Um milagre ?económico europeu?

10 Jul. 2017 Simon Johnson Opinião

Há alguns anos, a zona euro – que representa cerca de 1/6 da economia mundial - parecia estar em sérios problemas. A partir de 2010, uma crise inesperada da dívida soberana contribuiu para - e foi agravada por - graves deficiências nos principais bancos. A austeridade fiscal na Grécia e noutros países relativamente fracos ajudaram a impulsionar uma recessão económica global. Na ausência de um apoio mútuo generoso, houve uma aura de desespero quando, em Março de 2015, o Banco Central Europeu anunciou um ambicioso programa de compra de dívida pública.

Pouco mais de dois anos depois, a situação parece ser muito mais positiva. O último relatório do Fundo Monetário Internacional prevê um crescimento de 1,7% em 2017 para a zona euro e um crescimento de 1,6% em 2018 - uma melhoria notável comparada aos anos anteriores, quando a região lutava para ultrapassar a fasquia de 1%. As recentes preocupações de solvência em relação a alguns bancos mais pequenos de Itália e da Espanha foram resolvidas sem causar uma disrupção significativa. E, numa recente conferência do BCE em que participei, houve uma discussão de quando o BCE poderia reduzir as suas intervenções e talvez começar a aumentar as taxas de juros. (Todas as sessões foram gravadas e com transmissão em directo).

O quadro macroeconómico imediato permanece, todavia, um tanto obscuro. Na manhã de 27 de Junho, os mercados financeiros pensaram que o presidente do BCE, Mario Draghi, teria falado de uma forma mais positiva sobre o crescimento em comparação aos anos anteriores, e o valor do euro fortaleceu significativamente. Na manhã seguinte, altos funcionários do BCE foram citados dizendo que as observações de Draghi foram sobrestimadas - e o euro caiu.

A verdadeira questão é o que vem depois, e este foi o tema da conferência: o que devemos esperar em termos do potencial de crescimento da Europa a médio prazo? Em particular, enquanto as taxas de juros permanecerem baixas, o actual nível de dívida pública em países como a Itália continua a ser gerível. Mas, à medida que as taxas de juros aumentam, haverá um crescimento suficiente para sustentar a expectativa de que os níveis da dívida pública são sustentáveis?

As conquistas pró-crescimento dos últimos anos são reais. As políticas de taxas de juros baixas (de facto, negativas) do BCE ajudaram a manter o crédito de uma forma geral e garantir o financiamento contínuo dos déficits governamentais em particular. Isto retirou pressão sobre a política fiscal - e houve menos austeridade do que anteriormente parecia provável. Os bancos foram gradualmente criando uma base mais sustentável, com mais capital social para absorver perdas. Há também algumas evidências de que a concorrência nos mercados de produtos aumentou, talvez devido a uma regulação mais relaxada. Mas há também más notícias, embora nem todas sejam específicas da zona euro. Nos países industrializados, houve um abrandamento no crescimento da produtividade - e, portanto, no crescimento económico em geral - que aparece agora ter tido início por volta do ano 2000. A explicação para tal continua a ser dúbia, mas a visão predominante é que, enquanto o advento das novas tecnologias de informação teve algum impacto definitivamente positivo na produtividade na década de 1990, os ganhos não demonstraram ser suficientemente duradouros ou generalizados. Além disso, o padrão preciso de mudanças tecnológicas tem pressionado a classe média em todo o mundo - reduzindo a procura por trabalhadores que possuem apenas o ensino secundário. Isto implica um crescimento fraco e um aumento da desigualdade, uma combinação que pode prejudicar ainda mais os níveis de educação e competências. Ao mesmo tempo, as tendências demográficas europeias são motivo de preocupação. O envelhecimento da população significa mais aposentados - esperando pensões públicas - em relação ao número de pessoas economicamente activas. A Europa tem vindo a receber um número significativo de imigrantes oriundos de países como a Síria, a Líbia e o Afeganistão; mas muitos dos recém-chegados possuem pouca instrução, e encontrar emprego torna-se difícil.

Mais inovação poderia definitivamente ajudar. Mesmo os pessimistas reconhecem a incipiente onda de tecnologia nas ciências da vida, inteligência artificial e na robótica em todo o mundo. Mas, à medida que a China continua a emergir como uma força na área de investigação, há uma crescente pressão sobre a Europa para continuar. Seria um erro descartar para já a Europa. O seu capital humano é sólido, os cuidados de saúde estão disponíveis para mais pessoas do que nos EUA e empresas mais fortes estão a surgir através do processo de integração dos mercados nacionais. Além disso, a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia parece ter penetrado nas mentes dos líderes continentais. Ninguém quer repetir os erros políticos de 2010-2014. O presidente francês, Emmanuel Macron, propõe uma autoridade central mais forte, incluindo um potencial ministério das finanças. Se os alemães concordam, parece ser pouco claro, mas vale lembrar que construir uma união fiscal nos EUA levou muito tempo (e, em certo sentido, permanece um projecto inacabado).

A maior fonte de preocupação poderá estar nos desequilíbrios dentro da zona euro. A economia alemã é forte: crescimento de 1,5-1,6%, emprego quase pleno e um grande superavit em contas correntes. A economia espanhola melhorou bastante, com um crescimento de 2,6%, mas o desemprego permanece teimoso - e perturbadoramente - alto, em torno dos 18%. A Itália continua a ser a grande questão, com o FMI a prever para este ano e no próximo, um crescimento do PIB de 0,8%. Será que as empresas familiares do norte da Itália conseguem novamente provar que são capazes de crescer nos mercados internacionais cada vez mais difíceis? Será que a próxima onda de novas tecnologias ajudará ou irá prejudicá-las? A França, também, continua a ser uma incógnita. Será que a grande transformação da política francesa de Macron levará a reformas que aumentem o crescimento? Se tal não acontecer, a Alemanha pode estar menos inclinada em juntar-se a Macron no processo de integração da zona euro.

Acima de tudo, a zona euro - ou talvez a UE - deve encontrar formas de garantir que todos cresçam e beneficiem do crescimento. Se será bem-sucedida ou não, ainda não sabemos. O que é certo é que, num ambiente como o actual, onde o pior parece já ter passado, a tarefa tornou-se mais fácil.

 

Ex-economista chefe do FMI, professor no MIT e no Instituto Peterson para Economia Internacional. É co-autor de várias livros e fundador do blog O cenário de base.