Produtores de sal acusam Governo de importar, ao invés de comprar internamente
COMÉRCIO. Produtores de sal garantem ter em ‘stock´ suficientes toneladas para cobrir as necessidades de consumo internas. Por isso, contestam a importação de sal e acusam o Governo de os negligenciar.
Mais de um mês depois de a Reserva Estratégica Alimentar (REA) estar operacional, alguns produtores nacionais queixam-se de nunca terem sido contactados, nem pelo Governo, nem pela entidade que gere a reserva, apesar de terem em ‘stock’ suficientes quantidades para cobrir as necessidades internas. Por isso, lamentam que o Governo esteja a importar quando há disponibilidade interna.
É o caso da Associação dos Produtores e Transportadores de Sal de Angola (Aprosal) que insiste nunca ter sido ouvida pelo Governo no âmbito da operacionalização da REA. “Nunca recebemos nenhum convite do Governo para saber a nossa posição em relação à REA. Não sabemos se será um ‘stock’ contínuo ou de reposição. Se será em armazéns do Estado ou feito dentro das próprias salinas. Pode fazer-se uma reserva usando os próprios produtores sem custos adicionais para o Governo em deslocar o produto”, aponta Totas Garrido, presidente da Aprosal.
O líder associativo afirma que “sempre esteve à espera de ser contactado pelo Governo” desde que ouviu que o programa seria operacionalizado e insiste que não sabe dizer quase nada em relação à REA. “Se o Governo disser que precisa de comprar amanhã 50 mil toneladas, é claro que não há. Mas se precisar até à estação das chuvas terá. É este diálogo que é importante”, salienta. Numa primeira fase, o Estado espera compor a Reserva com 27 mil toneladas de sal para consumo humano.
IMPORTAÇÃO DESANIMA
Além de se manifestarem “decepcionados” por não terem sido contactados, alguns produtores acusam o Governo de estar a importar o que já se produz. O empresário Fernando Solinho, por exemplo, responsável da salineira Sal do Sol, de Moçâmedes, entende ser “complicado” e “stressante” ter o Governo a importar sal quando no país existe em ‘stock’.
O empresário explica que só a sua empresa tem capacidade de produção de seis mil toneladas/ano e actualmente tem mais de sete mil toneladas em ‘stock’.
O empresário rejeita a possibilidade de a eventual venda ao Governo provocar escassez no mercado. “Não há esta hipótese, até porque os níveis de consumo de sal não são assim tão elevados e depois há produção suficiente para atender à demanda”, acrescenta.
O empresário Adérito Areias, um dos maiores produtores de sal do país, tem em ‘stock’ 50 mil toneladas. Refere que os empresários são obrigados a informar o Governo sobre o sal que produzem e que todas as empresas do sector “têm muito sal”.
O líder da Aprosal volta a sublinhar que o Governo “não tem necessidade de importar sal” para consumo humano para a REA, já que o país “produz sal suficiente” para abastecer a reserva. Totas Garrido avança que, só entre os associados, há mais de 20 mil toneladas em ‘stock’. Angola, de acordo com organizações internacionais, necessita, por ano, de 60 mil toneladas de sal para o consumo humano. “A melhor forma de se ajudar a economia local é o Governo comprar o sal dos produtores nacionais. Se comprar localmente, vai potenciar os produtores”, desafia.
A voz dos produtores de sal não é a única a contestar as opções feitas na REA. Alguns produtores de milho também não entendem o facto de o Governo não fazer aquisição interna. Alfeu Vinevala, um dos jovens empresários que se tem destacado, explicou, num texto recente publicado no Valor Económico, como o país tem condições de fazer a reserva de milho e feijão apenas com a produção nacional. Alfeu Vinevala crítica os governantes e diz que o país já produz muito milho e só não sabe porque “não se ouve a voz dos que produzem”. “Os produtores no Sul estão a produzir muito. O que estou a ver de produção, o país já deixou de fazer há muito tempo”, nota.
Os números publicados pela Administração Geral Tributária (AGT) parecem dar razão aos produtores nacionais. Só em Novembro do ano passado, Angola importou quase 30 mil toneladas de sal. “Não é admissível”, contesta um dos produtores.
GOVERNO DESCONHECIA SAL PRODUZIDO
O presidente da comissão de gestão do Entreposto Aduaneiro de Angola, Eduardo Machado, em entrevista recente à TV Zimbo, explicou que era uma “excelente notícia” o facto de os produtores terem mais de 50 mil toneladas de sal em ‘stock’ para alimentar a REA.
Eduardo Machado lembrou que era de responsabilidade da Gescesta negociar com os produtores essas quantidades e explicou que as 354 mil toneladas que vão compor a reserva, numa primeira fase, são ‘stocks’ permanentes mínimos, a partir dos quais se passaria a fazer a reposição. “A reserva pode constituir-se como um tomador deste sal iodado para efeitos de rotação”, declarou.
O Ministério da Indústria e Comércio, através do Gabinete de Comunicação e Imagem, não se mostrou disponível para responder ao Valor Económico sobre a razão pela qual nunca contactou a Aprosal e os restantes produtores nacionais. O jornal também questionou o Ministério sobre a importação para a REA de sal iodado, tendo em conta as quantidades de que o país dispõe, o que também não foi respondido, limitando-se a referir que tem feito “esclarecimentos pontuais à imprensa”.
A REA é um programa que visa garantir a intervenção directa do Estado no preço dos produtos alimentares essenciais da cesta básica, devendo aumentar progressivamente o ‘stock’. A Gescesta é a empresa escolhida pelo Ministério do Comércio para gerir o processo e pertence aos grupos Carrinho e Gemcorp, dois dos grupos citados, muitas vezes, como sendo os privilegiados do Governo de João Lourenço.
A Reserva arrancou a 21 de Dezembro, com 150 toneladas de produtos. Açúcar, arroz e caixas de coxa de frango foram os produtos iniciais. Numa primeira fase, a REA espera atingir 354 mil toneladas de 11 produtos.
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