que desceram e há preços de novos produtos. É preciso segmentar o mercado por diferentes tipos de produto, localizações, tipologias, enfim, para poder comparar e chegar a conclusões correctas”, defende a Abacus no seu mais recente estudo sobre o mercado.

Em Talatona, que é uma das zonas mais valorizadas e solicitadas por clientes da classe alta, a média de preços para aluguer, para residência dos tipos T2, T3 e T4, variam entre os 5.000 e 18.000 dólares ao mês, enquanto a venda de um projecto, com as mesmas características na mesma área, varia entre 5.000 e 7.500 dólares por metro quadrado.

Em relação aos apartamentos, na mesma zona, os preços para arrendamento variam entre 3.000 e 8.000 dólares ao mês, no entanto, a compra continua, ainda hoje, a custar em média entre 4.500 e 7.000 dólares o metro quadrado.

Entretanto, os preços praticados actualmente mantiveram-se praticamente inalterados em relação, por exemplo, aos de 2015. O promotor imobiliário Miguel Ribeiro entende que o mercado registou “uma forte resistência de negociação em dólares e ao câmbio paralelo, que, de facto, não conseguiu resistir”.

O director da empresa de imobiliário Proprime, Francisco Barros Virgolino, numa recente análise ao sector, considerou que, em termos de valores, “o sentimento generalizado é que os preços de venda de imóveis se têm mantido mais ou menos estáveis neste cenário de descida do preço do petróleo, desvalorização da moeda e escassez de divisas internacionais”.

Já em relação ao arrendamento, defende “que continua a ser uma opção dominante principalmente no acesso à habitação, sendo que os valores têm observado alguma contracção, mas tal deve-se, sobretudo, ao aumento da oferta disponível para arrendar, num resultado normal das leis de mercado e de equilíbrio entre oferta e procura”.

Francisco Barros Virgolino realça, por outro lado, que a desvalorização do kwanza tem levado a que os particulares se ‘refugiem’ no imobiliário como forma de se defenderem da perda de valor da moeda nacional, e, neste contexto, as mediadoras imobiliárias têm feito negócios no centro da cidade de Luanda.

QUEM CONTINUA A COMPRAR

Do lado da procura, enquanto o mercado de escritórios é dominado por empresas do sector petrolífero, no segmento residencial esta avaliação tem como base a estratificação das classes sociais, sendo que os empreendimentos considerados prime são ocupados pela classe alta (membros do Governo, diplomatas, altas patentes militares e altos quadros empresariais).

Entretanto, ao contrário do que se verificava há alguns anos, em que os primeiros edifícios de qualidade a surgir em Luanda foram rapidamente absorvidos pela classe alta e empresas, hoje “a absorção de apartamentos novos e de qualidade por esse segmento tem vindo a abrandar devido à dimensão reduzida deste segmento”, conclui a Zenki Real State, no seu recente estudo sobre o mercado.

No entanto, a procura corporate “continua activa, incluindo predominantemente empresas dos sectores petrolífero e financeiro”. Verifica-se, contudo, que a oferta que surgiu, há cerca de dois anos, no centro da cidade, ainda se posiciona num segmento alto do mercado “o que a torna desajustada face aos requisitos de preço e qualidade de que o segmento institucional necessita”.

O ‘timing’ da colocação do produto também tem vindo a ser alterado, verificando-se o acto de venda após o produto acabado. Esta situação, segundo estudos especializados, deve-se não só à falta de liquidez do mercado e a um leque de opções mais vasto face ao número de projectos em construção, como também a uma maior cautela por parte dos compradores que querem ter a certeza de que os empreendimentos são mesmo concluídos com a qualidade e características preconizadas. Vale salientar, no entanto, que, com o surgimento da crise, muitos promotores apresentaram dificuldades em concluir os seus projectos. No centro da capital, as zonas mais procuradas por investidores continuam a ser o Miramar, Alvalade, Marginal, Maculusso, Ingombotas e, no sul de Luanda, a zona de Talatona.

VISÕES CONSERVADORAS

Quanto aos próximos tempos, o director da Proprime, Francisco Barros Virgolino, não pôde antecipar como evoluirá o mercado imobiliário, “dada a sua interligação com a evolução da economia”, e, principalmente, no que respeita ao investimento público, externo e à liquidez do próprio sistema financeiro. “Estamos também na expectativa de ver como a economia reage a esta nova crise do petróleo, dado que Angola continua a necessitar de diversificar a sua base”, asseverou, mostrando-se ainda preocupado com a “incerteza” de que se mantém sobre a recuperação do preço do petróleo, não obstante os sinais de alguma recuperação entre os 45 e 50 dólares o barril.

O crescimento da actividade económica continua a constituir outra das preocupações, sendo que o PIB, já revisto em baixa este ano, para 1,1%, deverá rondar os 2,1% em 2017, segundo os dados oficiais. Entretanto, os dados do FMI o crescimento da economia, no próximo, deverá situar-se na ordem dos 1,5%. Apesar da crise, os especialistas da Abacus consideram que o mercado imobiliário está a encontrar o seu próprio espaço na economia nacional. E apontam que começa a ser necessário encontrar novas fontes de financiamento, de modo a que o surgimento efectivo do mercado de capitais possa, em um a dois anos, ser uma nova ferramenta que o imobiliário possa utilizar.

 

*com Martins Chambassuco