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POR SUSPEITAR DE “MANIGÂNCIAS” NO CONCURSO PÚBLICO

TL-MP desiste do Porto de Luanda antes do desfecho

EXCLUSIVO. Depois de lutar, com a apresentação de uma contestação, consórcio internacional desistiu de tentar ficar com a gestão do Terminal Multiusos do Porto de Luanda. ‘Toalha ao chão’ foi lançada antes de ser publicado o relatório final. Consórcio franco-angolano desconfiou de manobras.

TL-MP desiste do Porto de Luanda antes do desfecho
D.R

O consórcio internacional, que juntou a empresa de origem francesa Terminal Link e a angolana Multiparques, desistiu do concurso público para a gestão do Terminal Multiusos do Porto de Luanda, mesmo antes do desfecho do processo.

Numa carta enviada à Comissão de Avaliação do Concurso (CAC), antes de conhecer o relatório final com a respectiva decisão, o consórcio TL-MP escreve que foi com “desilusão que comunicamos esta posição”, acrescentando estar “convicta” de ter “conseguido a proposta mais consistente, exequível e atractiva” para a gestão do Terminal do Porto de Luanda.

Ainda antes de endereçar a carta, a Terminal Link entregou uma exposição à CAC, logo a seguir a esta ter concluído o primeiro relatório preliminar a 23 de Setembro do ano passado. Dias depois, o consórcio, numa longa contestação, apontava erros, falhas e incongruências por parte da Comissão, nomeada pelo Ministério dos Transportes.

Só que o resultado à resposta, que foi favorável às pretensões da TL-MP, causou estranheza e foi o motivo principal que provocou o auto-afastamento do consórcio. A razão é simples: o consórcio desconfia que “houve manigâncias”, como revelou uma fonte próxima do processo ao VALOR. Como tal, rejeitou simplesmente participar na fase final, o da negociação.

Clarificação e desconfiança

No primeiro relatório preliminar, assinado em Setembro, a TL-MP surgia com a nota 14,9, em segundo lugar, mas em ‘ex-aequo’ com a DP World, que viria, mais tarde, a vencer o concurso. Na contestação a este relatório, a TL-MP reforça posições e pede “uma clarificação sobre o projecto”, em especial, sobre alguns critérios.

O documento, a que o VALOR teve acesso, reforça que o projecto apresentado é “mais consistente e realista” e que o consórcio é o único, entre os cinco concorrentes iniciais, que inclui uma empresa nacional e que isso deve ser visto com um “factor fundamental” e que “justifica uma classificação superior à de todos os concorrentes”.

Já no segundo relatório, assinado em Outubro, depois de ter recebido a contestação do consórcio, a CAC sobe a nota final da TL-MP, dando-lhe um primeiro lugar com 18,1, mas, de novo, em ‘ex-aequo’, só que, desta vez, com a empresa filipina International Container Terminal Services (ICTS). A empresa do Dubai, que acabou por vencer, surge em 3.º lugar.

É daqui que parte toda a desconfiança da Terminal Link: de um relatório para o outro só mudou a nota final. Os argumentos mantêm-se os mesmos. Como se mantêm as notas em diferentes critérios, alguns dos mais decisivos, sem qualquer explicação adicional.

Por exemplo, no critério ‘plano de investimento, proposta de volume de tráfego previsto’, a CAC sublinha que o consórcio “recupera os equipamentos actuais, mantém sete gruas, investe em pórticos no segundo ano “ e propõe um investimento que, no final de 20 anos, vai chegar aos 203 milhões de euros. Dá uma nota 16, superior aos 12 da DP World e aos 9 do ICTS.

Mais incisivos são os adjectivos da Comissão que, no critério ‘adequabilidade do plano da organização do terminal’, é descrito que o projecto da TL-MP “cumpre com as regras e as melhores práticas internacionais” e elogia os equipamentos como os “mais modernos e mais eficientes”. Teve nota 16, as duas principais concorrentes receberem um 9 cada uma. Mas aqui, a CAC merece, por parte da TL-MP, uma crítica mais contundente por causa de uma alegada mudança de critérios, entre avaliações, relativos à capacidade do terminal. No Caderno de Encargos, coloca-se um tecto: 500 mil contentores por ano, de capacidade máxima. O projecto vencedor, da DP World, propõe-se atingir uma capacidade máxima de 700 mil contentores, mas começou por respeitar o limite, ou seja, os 500 mil.

Na primeira avaliação, a TL-MP, tal como a ICTS, é elogiada por incluir a utilização do Porto Seco de Viana, com ligações por via-férrea ao Terminal.

Surpreendente é a conclusão da Comissão relativa ao critério mais decisivo para a escolha do projecto vencedor: a ‘remuneração total do concedente’, ou dito de outra forma, as receitas para o Estado, conhecidas como rendas variáveis. A CAC garante ter tido em conta a contestação da TL-MP, admitindo que “o cálculo do concorrente de rendas variáveis não foi efectuado correctamente de acordo com o programa de concurso”. Refeita a análise, a CAC atribui nota 20 à TL-MP, precisamente a mesma nota dada ao concorrente ISTC. Só que a empresa filipina propõe-se entregar ao Estado mais de 981 milhões de dólares, no final de 20 anos, quase o triplo do proposto pelo consórcio que não passa dos 375 milhões de dólares e mais do dobro de quem seria o vencedor. 

Não foi só esse o engano que mereceu severas críticas da TL-MP. Entre elas, surge a nota 20 atribuída à concorrente MSC por garantir que 100% do equipamento a utilizar no Terminal seria angolano. O consórcio questiona, sem fazer qualquer comentário adicional, a capacidade de Angola em fornecer todo o equipamento necessário.

De nada adiantou a longa contestação do consórcio assinada por Nicolas Sartini e Leonel da Rocha Pinto, ambos presidentes dos conselhos de administração da Terminal Link e da Multiparques, respectivamente. Por opção própria, desistiram do processo, ao contrário da ICTS, que entregou no Tribunal Supremo duas providências cautelares (ver caixa).

Duas juízas avaliam providências

Duas juízas do Tribunal Supremo, Joaquina do Nascimento e Anabela Vidinhas, têm em mãos, cada uma, as providências cautelares números 146/21 e 167/21, respectivamente, interpostas pela empresa International Container Terminal Services (ICTS), que contesta a entrega de gestão do Terminal do Porto de Luanda à DP World.

Tal como o VALOR adiantou na semana passada, a multinacional filipina exige a anulação do concurso público, lançado em Dezembro de 2019, apontando por uma série de irregularidades nas conclusões do processo, entre elas, as alterações de critérios e a introdução de outros que não constavam no Caderno de Encargos.

Além disso, a ICTS aponta a “enorme discrepância” de receitas a reverter para o Estado entre as suas propostas e as da DP World, que era um dos critérios de maior peso na escolha do vencedor, apontando para uma diferença de mais de 535 milhões de dólares.

A ICTS contesta ainda as propostas de investimento no porto, em especial as que permitem atingir a capacidade de número de contentores. A empresa filipina afirma tratar-se de “um milagre” a ideia da DP World, num espaço de um mês, ter ‘saltado ‘ de uma proposta inicial de 500 mil contentores por ano para os 700 mil, aproximando-se do que tinha sido projectado pela ICTS desde o início do processo.

Apesar da entrega das providências cautelares, o Ministério dos Transportes assinou com a DP World, em finais de Janeiro, o contrato de concessão do Terminal do Porto de Luanda por 20 anos.