ANGOLA GROWING
PATRÍCIO VILAR, PCE DA BODIVA

“Só haverá mercado accionista quando o Estado reduzir o recurso ao endividamento”

A probabilidade de haver empresas a emitir títulos no mercado de acções, este ano, em Angola, ainda é curta, revela presidente da comissão executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA), em entrevista ao VALOR. Gestor considera que deverá haver, primeiro, estabilidade macroeconómica para que empresas correspondam a esse desiderato.

A BODIVA tem uma nova comissão executiva empossada em Outubro do ano passado. Quais são os grandes desafios para este ano?

O Estado continua a necessitar de recorrer ao endividamento para se financiar e, nesse sentido, a BODIVA continuará a desempenhar aqui um papel fundamental para que estes títulos do tesouro sejam depois repassados para o mercado secundário, libertando, dessa forma, os operadores do mercado primário para decidirem novos títulos. Nesse sentido, penso que o mercado teve um bom comportamento, nos últimos meses do ano passado e não há razões para não continuar a ser dessa forma. Em simultâneo, o grande desafio é também auxiliar quer os operadores, quer o próprio Estado em encontrar alternativas ao petróleo e, nesse sentido, temos de encontrar alternativas de financiamento para empreendimentos que possam alargar a base de produção e de exportação. Aliás, vale referir que fomos nomeados pelo Presidente da República para integrar uma comissão, dirigida pelo senhor ministro das Finanças que tem como principal propósito a identificação de projectos de infra-estruturas que deverão ser financiadas com recurso aos valores mobiliários. Este é um dos principais desafios. Ou seja, em simultâneo com a profundidade do mercado secundário de dívida pública, começamos também a arranjar caminhos para o financiamento do sector empresarial, embora em rigor o mercado secundário de dívida pública já tenha um papel significativo no financiamento de algumas empresas, na medida em que é através do mercado secundário de dívida pública que os fornecedores do Estado, que receberam títulos por conta dos atrasados, conseguiram, de facto, obter liquidez e financiar a sua actividade económica.

Quando arranca efectivamente o mercado de acções?

Só será possível termos verdadeiros segmentos accionistas e de obrigações de empresas quando o Estado reduzir este seu recurso ao endividamento e, para tal, é necessário que haja alguma estabilidade macroeconómica. Para isso é preciso encontrarmos soluções do ponto de vista da alternativa de produção e exportação.

Significa que o mercado accionista, em particular, não arranca este ano, tendo em conta a actual conjuntura económica?

É como disse. Este é o grande desafio. Enquanto o Estado continuar a recorrer ao endividamento nestas magnitudes é muito difícil aos empresários ou às empresas conseguir emitir acções ou obrigações, até porque não conseguem competir com as taxas de juros que o Estado oferece neste momento. Por exemplo, os Bilhetes de Tesouros, no último trimestre do ano passado, em algumas maturidades, atingiram 25% de taxa de juros. Não há nenhuma empresa que consiga oferecer neste momento 25% de taxa de juros ou mesmo 25% em dividendos relativamente ao capital investido. Primeiro é necessário alcançar-se esta estabilidade macroeconómica para que as taxas de referências baixem para que, a partir daí, haja uma janela de oportunidades para que as empresas possam emitir.

E basta que haja somente uma estabilidade macroeconómica?

Não basta, na medida em que já estávamos, ainda com a Comissão do Mercado de Capitais, a fazer um percurso com algumas empresas no sentido de prepará-las do ponto de vista organizativo para se abrirem ao mercado, porque as empresas têm de encarar o mercado com uma abertura. Por isso é que internacionalmente denominamos as empresas com acções cotadas como sociedades abertas, porque são abertas ao público que tem de ter garantias de transparência das contas, das informações que são registadas. E esse caminho, no entanto, é necessário que seja percorrido pelas próprias empresas que queiram estar cotadas na BODIVA.

Tem esperança que o mercado de acções, na BODIVA, arranque ainda este ano?

A esperança é a última a morrer, e, portanto, seria errado, ainda por cima sendo economista, achar um dado como adquirido. Não há dado adquirido em economia. Agora, os indicadores e a evolução desses indicadores apontam ainda para alguma cautela relativamente à evolução dos macroindicadores até por causa das circunstâncias internacionais que conhecemos. A probabilidade de haver empresas a emitir acções, este ano, é relativamente curta, na medida em que o próprio Produto Interno Bruto está a atravessar uma fase de desaceleração. Portanto, esperar que, numa fase de desaceleração, as empresas tenham uma grande atenção para o investimento, não é expectável. Entretanto, não descarto isso ao todo. Até porque a nível da emissão de obrigações, já há empresas que estão a preparar operações de oferta de obrigações. Já fomos contactados. Mas isso não quer dizer que seja já amanhã ou daqui a dois meses, mas as empresas estão expectantes. Estou convencido que é tudo uma questão de a economia dar os seus passos. Francamente, olho para as ameaças como oportunidades. Repara para o seguinte: no momento em que o Estado começar a reduzir os níveis de emissões de dívida, e é provável que começa a fazer ainda em 2017, as taxas de juros vão baixar. Muito provavelmente, nessas descidas das taxas não haja uma descida imediata das taxas de juros activas dos bancos e isso pode ser uma oportunidade para que as empresas emitam, quer obrigações, quer acções. Aquilo que hoje pode ser uma ameaça, amanhã pode ser uma oportunidade. Não me espantaria nada, se ainda em 2017 houvesse alguma empresa a emitir acções. Portanto, vamos aguardar, mas activos. Ou seja, vamos acompanhar as empresas, auxiliando-as na preparação desse processo.

Disse que já houve um trabalho junto das empresas no sentido de prepará-las para entrar em bolsa. Em que pé ficou esse processo?

Vamos lançar, logo no final do primeiro trimestre, um pacote de requisitos para que as empresas consigam perceber que caminho têm de percorrer para serem admitidas à cotação na bolsa. Mas, repito, este é um caminho que as próprias empresas têm de percorrer. Nós (BODIVA), o que podemos fazer é ir dizendo qual é o grau de adequação que as empresas já têm em relação a estes requisitos.

Há já empresas preparadas para entrar em bolsa?

As empresas é que vão ter de se submeter a este crivo e só depois disso é que poderemos dizer se estão ou não preparadas. Mas devo dizer, com base no trabalho que já realizámos, que algumas delas, neste momento, já têm condições mínimas para serem admitidas em bolsa. Não seria ainda um pool de empresas que daria um volume de capitalização interessante correspondente à dimensão da economia angolana, mas isso se faz caminhando. Hoje podemos começar com algumas, outras amanhã hão-de se juntar à medida que elas próprias vêem utilidade nesse processo. Olham para os que já entraram e digam esses estão a ganhar dinheiro, têm financiamento a custo mais baixo e, portanto, vale a pena.

Qual é o volume de negociação transaccionado na BODIVA em 2016?

O volume de negociação atingido em 2016 foi de 365 mil milhões de kwanzas, portanto a volta de 2 mil milhões de dólares, que representa quatro vezes aquilo que foi negociado em 2015 que foi de 104 mil milhões de kwanzas. Há outros destaques que gostaria de dar. Como sabem, o Mercado de Bolsa de Títulos de Tesouro só foi despoletado a partir de 15 de Novembro. É interessante verificar que, em Novembro, se atingiu um volume já muito próximo do mês de maior negociação de 2016, que tinha sido Julho, e em Dezembro ultrapassámos este volume. Ou seja, ao contrário do que poderiam alguns prever, o mercado de bolsa até veio ampliar o volume de negociações. Atingimos nesse mês perto de 60 mil milhões de kwanzas. O que para o mês é, de facto, um bom volume de negociação para uma bolsa africana. Digamos que cerca de 89% dessa negociação são Obrigações de Tesouros. Negoceia-se muito poucos Bilhetes de Tesouro, no mercado.

Quais são os bancos que mais negoceiam?

Não tenho cá comigo a estatística oficial, mas posso dizer que, em primeiro lugar, está o BFA, em segundo o BAI, em terceiro estará o Standard Bank e depois seguem-se o BIC, o BPA, entre outros.

Os títulos de tesouros vão continuar a ser os únicos títulos cotados na BODIVA este ano?

Há outros que poderão ser cotados. Por exemplo, os fundos de investimento podem e devem cotar aqui (na BODIVA) as unidades de participação. As unidades de participação são os títulos que reapresentam as participações dos fundos em todas as suas aplicações. Por exemplo, um fundo de investimento é constituído para financiar alguns imóveis. O valor dos imóveis que vai ser financiado por esse fundo é dividido pelo número de unidades de participação que depois são entregues a cada um dos participantes que, por sua vez, podem colocá-los à negociação na BODIVA. Há ainda outras hipóteses, como já me referi. A nível da BODIVA, no âmbito dos projectos de infra-estruturas, existe uma nomenclatura de obrigações que internacionalmente designamos de Project Bonds, ou seja obrigações destinadas a projectos. Portanto, tempos algumas expectativas de que alguns dos projectos mais estruturantes do país possam vir a recorrer a essa forma de financiamento uma vez constituídas as parcerias públicas ou privadas. Esta também seria uma das formas interessantes de desonerar o Estado do financiamento de algumas dessas infra-estruturas sem comprometer o Plano Nacional de Investimento e o Plano Nacional de Desenvolvimento.

E todos estes instrumentos serão cotados ainda este ano na BODIVA?

Existe uma outra possibilidade. Sabemos que normalmente o valor facial de uma Obrigação do Tesouro é elevado para a maioria das bolsas do cidadão comum. Então há essa possibilidade. E nós (BODIVA) temos a intenção de fazer sair esse ano esse produto. Ou seja de fraccionarmos estes títulos e de se transaccionar certificados de representação desses títulos. Dessa forma nós passaríamos a poder vender ao cidadão comum directamente esses certificados que poderiam ser também transaccionados na bolsa, no mercado secundário. Ou então no mercado primário, na altura da sua emissão e, depois, se os cidadãos que os comprarem quiserem transaccionar, poderão fazê-lo no mercado secundário. Isto é algo que está a ser implementado e esperamos que, a qualquer momento, em 2017, possamos ter algumas tranches de emissões destinadas ao público com estes certificados.

Qual o valor mínimo que o investidor poderá aplicar para negociar títulos na BODIVA?

O problema não se coloca a este nível, mas a nível de se conseguir um preço atractivo na bolsa. E, para termos preços atractivos, temos de, às vezes, ter volume para que a outra parte esteja interessada em negociar connosco. Por isso é que um dos principais instrumentos de investimentos, por excelência, são os fundos de investimento, porque aí não se precisa de valor mínimo. Você compra uma unidade de participação, que depende da decisão da sociedade gestora do fundo de investimento, e essa unidade pode ter um valor facial de 10 ou 20 kwanzas. Assim sendo, os títulos que têm valores faciais elevados podem ser subdivididos em unidades mais pequenas através dos fundos de investimento. Portanto, a partir do momento que os fundos de investimento e certificados começarem a funcionar, a questão do valor mínimo já não se coloca, porque aí já não é o pequeno aforrador que vai ter de negociar, mas sim o fundo de investimento que vai negociar todos os títulos que estão dentro da carteira. Aí já tem volume. Portanto, o investidor, tendo um pequeno montante, adquire uma unidade de participação do fundo e o fundo, com todas essas unidades de participação, pode ter volume e negociar e obter preços que sejam atractivos.

Haverá ainda algum aspecto, em particular, que preocupa a BODIVA, em termos de supervisão do mercado?

No dia em que não houver é mau sinal. É sinal de que o mercado acabou, porque essas coisas são dinâmicas. Ou seja, poderá haver situações em que uma regra que atrás fazia sentido, pode deixar de fazer mais lá para frente devido às alterações das condições do mercado. Temos alterações do volume de negociação, dos preços, portanto, há uma banda de variação dos preços e essas variáveis é natural que variem. É natural que, em muitas situações, a supervisão tenha de acompanhar a dinâmica do mercado. Mas esse é um desafio do dia-a-dia e normal em qualquer mercado e a Comissão do Mercado de Capitais tem sabido desempenhar esse papel.

A questão do branqueamento de capitais é algo que está complemente salvaguardada?

Esta questão a nível da Comissão do Mercado de Capitais está salvaguardada, assim como está para todo o sector financeiro angolano. Aliás, existe uma lei específica sobre esta matéria. Mas a nível dos instrumentos reguladores dos mercados de valores mundiais existem normas específicas sobre prestação de informação, quer pelos promitentes, quer pelos intermediários sobre a matéria de branqueamento de capitais e combate ao terrorismo. Isso está perfeitamente regulado.

É possível haver outras empresas que, não sendo de capitais nacionais, possam estar na Bolsa?

As empresas só têm duas formas de estarem cotadas em bolsas. Ou são empresas de direito nacional, e entra nessa nomenclatura as próprias sucursais, ou então são empresas que, sendo estrangeiras, vêem emitir aqui (na BODIVA) o certificado de representação dos títulos da sua empresa de origem. Nessa modalidade, sim é possível. Agora, há ainda um caminho a percorrer em relação à acumulação de movimento de capitais para que isso seja possível.

Qual é o lugar da BODIVA nas bolsas de valores africanas, em termos de volume de negociações?

Em finais de Novembro já tínhamos atingido o sexto lugar no ranking das bolsas africanas. Mas não tenho ainda os dados de outras bolsas fechadas em Dezembro. Por isso não consigo dizer se em Dezembro fechámos em sexto ou não. Mas estávamos em Novembro em sexto lugar no volume de negociação das bolsas africanas. O que é significativo para uma bolsa que começou em Maio de 2015. Acho que estamos no bom caminho. Isso demonstra aos mais cépticos que Angola até tem movimento de capitais, tem capacidade para financiar pelo menos uma parte da economia e pode ter um futuro bastante promissor. Os dados falam por si.

 

PERFIL

Patrício Bicudo Vilar é licenciado em Economia, pela Universidade Agostinho Neto. Concluiu a parte lectiva do doutoramento em Empresas, Finanças e Seguros na Universidade de Extremadura (Espanha) e é mestre em Gestão/MBA, especialidade de Finanças, pela Universidade Técnica de Lisboa (ISEG). Detém ainda o curso médio de Planeamento pelo Instituto Karl Marx. Ao longo da sua carreira profissional, desempenhou diversas funções de gestão e de consultoria, geralmente em acumulação com as de docente do ensino superior. Na cena profissional, destacam-se as funções de administrador da empresa Certave, SA (2008-2010), de consultor do gabinete do vice-ministro do Comércio (2011), de docente e assessor do director-geral do Instituto Superior de Ciências Sociais (CIS) e Relações Internacionais de Luanda (2010-2011) e de professor auxiliar da cadeira de gestão financeira na faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto, entre 2011 e 2012. Desempenha, desde Outubro do ano passado, as funções de presidente da comissão executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA), mas antes passou pela Comissão do Mercado de Capitais, como administrador executivo.